 
Obras de Tozzi: a cidade com mais
arte
Diante da obra de Claudio Tozzi o melhor é ser
povo. De preferência, povo da cidade. Porque é para
ele e para ela que esse paulistano nascido em 1944 faz arte desde
o início dos anos 60. Para vê-la não é
necessário ir a galerias, colecionar peças, comprar
livros caros; basta andar por São Paulo. Pelas ruas, pelo
Metrô. Olhar os muros, os prédios onde estão
seus painéis gigantes, cheios de cores, de preferência
o azul. Também não é necessário quebrar
a cabeça para entender a sua arte. Se há quadros figurativos,
concretos, abstratos, geométricos, impressionistas, expressionistas,
isso fica para a interpretação de críticos
especializados. Para o povo sobram símbolos, ou signos, de
fácil entendimento, tirados do dia-a-dia da vida. Um parafuso,
por exemplo, não sai da cabeça de Tozzi há
40 anos. Sua arte evolui, novos temas se acrescentam, mas o parafuso
está sempre lá. Em posição vertical,
na horizontal, de ponta-cabeça, isolado, em grupo, dentro
de uma caixa, em branco, em vermelho, em vermelho sobre suporte
escuro e um elemento azul, em repouso ou em ação,
perfurando um cérebro. Quem não sabe e não
sente que um parafuso é um instrumento de penetração,
de tensão, de tortura e, no pincel do artista, esteticamente
bonito? Não é também bonita aquela zebra que
pasta no alto de um prédio na praça da República?
Embora animal apenas africano, ganhou as graças do povo brasileiro,
que brinca com ele até quando dá zebra. Tozzi fez
o painel em 1972, bem antes das vacas acrílicas que invadiram
São Paulo este ano.

A Editora da USP (Edusp) vem publicando, em co-edição
com a Imprensa Oficial do Estado, uma série intitulada Artistas
Brasileiros. Chegou a vez de Claudio Tozzi, por iniciativa dos jornalistas
Leila Kiyomura repórter do Jornal da USP e
Bruno Giovannetti. No livro, segundo a professora Ana Mae Barbosa,
os organizadores apresentam Claudio Tozzi como se ele estivesse
caminhando pela cidade. Reúne depoimentos de artistas e amigos,
fragmentos críticos, observa o seu percurso pela repercussão
da sua obra na mídia. Propositadamente, insere todos que
participam do livro no meio da multidão, sem a identificação
de suas funções. Artistas, professores, críticos,
jornalistas, urbanistas, sociólogos... Todos no vaivém
da cidade.
Um primeiro lançamento da obra, com a presença dos
autores e do artista homenageado, foi feito quarta-feira, dia 9,
no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, na Cidade Universitária.
Outro lançamento está previsto para este sábado,
dia 26 na Bienal de Arquitetura (Livraria Pró-Livros, às
11 horas), no Parque do Ibirapuera.
É justo que a Universidade reconheça e divulgue a
arte de Tozzi, que foi seu aluno, da Escola de Aplicação
até a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e agora
professor de Estrutura da Linguagem Visual, também na FAU.
O artista gostou do livro de Leila e Giovannetti: Graficamente
bonito, uma grande retrospectiva, de leitura não-seqüencial,
mas atemporal, com leveza em qualquer página.
Guevara
Tozzi acompanha o seu tempo e reproduz em telas e painéis
os momentos mais marcantes. Escrevem os organizadores: No
clima da geração de briga, deixou-se envolver, cada
vez mais, pelos movimentos de massa. Apropriou-se dos flagrantes
que registrava e também de fotos de jornais e revistas para
criar cenas em alto contraste e colagens. Passou a transpor a realidade
em séries.
No tempo da ditadura, com 23 anos, espalhou painéis representando
Guevara vivo ou morto em meio a crianças e gente sofrida,
quadro considerado subversivo, recusado pelo Salão de Brasília
(1967) e destruído. Por essa e outras, foi preso, teve de
calar temporariamente os temas políticos, mas sem nunca abandonar
os valores sociais e morais ligados à cidade.
Buscando novas possibilidades gráficas e novos símbolos,
apresenta o primeiro parafuso. Eu uso o parafuso como um símbolo,
explicou anos mais tarde, que representa as pressões
existentes, que representam movimento. Escolhi o parafuso porque,
além desse significado que lhe pode ser atribuído,
é altamente estético, dá para trabalhar bem.
Segundo Leila, o parafuso é a engrenagem da cidade, mas o
grande parceiro de Tozzi é o sol. O sol que ilumina seu ateliê
todo branco, do chão aos tapetes e móveis, conforme
foi descrito em livro anterior da dupla de jornalistas sobre os
ateliês de pintores paulistas.
De sol e de cores também não poderiam deixar de falar
os poetas que observam a produção do arquiteto, que
não queria construir nada além de arte. No poema claudio
tozzi: cor pigmento luz (assim mesmo, tudo em letras minúsculas),
Haroldo de Campos (no original também em minúsculas)
proclama:
A cor
pensa a cor
a cor da cor
se transparenta
e é luz
pensar
a luz
a luz da luz
se fragmenta
e é cor
a palavra
cor
na cor
a palavra da luz
na luz
O poema
prossegue em mais seis fragmentos. Mas aqui cederá lugar
a outro poeta, Flávio Império, que em texto sem título
diz:
Claudio
é uma cabeça limpa de pintor contemporâneo,
sabe ver sabe prever e, principalmente, sintetizar. A mão
não é seu faceirismo, aparentemente ausente ela se
ocupa de mil tarefas ocultas auxiliares paralelas nos muitos
gestos de construir.
Quem
quiser entender e apreciar o olhar de críticos de arte, professores
e de outros artistas sobre Tozzi, leia a última parte, e
bem extensa, do livro de Leila e Giovannetti. Lá estão
Mario Schenberg, Daisy Peccinini, Aracy Amaral, Fábio Magalhães,
Nelson Aguiar, Jacob Klintowitz, Olgária Matos, Victor Knoll,
Iolanda Húngaro, Elza Ajzemberg, Issao Minami, Júlio
Moreno, Marcello Rollemberg, Sérgio Ferro, Paulo de Tarso
Venceslau, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Tomie Ohtake, Wesley
Duke Lee, Luiz Paulo Baravelli, Arcângelo Ianelli, Aldemir
Martins, Cristiano Mascaro, Yara Nagelschmidt, Benedito Lima de
Toledo e José Roberto Aguiar (nomes todos propositalmente
sem mais indicações, para que os críticos se
confundam com o povo a quem a arte de Tozzi se dirige prioritariamente).
Schenberg, físico de renome internacional, militante político
e crítico de arte, dirigindo-se a Tozzi, escreveu: Você
sofre a influência da arte geométrica, mas agora está
tentando transformar essa arte numa coisa vibrante, mais sensorial.
Aliás, esse processo foi um pouco do que se deu internacionalmente.
Depois do abstracionismo geométrico, os artistas passaram
para o expressionismo abstrato, uma retomada de Monet, procurando
a cor como energia. Você está buscando uma síntese
do expressionismo abstrato e da construção geométrica,
que pode ser uma tentativa de sintetizar grande parte da arte do
século 20. Depois disso, o físico e crítico
reconhece que a interpretação da arte tem muito de
subjetivo, e até o artista, quando olha o próprio
quadro, ele o faz condicionado pela sua personalidade. Outra pessoa
olha para o quadro e vê outra coisa diferente. Isso
vale também para gerações diferentes. Schenberg
conclui: A arte, a partir de um determinado momento, se torna
independente do artista, tem sua própria história.
Quem fizer uma pesquisa nas ruas de São Paulo, agora ou daqui
a um século, certamente encontrará milhares de opiniões
diferentes sobre a obra de Claudio Tozzi. Diferentes, mas não
no entendimento de que um parafuso é um instrumento de tensão
e de tortura, física ou mental.
A arte politicamente engajada de Tozzi fustigou a ditadura militar
brasileira, do mesmo modo que faziam os artistas da música
popular, do teatro, do cinema. Atualmente, ele se preocupa mais
com a forma, com o equilíbrio da pintura, mantendo como tema
preferencial a cidade e a arte pública. Mesmo que São
Paulo tenha mudado muito em 40 anos, invadida por prédios,
com bairros semidestruídos, violenta, superpovoada e carente
de planejamento, nada muda em relação à
arte. Pelo menos em relação à sua arte,
que, ele tem certeza, continuará viva graças também
aos seus alunos, que agora mesmo têm uma exposição
na FAU.
A
arte e a metrópole
Em
artigo integrado ao livro de Leila e Giovanetti, intitulado
Por uma cidade viva. E mais poética, o
professor Claudio Tozzi fala sobre seu conceito de cidade
e projetos para a sua gestão, estimulando um crescer
ordenado e novas relações com a natureza e com
o social. É pois (a cidade) um organismo vivo,
e cada sulco, cada via que se constrói, implica a abertura
de um novo espaço. Relações de cheios
e vazios, que determinam a sua fluidez e beleza. São
intersecções que orientam os fluxos simbólicos
no espaço da metrópole; resgatar para a cidade
a leveza, a luz, a cor, os limites, as formas... Organizar
seus espaços, montar sua poética, projetar sistemas
de informação e equipamentos urbanos, integrar
as artes plásticas a este novo sistema; questões
amplas, para o contexto do ato de intervir na cidade.
Segundo o artista, a questão específica
do designer e programador visual é propor sistemas
de objetos e signos de informações, criar uma
semiótica urbana que se integre na conceituação
ampla da cidade e não somente resolva questões
que atuam num território restrito.
Por isso, é necessário que o designer,
o arquiteto e o artista plástico se integrem num processo
de trabalho interdisciplinar. E sua formação
deve ser ampla de informações tecnológicas
e conhecimento de valores humanos, abrangendo questões
que extrapolem o simples ato de criar ou de projetar um objeto
isolado. A cidade passa a ser um sistema único, seu
desenho integrado, que resulta num ambiente mais propício
ao desenvolvimento do homem em suas relações
sociais e com a natureza.
O artista e professor conclui que esta unidade de ação
de pensamento, da arquitetura e da pintura, pode determinar
uma arte única e resolver as questões entre
uma e outra.
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