Em quase 20 anos no Instituto de Psicologia da USP, nossa
pesquisa sistemática e rigorosa tem revelado uma série
de recursos efetivos para solucionar alguns dos principais entraves
das políticas de educação pública brasileira,
em áreas como o fracasso generalizado de alfabetização
e aprendizagem escolar, a educação bilíngüe
de crianças com surdez profunda congênita e a inclusão
escolar de crianças com paralisia cerebral. Nossos materiais
de ensino eficaz e de avaliação parametrizada, válida
e sensível têm ajudado a mudar a história da
educação brasileira. Usando baterias de avaliação
cognitiva e lingüística, comparamos os efeitos de diversas
condições de ensino-aprendizagem (alocação
em escola regular versus especial; métodos fônico versus
global para ouvintes, e bilíngüe versus oralista para
surdos) sobre o desenvolvimento de educandos com diferentes características
(fracasso escolar, surdez, paralisia cerebral, dislexia).
A partir da constatação de que crianças com
diferentes configurações de características
se desenvolvem melhor sob diferentes configurações
de condições pedagógicas (como alocação
escolar e método de ensino-aprendizagem), chegamos a um modelo
matricial que permite: 1) descobrir as condições mais
apropriadas para cada criança; 2) definir estratégias
para promover ensino-aprendizagem para uma dada população
escolar a partir do levantamento das características dessa
população escolar; 3) avaliar a eficácia diferencial
dessas estratégias por meio de estudos científicos
com metodologias experimental e estatística rigorosa e amostragem
representativa para obter resultados válidos e confiáveis;
e 4) recomendar as políticas públicas de alocação
escolar e de ensino para sua implementação, a partir
do mapeamento das condições pedagógicas mais
apropriadas para crianças com diferentes características.
Educação
de surdos
Na área de educação de surdos, nossos materiais
de ensino incluem: 1) a Enciclopédia da língua de
sinais brasileira, com 19 mil páginas; 2) a enciclopédia
digital com interface gráfica, que permite encontrar qualquer
sinal mesmo desconhecendo a palavra correspondente em português;
3) o sistema de comunicação surdo-ouvinte e de telecomunicação
baseado em sinais falantes e acionáveis pelo piscar, que
permite a comunicação de surdos tetraplégicos;
e 4) o Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe
da Libras, premiado pela Câmara Brasileira do Livro.
Publicados pela Editora da USP (Edusp) e Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, dicionário e enciclopédia vêm
sendo usados para resgatar a cidadania da população
surda brasileira e prover educação bilíngüe
de qualidade em cumprimento da lei federal número 10.436/02.
Distribuída neste março de 2006 pelo MEC via Programa
Nacional do Livro Didático, a terceira edição
do dicionário beneficia diretamente 37 mil estudantes surdos
de 8.500 escolas espalhadas por 27 unidades da federação.
Para descobrir que condições são mais propícias
à educação de surdos, conduzimos mapeamento
refinado das competências cognitivas e lingüísticas
de 7 mil estudantes surdos de 14 estados.
Analisamos o desenvolvimento de linguagem escrita (competência
de leitura e escrita, compreensão e produção
de textos), oral (leitura orofacial) e de sinais (compreensão
de sinais) como função das características
do aluno surdo (grau e idade de perda auditiva, situação
familiar, nível socioeconômico), e do ensino como o
tipo de abordagem ou filosofia educacional (bilingüismo, oralismo,
comunicação total), de veículos de comunicação
e ensino (Libras Linguagem Brasileira de Sinais , português
sinalizado, português) e de alocação (escola
especial, classe especial ou classe regular de escola regular).
Ilustrando a importância da abordagem matricial para descobrir
as indicações específicas de diferentes configurações
de condições pedagógicas para educandos com
diferentes configurações de características,
o cruzamento de informações do estudo revelou que
surdos congênitos se desenvolvem melhor com educação
ministrada em Libras e em meio à sua comunidade lingüística
sinalizadora, ao passo que deficientes auditivos com perda pós-lingual
ou abaixo de severa se desenvolvem melhor sob o modelo de inclusão
com ensino em português em escola regular.
Tal dado é relevante para reorientar a política de
ensino de surdos do MEC, já que, quando se analisa a composição
da população das escolas para surdos, percebe-se que
92% dos alunos têm surdez congênita e profunda ou severa.
Portanto, uma política inclusivista universal de construtivistas
que propõem o desmantelamento das escolas especiais e a pulverização
de sua população escolar com surdez profunda congênita
em escolas regulares para ouvintes ignorantes de Libras se revela
deletéria para 92% dos casos. Dada a política de inclusão,
percebe-se a urgência de disponibilizar materiais para disseminar
a Libras na comunidade ouvinte das escolas regulares, como os que
temos desenvolvido.
Fala
e escrita
Outras áreas de avanços substanciais são as
de ensino, reabilitação e inclusão de estudantes
com distúrbios de comunicação e linguagem decorrentes
de danos neuromotores que impossibilitam articular fala e escrita,
como na tetraplegia por paralisia cerebral ou esclerose lateral
amiotrófica, e neurolingüísticos, como na afasia
e dislexia. Para a inclusão escolar de paralisados, nos últimos
15 anos desenvolvemos diversos sistemas especialistas de multimídia
portáteis e falantes, acionáveis pelo piscar, para
comunicação e alfabetização, que não
deixam nada a desejar em relação aos melhores do mundo,
como o do físico Stephen Hawking.
Mais que meras próteses de comunicação para
inclusão, tais sistemas constituem próteses de cognição
e linguagem, produzindo o desenvolvimento da fala interna e, com
ela, leitura e escrita competentes. Para compreender as dificuldades
de crianças com severos distúrbios neurolingüísticos,
desenvolvemos baterias informatizadas de avaliação
metalingüística, e as usamos para descobrir procedimentos
eficazes a fim de prevenir as manifestações cognitivas
e comportamentais da dislexia do desenvolvimento, desde que administrados
até os 6 anos, mesmo em crianças com distúrbios
anatômicos típicos da dislexia, como anomalias citoarquitetônicas,
polimicrogirias e assimetria reversa do plano temporal esquerdo,
presentes desde o sétimo mês de gestação.
Atendendo a forte demanda por tratamento, descobrimos que esses
procedimentos fônicos e metafonológicos se mostram
eficazes para remediar e prevenir não só dislexia
do desenvolvimento como, também, fracasso escolar em geral.
Contudo, logo fica claro que as dimensões endêmicas
do fracasso de aquisição de leitura e escrita são
intratáveis do ponto de vista clínico e que demandam,
em primeiro lugar, pesquisa de ponta para identificar os fatores
etiológicos críticos responsáveis e passíveis
de modificação e controle pelo poder público,
e, em segundo lugar, a adoção imediata de políticas
nacionais de controle desses fatores para reverter e prevenir o
fracasso. Afinal, no ensino fundamental brasileiro, fortemente construtivista
e recordista mundial de incompetência (segundo a Unesco),
a cada ano fracassam 7,4 milhões, nada menos que 20% da população.
Método
Em todo o mundo, o fator mais crítico ao sucesso ou fracasso
escolar e mais maleável à modificação
pelo poder público é o método que o professor
usa para alfabetizar em sala de aula. Por método entenda-se
toda e qualquer atividade que o professor introduz com o propósito
de levar seus alunos a se tornarem competentes em leitura e escrita.
Observando as atividades de sala de aula de uma ampla amostra de
professores, percebemos claramente a existência de um conjunto
padrão de atividades que configura um método. A descrição
mais precisa desse método padrão no Brasil pode ser
encontrada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de
alfabetização, outorgados pelo MEC em 1997, amplamente
divulgados na internet, eficazmente sancionados pelas Secretarias
de Educação e repetidos ad nauseum aos milhares de
professores brasileiros que a cada ano se vêem constrangidos
a assistir a pífios programas de formação
de alfabetizadores às custas do erário.
Os PCNs determinam o que professor deve e o que não deve
fazer em sala de aula para promover a alfabetização.
O cumprimento estrito desse conjunto claro de prescrições
e proscrições para o professor, tal como documentado
pelos cadernos escolares e planos de aula, costuma ser fiscalizado
com rigor por coordenadores pedagógicos e agentes das Secretarias
de Educação.
Comparando as prescrições e proscrições
dos PCNs brasileiros com as dos PCNs de países classificados
pela Unesco como competentes, descobrimos que os PCNs dos competentes
prescrevem precisamente o que os brasileiros proscrevem, e proscrevem
precisamente o que os brasileiros prescrevem! Para ilustrar os desacertos
dos brasileiros, embora o alfabeto seja um código de correspondências
entre grafemas e fonemas, e seus inventores fenícios já
ensinassem a escrever e ler como atividades reversíveis de
codificação fonografêmica e de decodificação
grafofonêmica por meio de atividades de escrita sob ditado
e de leitura em voz alta, os PCNs brasileiros criticam a insistência
de conceber o alfabeto como código e de ensinar correspondências
entre grafemas e fonemas, criticam a prática de leitura em
voz alta e determinam que o professor privilegie a prática
de leitura silenciosa de textos conhecidos para levar o aluno a
ler sem recorrer à fala interna.
Obtusamente ingênuos, para avaliar a leitura os PCNs brasileiros
preconizam que o professor conte uma história; a distribua
sob a forma de texto; e, depois de um tempo, peça aos alunos
para recontá-la, considerando o reconto como interpretação
de texto. Movidos pelo National Reading Panel (NRP) americano
e o Observatório Nacional da Leitura (ONL) francês,
que ressaltam a importância crítica do método
de alfabetização, analisamos o grau de competência
dos alunos brasileiros como função das atividades
usadas pelos alfabetizadores na sala de aula. A descoberta, ainda
que prevista pelo NRP e ONL, foi desconcertante: quanto mais fiéis
aos PCNs brasileiros são os professores durante o ano letivo,
tanto maior a incompetência de leitura e escrita de seus alunos
ao final desse ano letivo. Isso mostra que os programas de formação
de alfabetizadores construtivistas que pregam os PCNs são
não apenas dispendiosos para o erário como, também,
danosos para a competência da nação.
Alfabetização
eficaz
Depois de varrer a bibliografia científica internacional
em busca dos procedimentos mais eficazes para a alfabetização,
conduzimos uma série de estudos científicos rigorosos
em escolas particulares e públicas, que nos permitiram aperfeiçoar
os procedimentos e gerar muitos novos. O resultado desse esforço
de mais de uma década foi o primeiro método de alfabetização
comprovadamente eficaz, disponibilizado aos professores em livros
como Alfabetização: método fônico (terceira
edição), Alfabetização fônica
(segunda edição) e Problemas de leitura e escrita
(quarta edição), dentre outros, sempre com direitos
doados à pesquisa.
A partir desses livros, formamos centenas de alfabetizadores que,
comprovando a eficácia do método com seus próprios
alunos de escola pública, são hoje os mais entusiastas
adeptos de sua disseminação. A adoção
do Método Fônico pelo MEC foi explicitamente recomendada
pela Comissão Internacional de Especialistas em Alfabetização
em seu relatório final, apresentado ao Congresso Nacional
e hoje disponível no livro intitulado Os novos caminhos da
alfabetização infantil (segunda edição).
Como já ocorreu com o resto do mundo, o Brasil está
se dando conta da necessidade de levar a sério o conhecimento
científico como base sólida para a adoção
de políticas públicas. Como líder na produção
científica brasileira, a USP terá um espaço
cada vez maior no acompanhamento e aperfeiçoamento sistemáticos
dessas políticas.
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