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ranklin Leopoldo e Silva, professor de Filosofia da USP, está convencido de que o momento brasileiro se caracteriza pelo fim da política: as instituições chegaram à falência e em seu lugar atuam grupos, e até “quadrilhas”, num jogo de negócios em que estão envolvidos o Legislativo, o Executivo e os partidos do governo e da oposição. E a razão profunda da crise, segundo ele, é o tipo de democracia que prevalece no mundo da globalização e do neoliberalismo, que impõe suas diretrizes a todos os países, especialmente os do Terceiro Mundo, mas sem poupar os superdesenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra. No Brasil, “a autonomia do ponto de vista político-econômico passou a ser mais formal que real. Tanto o Legislativo quanto o Executivo não funcionam propriamente como poderes institucionais, funcionam como lugares onde se organizam e se executam determinadas políticas que já vêm mais ou menos delineadas por organismos internacionais”, afirma Leopoldo e Silva. Para ele, só há um modo de alterar um pouco esse jogo de interesses pessoais e grupais: mudar pelo voto o perfil dos congressistas; eleger pessoas comprometidas com princípios democráticos de verdade, que façam leis de interesse social, em vez de derrubar direitos adquiridos, como é a tendência atual.

Se Leopoldo e Silva analisa o Brasil do ponto de vista político, outros professores da USP refletem sobre diversos aspectos da vida nacional, como infra-estrutura, agronegócio e educação, num esforço de, sem partidarismos, descobrir onde se situa a verdade, entre o País maravilhoso pintado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o País do apocalipse descrito pela oposição.

foto: Cecília Bastos

Adesão forçada – Para explicar o quadro nacional de hoje, o professor Leopoldo e Silva remonta aos meados da década de 80, de redemocratização do Brasil e transição para a Nova República, e observa que, durante o período da ditadura, houve profunda mudança internacional de caráter político e, principalmente, econômico. O País teve de se adaptar aos novos parâmetros globais. A democracia já não era a mesma que havia sido cortada pelos militares; o contexto era outro, o da globalização e do neoliberalismo. Em síntese, uma democracia formal, sistema hegemônico que, em princípio, preservasse as liberdades individuais, uma Constituição em vigor, poderes independentes, alternância no poder. No entanto, essas forças aparentemente democráticas acabam funcionando como elementos de execução de uma política global internacional, não como uma política autônoma em termos nacionais. E isso acontece no mundo inteiro. Dos anos 80 para cá, percebe-se pelos acordos internacionais que o Brasil teve que se adaptar a essas diretrizes.

fotos: Francisco Emolo

Segundo o professor, a conseqüência disso é que se esvazia o caráter político das discussões nos parlamentos, e, quando o espaço público perde o seu sentido, é imediatamente ocupado por uma luta de interesses – “todos os interesses, menos os gerais”. É o que está acontecendo agora, segundo Leopoldo e Silva: o espaço político é ocupado por todo tipo de interesses particulares e de grupos. O Congresso Nacional virou lugar de luta entre diversas forças, mas não de luta política; é luta como meio de pressão no Executivo para que as políticas dos grupos se efetuem. “Então, o que era antes força externa que pressionava o Congresso, o lobby, temos agora uma espécie de generalização do lobby. O negócio tomou conta do Congresso; a negociação política deu lugar à negociação lobista. Se, por exemplo, o Senado tem seus interesses contrariados, transforma-se numa força aparentemente política de oposição a outro grupo de oposição ao governo, mas não está defendendo idéias políticas, mudanças estruturais; está defendendo o seu próprio terreno.

Mensalão – É nesse cenário que o professor do Departamento de Filosofia analisa o mensalão (denúncia de pagamento a congressistas de vários partidos para apoiarem projetos do governo e interesses do PT no Congresso). Não havendo espaço político de discussão de idéias, há que se partir para uma negociação no sentido mais pobre da palavra. E todos estão envolvidos nela: Legislativo, Executivo, Judiciário. O Executivo se confronta com o Legislativo negociando no sentido cash, porque não há clima para discutir idéias.

“É o fim da política”, deduz o professor. “Estamos vivendo a maior crise das instituições. É falência mesmo. Quando a instituição política, que tem tarefas próprias na democracia e devia atuar autonomamente, passa a negociar no pior sentido do termo, é porque a política não está presente de jeito nenhum.” Leopoldo e Silva detecta ações próprias de “quadrilhas”, porque, segundo ele, os grupos estão assim organizados “para agredir o erário público e ganhar o máximo possível”. Até o Judiciário estaria sendo pressionado para entrar nesse jogo, naquilo em que pode intervir.
Embora o neoliberalismo se estenda a todos os países, o professor percebe sinais de resistência em alguns deles. Na França, por exemplo, ainda há espaço para negociação política, como ficou patente quando, por pressão popular, o governo teve de revogar uma lei considerada prejudicial aos trabalhadores.

O presidente Lula tem responsabilidade pessoal por essa crise? Leopoldo e Silva entende que não. O PT, para ganhar a eleição e participar ativamente do cenário político, teve de fazer concessões ao sistema. Todos sabiam, antes mesmo das últimas eleições, que seria assim. Não escondeu o jogo. Na Carta aos Brasileiros está dito que nada mudaria com a vitória de Lula. “A única forma de assumir isso que se chama poder, mas, na minha opinião, mera função de execução de ordens, é seguir as corporações internacionais, que detêm os interesses de vários setores, mas todos unidos pelo interesse econômico.” O poder no sentido próprio, com eleições, partidos políticos, Legislativo, Executivo, ficou démodé diante do poder das corporações, que pressionam todos os governos.
No Brasil, haveria outro caminho? A questão, segundo o professor da Filosofia, é até onde se pode ir para chegar ao poder, guardar distância entre os meios e os fins, entre o vale-tudo e a ética. Há o risco de deturpar antecipadamente os fins ao se usar certos meios. Será que, no caso de Lula, vêm sendo usados meios que deturpam os fins? “Acho que em boa parte”, responde Leopoldo e Silva. “A gente analisa o governo, agora que muita coisa foi realizada em termos de política social, que provavelmente não teria sido realizada por um governo de outro partido, e percebe que esperava mais de um partido cuja bandeira era a política social.” Segundo o professor, houve uma renúncia parcial a determinados projetos para que o partido se mantivesse no poder, fosse aceito na comunidade financeira internacional e nacional e tivesse condições mínimas de governabilidade.

Eleições – O analista da situação institucional brasileira chega à conclusão de que o cenário para as eleições de outubro é “péssimo”. Se houver a reeleição de Lula, a perspectiva será de continuidade da política e “desse andar de tartaruga nas reformas sociais” e, ainda, aceleração das reformas trabalhistas que pretendem tirar direitos adquiridos. Se a oposição vencer, será a mesma coisa na política econômica e nas reformas contrárias aos interesses dos trabalhadores. Saída? Só pela via do Legislativo, segundo Leopoldo e Silva. Pela escolha de um Congresso que retome a independência e enfrente essa dimensão quase totalitária do neoliberalismo.
Outro professor da USP, Guilherme Dias, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), não quer nem pensar na repetição do governo petista: “Não percebo um cenário de reeleição”. Mas, se ocorrer, ele teme a ingovernabilidade, por impossibilidade de formar a equipe ministerial e porque “ninguém mais confia no processo decisório”. Segundo Dias, esse jogo deve acabar: “O País precisa de baralho novo”.

Na Escola Politécnica, Departamento de Transportes, o professor Jorge Eduardo Leal Medeiros se declara desiludido, vexado: “Vivemos coisas que não vimos antes. Há liberdade, mas, em contrapartida, noto mudança de costumes em relação a aspectos éticos. Preocupa-me a geração futura”. Segundo ele, falta no Brasil a visão do outro, as pessoas estão muito voltadas para o próprio umbigo.

Na avaliação do professor José Eli da Veiga, também da FEA, “apesar das gigantescas tragicomédias e decepções produzidas pelo PT, foi positivo para a sociedade brasileira o governo presidido por seu chassi, o ex-metalúrgico Lula. Tudo indica que poderá ter sido tão benéfico à nação quanto qualquer dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, mesmo que por razões diversas. Este será o balanço que os historiadores farão quando a distância temporal permitir uma avaliação mais isenta”.

 

Sem perder de vista o futuro

Um dos setores da economia nacional que se consideram prejudicados pela política cambial do governo – que não pára de supervalorizar o real diante do dólar –, pela precariedade da infra-estrutura dos transportes, principalmente rodoviário, e pela descontinuidade nos financiamentos é o agronegócio. Na opinião do professor Marcos Sawaya Jank, da FEA de Ribeirão Preto, o agronegócio passa por um processo ciclotímico, transitando rapidamente da euforia para a crise. E não é de agora. Pelo menos nos últimos dez anos, os interesses da agricultura estiveram pulverizados por quatro ministérios, inclusive o da Pesca, e enfrentaram programas contraditórios, numa política de desperdício de dinheiro e perda de rentabilidade. Segundo Jank, se há falhas, são nossas, porque o mercado internacional está aberto para todos.


Especialista em agronegócio, o professor Guilherme Dias, da FEA da capital, considera que a crise é conjuntural e não coloca em risco, a médio e longo prazo, a viabilidade do setor. “São coisas ligadas a um ritmo um pouco acelerado demais nos investimentos feitos nos últimos três ou quatro anos, que criaram problemas de ciclo, não de viabilidade”, explica, acrescentando que o mundo do agronegócio é totalmente favorável. Crise mesmo, com quebradeira, ele admite apenas em algumas áreas específicas, como a da soja no Brasil Central e de culturas no cerrado, onde os agricultores têm dívidas a pagar por terras e os financiamentos são precários. “Esta crise tem seu tempo e sua saída”, afirma. Segundo Dias, a política cambial repete erros nos últimos 30 anos. Com o real valorizado, as pessoas sentem-se ricas, viajam, gastam a rodo; empresários compram siderúrgicas no exterior. Quando esse jogo acabar é que se sentirá a queda no padrão de vida. Esse tempo, segundo Dias, não está longe. A taxa de câmbio vai mudar inexoravelmente. Pode ser em 6 meses, em um ano; de três anos não passa. Então a inflação voltará, mas não necessariamente de forma dramática.

Na periferia – O mal do Brasil, sobretudo do empresariado, é não planejar a longo prazo: “Não conseguimos pensar um horizonte com mais de dez anos; não conseguimos desenvolver tradição de poupança; continuamos sempre a pensar que o dinheiro vem de fora; todo mundo especulando em torno de jogos de conjuntura, dos choques que virão de fora; um cenário típico do subdesenvolvimento dos anos 60 (do século 20), de periferia do capitalismo”. Ao ciclo de industrialização que acabou no governo Juscelino Kubitschek seguiram-se outros dois, do “milagre brasileiro” dos militares e do “capitalismo dependente”, que chegou a um cenário indefinido, procurando rumos.

Com a crise do petróleo agravada pelos conflitos no Oriente Médio, há no mundo uma corrida em busca de novas formas de combustível e energia; para o Brasil, abre-se um mercado amplo no setor da biomassa, especialmente álcool e biodiesel, que interessa muito aos europeus e japoneses. Assim mesmo, há poucos empresários investindo a longo prazo.

Quanto aos transportes, Dias constata que, no rodoviário, funciona bem apenas o que foi privatizado, no Estado de São Paulo em particular. O sistema fluvial, que no Estado (Tietê) seria integrado com o ferroviário, revelou-se pouco competitivo, com mínimo ganho de escala. Na Amazônia, há projetos de navegação (rio Madeira), mas seguidamente travados por questões ambientais e de escala. No sistema ferroviário, se dão bem as linhas particulares de empresas, em especial mineradoras; há boas encomendas de vagões, mas em linhas de longo percurso ninguém investe.

As boas intenções de integração dos países do Mercosul não deram em nada, conforme testemunha outro professor da USP, Jorge Eduardo Leal Medeiros, do Departamento de Transportes da Escola Politécnica. Sua especialidade é o transporte aéreo, mas trabalhou com transporte de carga no Mercosul e não esquece do que viu na estrada entre Uruguaiana e São Borja. Ao mesmo tempo que as rodovias federais estão intransitáveis e as ferrovias se desmontam, o governo perde tempo com “fantasias”, como o anunciado projeto de construção do TAV (Trem de Alta Velocidade) entre São Paulo e Rio de Janeiro, que custaria R$ 9 bilhões. Segundo Jorge Leal, o governo falha também no setor aéreo, que dele depende fortemente.

A Infraero é empresa superavitária, com lucro anual de até 35% do faturamento, não se preocupa com a arquitetura nos terminais, investe pouco na manutenção dos aeroportos e cobra taxas pesadas das empresas, algumas em risco de falência, a exemplo da Varig. A novidade no ar é a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que começa a atuar agora, ainda de forma precária por falta de pessoal treinado. Para quem se queixa dos custos do transporte por terra, a professora Maria Lúcia Rangel Filardo, da Fipe, tem uma informação tranqüilizadora: o transporte rodoviário no Brasil ainda é muito barato, por excesso de oferta de frete. Mas é certo que o mau estado de conservação das estradas aumenta as despesas, assim como as crises institucionais, em todas as instâncias do poder, prejudicam a administração e o andamento dos negócios e serviços do País.

 

foto:Cecília Bastos

Educação – Não há professor ou pesquisador que não considere que só a educação básica pode melhorar o Brasil. Eli da Veiga entende que o ensino médio deveria receber 25% dos recursos orçamentários, em vez dos atuais 11%, e que a participação da educação no PIB deveria passar dos 4% para 6%. Para Guilherme Dias, e também para Eli da Veiga, falta ao País dar um salto tecnológico, a fim de diminuir a dependência dos conhecimentos alheios. Sonia Penin, diretora da Faculdade de Educação e ex-pró-reitora de Graduação, indaga se, relativamente ao ensino superior, é melhor investir no que já existe ou em novos projetos. O certo, segundo ela, é que as verbas públicas precisam ser otimizadas, os recursos humanos mais bem utilizados e o ensino público expandido. Na questão do Prouni (Programa Universidade para Todos), diz que as bolsas de estudo devem mesmo ser ampliadas, inclusive para quem estuda em instituições públicas; no entanto, não há ainda uma política clara que explique o que o governo realmente pretende e como conseguirá ampliar para 30% o número de jovens matriculados em universidades. “No vácuo”, diz Sonia, “as escolas particulares ocupam os espaços.” A proposta do Prouni só se justifica se garantir a qualidade do ensino.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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