Num clima de incertezas, em que cientistas, governos
e empresas falam em tempos e linguagens diferentes, o melhor é
unir forças e treinar muito para uma competição
que certamente reserva surpresas para o futuro. Climatologistas,
economistas, físicos, geneticistas, engenheiros e outros
estudiosos, além de empresários e representantes de
organizações não-governamentais, foram quase
unânimes em dar seus recados durante a 2a Conferência
Regional sobre Mudanças Globais: América do Sul, que
aconteceu de 6 a 11 de novembro no Blue Tree Convention Center,
em São Paulo. No evento promovido pelo Instituto de Estudos
Avançados (IEA) da USP e Academia Brasileira de Ciências
(ABC), diversos palestrantes disseram acreditar que o Brasil possui
as condições necessárias para responder competitivamente
ao provável cenário de mudanças climáticas
que se espera acontecer na Terra nos próximos anos, mas ainda
não conseguiu articular um consenso para revelar suas vantagens
competitivas ao mercado global.
Na opinião de alguns economistas, os tomadores de decisão
regionais e as prefeituras deveriam fazer o dever de casa,
a exemplo do que já faz a cidade de São Paulo, e inventariar
suas emissões, propondo metas de reduções de
gases relacionados ao efeito estufa, o que colaboraria para a viabilização
de projetos e inclusive para a criação de uma política
consistente e sistemática sobre redução de
emissões.
Diversos professores concordaram em dizer que ainda é necessário
fomentar mais o diálogo interdisciplinar entre a comunidade
científica, além de buscar mais cooperação
internacional e principalmente o dialogo com governos locais. Para
que o Brasil possa fazer prevalecer seus interesses no exterior,
é preciso que haja o respeito mútuo entre três
protagonistas, que são a comunidade científica, o
governo e o setor empresarial. É evidente que as organizações
não-governamentais também têm o seu papel, mas
para que o País possa revelar ao mundo, de forma articulada,
a capacidade que tem de viabilizar objetivos de redução
de gases de efeito estufa, precisa construir um consenso entre esses
três setores, disse o professor Jacques Marcovitch,
da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade
(FEA) da USP, durante a palestra sobre mudanças globais e
relações internacionais.
O Brasil tem de discutir internamente e, se decidir que deve
propor um programa, precisa então se engajar em metas. O
Brasil tem suas obrigações, sim, estabelecidas por
uma lei supranacional. A Índia já está fazendo
isso, disse o professor do IEA Luiz Gylvan Meira Filho, na
mesa-redonda sobre relações internacionais e mudanças
globais. Nessa nova ordem ambiental, o Brasil precisa definir
seus interesses e identificar oportunidades diante dessa perspectiva
de mudanças climáticas, afirmou o professor
Wagner da Costa Ribeiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) e do Programa de Ciência Ambiental (Procam)
da USP.
O Brasil não faz parte dos países do Anexo 1, ou seja,
daqueles que possuem uma meta obrigatória de redução
de emissões de gases de efeito estufa até 2012. No
entanto, após essa data, nada garante que o Protocolo de
Kyoto mantenha as mesmas regras. Por isso, e inclusive para aproveitar
as vantagens competitivas que já possui, o País deveria
ser mais ágil para propor projetos e negociar créditos
de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), na opinião de
Marco Antônio Fujihara, diretor da PricewaterhouseCoopers,
empresa que audita projetos do gênero em todo o mundo. Os
países do Anexo 1 não vão querer continuar
pagando essa conta sozinhos e acredito que no futuro ela vai acabar
chegando também para os consumidores brasileiros. Nada garante
que as regras não mudem após 2012. A maior dificuldade
do Brasil ainda continua sendo o estabelecimento de marcos regulatórios
sobre o tema, afirma Fujihara.
Metas
Na opinião do executivo, o Brasil tem que criar uma aliança
entre público e privado, arregaçar as mangas e ver
como é que vai produzir um consenso. Precisamos fazer
a conta de quanto poderemos ter de vantagem para determinados segmentos
econômicos. Os empresários ainda precisam internalizar
essa realidade nas suas vantagens competitivas. Por exemplo, 90%
da nossa energia é de matriz hidráulica. Isso é
competitivo. Com alguma mudança, o processo de fabricação
do aço poderia ter mais vantagens competitivas. Então
o que precisamos é mostrar essa vantagem, afirmou.
O Brasil possui 40 projetos de MDL em andamento, enquanto a Índia,
país que também não faz parte do Anexo 1, tem
cerca de 500 projetos do tipo, segundo Fujihara. Isso significa
que a Índia já fez essa conta de quais setores podem
reduzir mais as emissões e podem trazer lucro para o país.
Em vez de fazermos projetos pontuais, separados, precisamos englobá-los
dentro de uma política geral, de forma sistêmica, como
a Índia faz, opina.
Há setores inovadores no Brasil que já demonstram
preocupação cada vez maior quanto às emissões,
caso da siderurgia, energia, transportes e saneamento, lembrou Marcovitch.
Mas o País ainda falha gravemente em práticas como
o desmatamento, disse.
Marcovitch:
é preciso mais diálogo interdisciplinar
Dependendo do período medido, o Brasil pode ser considerado
um dos maiores emissores dos gases do efeito estufa. Em estudos
que abarcam períodos longos, anteriores a 1950, o Brasil
aparece entre os 20 principais poluidores. Num ranking de cem países
abarcando um período menor, no entanto, o Brasil figura entre
os seis primeiros. A situação é singular em
todo o planeta. Enquanto os demais poluidores emitem gases a partir
da queima de combustíveis fósseis, as principais fontes
poluidoras do Brasil são o desmatamento, as queimadas e o
tráfego de veículos automotores. Meira Filho disse
que o desmatamento da Amazônia é responsável
por 85% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil.
Num inventário produzido há mais de dez anos pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia, esse porcentual
correspondia a 70%.
Política
Fujihara e outros palestrantes, como o professor Meira Filho, ressaltaram
a vontade política e a força de grupos empresariais
na execução de programas de redução
de emissões e na própria ratificação
do protocolo, como é o caso dos Estados Unidos, que já
declararam não ter interesse em implantar o acordo por uma
questão de viabilidade econômica e estrutural. Na Europa,
80% das emissões são realizadas por 12 grupos empresariais,
que têm nome e endereço, lembrou o executivo da PricewaterhouseCoopers.
Na sua palestra, o professor Meira Filho revelou algumas passagens
de conversas que manteve com fontes do Senado norte-americano. Se
Brasil, Índia e China passassem a ter metas de redução
a partir de Kyoto, os Estados Unidos ratificariam o acordo?,
perguntou a um representante do setor carvoeiro e de pequenos produtores
de petróleo norte-americanos. A resposta foi não
e que este foi um argumento muito bom utilizado para conseguir adiar
por muito tempo a entrada ou não dos Estados Unidos,
disse. Depois dessa tática, a próxima será
pôr em questão os resultados científicos do
Protocolo e das mudanças climáticas, revelou
a fonte, segundo o professor.
O lobby no Senado norte-americano se explica pelo fato de que aqueles
dois setores investiram pesado durante muito tempo nos Estados Unidos.
Agora se perguntam se de uma hora para outra eles se tornaram
os vilões. Por outro lado, se um trabalhador de minas fica
desempregado, é o governo quem terá de pagar sua aposentadoria,
explicou Meira Filho.
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