Populações
migrantes no Brasil e no mundo: a criatividade em debate. Esse foi
o tema escolhido para o 2o Ciclo de Palestras do Grupo de Estudos
Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão Social
e Escolar, promovido pela Faculdade de Educação da
USP e pela Pró-Reitoria de Graduação, nos dias
21 a 23 de setembro.
O evento contou com palestrantes da USP e de outras instituições,
ligados a diversas áreas de conhecimento. Na abertura, falamos
um pouco da nossa pesquisa sobre aquisição da língua
estrangeira ou portuguesa, construção da identidade
em migrantes lusófonos e o programa Diálogos
entre Universidade e escola pública, realizado em colaboração
com a Rádio USP, a ser lançado em breve.
O diretor da Rádio USP, Marcello Bitencourtt, falou sobre
a relação entre mídia e educação,
lembrando que a internet mudou não só o conceito de
rádio, mas também o de educação, fazendo
menção ao site da própria rádio, bem
como ao programa que dialoga com esses diferentes níveis.
Ele ressaltou o fato de que a mídia é, (in)felizmente,
voltada para a propaganda, mas que a Rádio USP ainda está
distante disso por ser universitária e, portanto, pode criar
programas inovadores como esse.
Outra importância de se utilizar a mídia está
no fato de que, na atualidade, a sociedade tem mais tempo livre
e a cultura entra como preenchimento desse espaço. Nesse
aspecto, a idéia de se vincular cultura, entretenimento e
informação útil é promissora para a
mídia radiodifusora. Sugeriu uma visita ao site da rádio,
pois lá é possível o acesso a programas já
fora do ar e entrevistas e informativos que já foram transmitidos.
O endereço é www.radio.usp.br.
No mesmo dia tivemos a presença de Antonio Brollezzi, professor
do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da
USP, e sua orientanda Cristina Dalva que falaram sobre o ensino
da matemática na escola e suas dificuldades. Suas falas transitaram
da conceituação de inteligência lógico-matemática
até o desenvolvimento da criatividade por meio do raciocínio
lógico. Passaram por diversos pesquisadores, estudiosos e
interessados nesse tema, como Platão, Santo Agostinho, Alfred
Binel que em 1905 criou o conceito de Q.I. , Guilford
(1959) e suas 150 habilidades independentes de inteligência
e, por fim, o conceito de inteligência social (1928), que
desembocará na inteligência emocional (1990).
É pela via da inteligência que se chega à criatividade.
Esta seria, segundo Brollezzi, um processo que torna alguém
sensível aos problemas ou lacunas do conhecimento.
O processo criativo possui aspectos e capacidades envolvidas, a
saber: insight (a primeira idéia sobre algo), preparação
e incubação (aspectos mesclados que se referem aos
pensamentos e desenvolvimentos relacionados à produção
criativa), iluminação (liga-se o inconsciente ao consciente
e monta-se a idéia criativa completa) e verificação
(momento de correção e encerramento do processo).
Para tal, são necessárias capacidades de criar associações
metáforas e transformações. Todos
os aspectos e capacidades são simultâneos. A
criatividade e seu estímulo são muito importantes
para o aprendizado da matemática, disse o professor.
No segundo dia do evento, participaram dois docentes da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Vima Lia
de Rossi Martin e Helder Garmes ambos do mesmo departamento
e área de estudo, o Departamento de Estudos Comparados de
Literaturas de Língua Portuguesa , e suas orientandas,
Pryscila Germini Bilato e Flávia Merigue Valenciano, respectivamente.
O que se propõe nessa área é estreitar os laços
e diálogos culturais entre os países africanos de
língua oficial portuguesa Moçambique e Angola,
entre outros e nós, brasileiros. Há, entre
esses territórios, contexto cultural e literaturas comuns
porque possuímos inclui-se, então, nessas semelhanças,
o Brasil história comum. A idéia do departamento
é incorporar, em seus estudos, disciplinas correlatas à
literatura como enfoque, como sociologia, antropologia e história,
sem, entretanto, perder de vista o objeto principal, ou seja, os
países e suas manifestações literárias.
O melhor método comparativo, segundo os palestrantes, é
aquele que rompe com a idéia de fonte e influência,
e que leva o nome de comparatismo de solidariedade, de autoria do
Benjamin Abdala Jr., fundador do mesmo departamento. Língua
e cultura são elementos muito próximos e que devem
ser vistos sem hierarquia, sendo o lastro cultural o mesmo. Não
se deve interpretar uma outra cultura com os olhos da nossa,
ressaltaram todos.
Outra palestrante, a professora Léa Franchesconni, veio do
Departamento de Geografia da FFLCH e falou um pouco sobre a questão
migração e trabalho, ligados à criatividade.
Segundo ela, o trabalho é a maneira como nos inserimos no
mundo, bem como nos relacionamos. O mundo do trabalho não
facilita o desenvolvimento da criatividade.
O ensino da geografia traz a migração como grande
fluxo populacional em trânsito. O migrante faz, ou fez, parte
desse fluxo. Para ela, o migrante tem o desafio da mudança
e a chance de ver um mundo diferente. A migração é,
portanto, instrumento de emancipação e traz em si
a criatividade, já que a pessoa que decide migrar tem a criatividade
instaurada.
A criatividade envolve também, para Léa, a produção
que visa ao lucro, pois é só pela criação
que se inova a produção de mercadorias e se vende
mais. O movimento das idéias é fundamental, portanto.
A escola é fundamental para a construção
do processo criativo, pois é ela que instaura e fomenta a
crítica. Deve ter espaço para o grupo, na contramão
da sociedade individualista em que vivemos. Deve levar à
reflexão e à discussão, disse a professora.
A pesquisadora Alessandra Cappovilla, pós-doutoranda do Instituto
de Psicologia da USP, iniciou sua exposição abordando
a atual dificuldade de alunos e professores, cada qual na sua competência,
em relação à leitura e escrita, bem como a
importância de um trabalho de prevenção a ser
feito com a criança a partir dos 2 anos, ao serem detectados
problemas como desenvolvimento rebaixado de vocabulário e
sintaxe.
Nesse contexto, a pesquisadora colocou o objetivo da alfabetização
como sendo a transmissão e compreensão da linguagem
escrita e ressaltou que a leitura não é apenas compreensão,
ela é a capacidade de transformar sinais gráficos
em fala e compreender a idéia que essa transformação
apresenta.
Sendo assim e abordando cada passo desse trabalho, Alessandra fez
a apresentação do método fônico: ensino
explícito e sistemático, com grau crescente de dificuldade
das habilidades de decodificação grafofonêmicas,
levando a criança a aprender o significado do que lê,
trabalhando mais com o som do que com o nome da letra e começando
com fonemas prolongáveis, como s, v, m, e depois indo para
os mais curtos, como p, b, c.
A seguir, mostramos o trabalho desenvolvido com a professora Márcia
Siqueira, do Centro Universitário Fieo, de Osasco, que aborda
a criatividade como sendo o que fará com que determinada
pessoa, em um jogo (vida), consiga fazer mais e melhores ações,
tenha mais flexibilidade e possa mudar de papel quando isso se fizer
necessário.
Nesse sentido, apresentamos a conceituação de resiliente,
que é aquela pessoa que sofre a derrota mas se refaz para
entrar novamente no jogo. Ela consegue ver na derrota a oportunidade
de sucesso. A palavra resiliente vem da física e é
a capacidade que a matéria tem de sofrer uma determinada
força sem se transformar.
Nos processos desse jogo, onde nossos instrumentos de brincar são
a fala e a escrita, cada uma tem que ser usada de forma adequada
e na hora certa, e é nesse jogo da vida que a identidade
do sujeito se constitui.
A mestranda da Faculdade de Educação da USP Luzia
Estevão Pereira falou sobre identidade e estabeleceu um paralelo
com a obra Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, em que
há uma sociedade de castas e as pessoas são produzidas
em laboratórios, cada uma de acordo com a necessidade que
terá durante a vida. Assim, nas últimas castas encontram-se
as pessoas cujas funções são consideradas inferiores.
Feito esse paralelo, a palestrante destacou que a escola pública
não foi feita para produzir a casta superior.
Sendo assim, a escola permite a reprodução das classes
sociais exatamente como elas são e por esse motivo é
necessário que haja um resgate da escola pública enquanto
instituição.
O ciclo terminou com a exposição da psicóloga
Ana Lucia Alcantara da Costa membro do Acolhendo ,
que trabalha com alunos da escola pública Presidente Nilo
Peçanha, em São Paulo. A psicóloga disse que
muitos professores se queixam da indisciplina das crianças,
e que estas percebem que seus professores não conseguem fazer
a leitura das dificuldades de seus alunos. Isso resulta em bagunça
e violência. O objetivo de seu trabalho é levar o aluno
a repensar qual é o seu papel como aluno, fazê-lo questionar,
pois se há questionamento há mudança.
Esses foram alguns aspectos abordados no 2o Ciclo de Palestras do
Grupo de Estudos Acolhendo Alunos em Situação de Exclusão
Social e Escolar. O evento representou uma rica experiência
para todos os participantes, ampliou a nossa visão sobre
os grupos que vivem em situação de exclusão
e, certamente, abriu caminhos para uma atuação cada
vez mais eficaz em favor desses grupos.
Nilce
da Silva é professora da Faculdade de Educação
da USP e coordenadora do Grupo de Estudos Acolhendo Alunos em Situação
de Exclusão Social e Escolar. O artigo acima foi escrito
com a colaboração dos membros do grupo.
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