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Tipo assim, vamos tomar um café?. Quem nunca ouviu jovens usando palavras como “tipo”, “meu”, “tá ligado”, deslocadas do ambiente normal da língua e com novos significados? “Tipo”, nesse caso, não tem mais o sentido determinado de classificar alguma coisa, mas serve para outros fins, como combinar encontro, tomar café, ir ao cinema. Acontece que o uso de palavras em ambiente coloquial acaba se refletindo na escrita, inclusive na prova de redação da Fuvest. O lingüista Ataliba Teixeira de Castilho, coordenador da Gramática do português culto falado no Brasil, obra em cinco volumes, o primeiro lançado em maio deste ano pela editora da Unicamp, não perdeu tempo e está pesquisando as redações dos vestibulares para o seu novo projeto, História do português brasileiro. E é sobre isso que vai falar, dia 9, às 11 horas, no 2o Simpósio Internacional sobre Práticas Escritas na Escola: Letramento e Representação, promovido pelo Departamento de Letras, desta segunda-feira (7) até quarta, no Anfiteatro da Geografia. O encontro, sob a responsabilidade do professor Manoel Luiz Gonçalves Corrêa, decorre da execução do convênio Capes-Cofecub, que envolve USP, Unicamp, Université Stendhal e Grenoble III, da França. No encontro, haverá apresentação e argüição de projetos de pesquisa de pós-graduandos e de outros trabalhos especialmente preparados.

Três professores estrangeiros estarão entre os conferencistas: Françoise Boch (Grenoble III), Christine Barre-de-Miniac (Grenoble III) e Patrícia Franzoni (Instituto de Enseñanza Superior em Lengas Vivas, de Buenos Aires, Argentina). De uma das mesas-redondas participa o professor norte-americano Charles Bazerman (Universidade da Califórnia).
As 160 vagas do simpósio, com taxa de R$ 15,00, foram muito disputadas e estão esgotadas desde o início da semana passada. O professor Corrêa justifica a limitação de lugares dizendo que o encontro “foi concebido num formato bastante particular, de modo a transformar o que poderia ser apenas uma reunião de trabalho fechada, restrita à participação de professores e alunos ligados ao convênio, numa reunião aberta ao público”. A novidade do formato, segundo ele, está exatamente na ampliação do número de participantes, lembrando que, embora nem todos os interessados possam participar, serão lançados nesta segunda-feira, às 18 horas, um livro que reúne as primeiras contribuições do convênio sobre o tema da escrita e um CD ROM com os trabalhos apresentados no primeiro encontro, em 2005.

Gramática da fala – Diz o professor Ataliba que as gramáticas expositivas se baseiam na língua escrita e têm por objetivo descrever só o que é considerado padrão culto. Já a gramática que começa a ser publicada por ele e uma equipe de lingüistas lida com a língua falada e não tem interesse normativo. É a primeira do gênero e consolida o conteúdo de mais de 200 ensaios publicados em oito volumes, resultantes de pesquisas de muitos anos realizadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Porto Alegre, pelo projeto Norma Urbana Culta (Nurc). Ataliba está nisso desde o início do plano, quando ainda dava aulas em Marília, onde criou a revista Alfa; depois, passou a coordenar o projeto nacionalmente. Nesse contexto, nasceu a idéia da gramática da língua falada culta.

Ataliba ampliou seu plano de pesquisa na USP e deu início a uma história do português no Brasil, começando por São Paulo, mas com possibilidade de expansão para o resto do País. Como o simpósio reúne a partir de hoje, no anfiteatro da Geografia, lingüistas brasileiros e estrangeiros, o pesquisador decidiu usar o seu tempo para relatar “indícios de coisas interessantes” que observou nas redações dos alunos de Letras. Ele tenta interpretar o sentido da influência da fala dos jovens na escrita, que em princípio deveria ser integrada ao nível culto da língua. Além de palavras como “tipo” usadas fora do contexto normal, o professor identifica nas redações da Fuvest casos de concordância verbal com o elemento mais próximo, e não mais com o elemento nuclear da sentença. Como neste exemplo: “A sala dos alunos ficaram muito suja”, quando “ficaram” sofre influência de alunos, em vez de concordar com sala.

E por falar em alunos, Ataliba de Castilho diz que é muito bom pesquisar na USP e especificamente no Departamento de Letras, que recebe a cada ano (ciclo básico) mais de 800 novos alunos. A vantagem é que se conseguem amostras amplas e variadas, representativas não apenas do alunado paulista, mas de quase todo o País. No meio desses estudantes, há pessoas muito empenhadas no estudo. “Uma coisa interessante na USP, e já trabalhei nas três universidades públicas do Estado, é que o aluno tem atitude muito favorável, receptiva ao ensino e respeitosa com os professores”, elogia o lingüista, acrescentando que os professores sabem explorar essa riqueza, incorporando os alunos a seus projetos. Alguns, que saíram da iniciação científica, já estão dando aulas.

Também a professora Maria Lúcia Andrade, que coordena a pós-graduação, considera que os alunos têm em geral bom nível, ou melhoram muito no primeiro ano, graças ao ciclo básico. Às vezes, nos anos mais avançados, o problema é a falta de professores, de difícil solução, porque concursos costumam se realizar sem que haja aprovados.

As mudanças na redação dos alunos não se devem à influência dos meios modernos de comunicação, como a internet e os blogs. A língua muda permanentemente. O português, lembra Ataliba, nasceu em 1100, quando o mundo não sofria da febre bloguista. “A mudança é causada pela própria dinâmica”, lembra o lingüista.

Ataliba concorda até certo ponto com a corrente de lingüistas, da qual Marcos Bagno (UnB), seu ex-orientando, é um representante de expressão, que abomina o ensino tradicional da gramática. Os mais radicais atribuem sentido político à gramática e ao apego formal à norma culta, considerando-os instrumentos de opressão político-social e uma discriminação contra os que não sabem falar bem nem dominam as regras gramaticais.

“Não é questão de ricos e pobres”, diz Ataliba, “mas de pessoas que, quando têm o domínio da situação política, o poder, e sabem falar a língua culta (nem todos sabem), tentam impor essa forma de falar aos outros e discriminam as variantes.” O fenômeno é universal, uma vez que as sociedades são complexas e se dividem em classes e entre dominadores e dominados. O domínio pode ser pela língua. O Império Romano proibia o ensino da língua da nação vencida; o português foi banido das escolas e das famílias no Timor Leste na época da dominação pela Indonésia. “O que está errado”, acrescenta o professor, “é considerar que a pessoa não incluída na classe culta é deficiente lingüístico.” Essa seria a luta do professor Bagno.

A propósito, o professor Manoel Corrêa diz que vê o debate sobre política lingüística como muito positivo. “Por meio dele, tem-se mostrado que não basta simplesmente aprender a conviver com as diferenças lingüísticas. É preciso discutir sobre elas e conhecê-las melhor para que cheguemos a entender como elas agem em nós. As reações, às vezes duras, contra um certo movimento de reconhecimento das diferenças lingüísticas, costumam desconsiderar o aspecto da diversidade do português do Brasil em favor de uma suposta unidade da língua, isto é, em favor de uma homogeneidade que levaria a apagar características históricas, regionais, sociais e estilísticas do português.” Entende, pois, que a confusão se dá entre a noção de idioma histórico, “este que usamos para nos comunicar e de que precisamos como símbolo nacional”, e a noção de língua como objeto de estudo do lingüista.

Iletrismo – À pergunta sobre o que há de diferente ou específico no ensino da língua portuguesa e da francesa, por exemplo, Corrêa responde que as línguas, suas descrições, análises, ensino, utilização nos mais diversos contextos sociais, não estão desvinculadas dos modos de entender a linguagem num sentido amplo. Nas mais diversas perspectivas teóricas, mesmo naquelas em que as questões de ensino estão menos presentes, o conhecimento particular e o geral acabam por se encontrar. A especificidade de um fato de linguagem vem exatamente desse encontro entre o que lhe é particular e o que ele conta de fatos mais gerais.

No tocante à escrita na escola, acrescenta, uma particularidade hoje presente na França é a preocupação com o iletrismo. “Lá como aqui, a preocupação com o ensino deve ser permanente. Não se imagina que, tendo-se alcançado um nível altíssimo de alfabetização, os problemas com o ensino da língua estarão resolvidos. Nem se imagine, tampouco, que as formas de nomear os problemas com a escrita sejam isentas de diferentes tipos de engajamento com a questão do ensino. Há, por exemplo, na discussão sobre o iletrismo na França, uma forte polêmica sobre os mecanismos de inclusão e de exclusão que a classificação de iletrado acarreta.”

Uma coisa é certa, pondera Corrêa: a manutenção do acesso a práticas de leitura e escrita é imprescindível para que o alfabetizado, em qualquer nível que esteja, possa ampliar e diversificar a sua condição de letrado.

 

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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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