
O professor Edeval Sousa Costa recebe crianças no Instituto
de Geociências da USP: a academia contribui de várias
maneiras para a preservação ambiental
Os
problemas ambientais são complexos e envolvem áreas
diversas do conhecimento, das ciências exatas, humanas e biológicas,
sendo impossível responder por elas apenas com profissionais
de uma única especialidade. Por outro lado, principalmente
a partir da década de 70, o ensino universitário se
volta para a especialização dos profissionais, com
o argumento de que há informações demais para
que as pessoas mantenham uma formação ampla, generalista.
Para o biólogo Waldir Mantovani, responsável pelo
curso de graduação em Gestão Ambiental da Escola
de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste (EACH), fazem
falta na discussão de problemas ambientais o historiador
natural e, sobretudo, profissionais capazes de promover o diálogo
entre a natureza e a sociedade.
É verdade que muitos setores da Universidade
já perceberam a ampla interface com a área ambiental,
seja na química, engenharia, biologia, direito, agronomia
ou outras áreas. Uma das conseqüências dessa percepção,
observa Mantovani, foi a criação pela USP de cursos
de graduação como o Bacharelado em Química,
ênfase Ambiental, do Instituto de Química; o Bacharelado
em Química Ambiental do Instituto de Química de São
Carlos; os cursos de Engenharia Ambiental da Escola de Engenharia
de São Carlos e da Escola Politécnica; o curso de
Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental
do Instituto de Geociências; e os cursos de Gestão
Ambiental da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em
Piracicaba, e da EACH, além dos cursos de pós-graduação
em Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública;
Ecologia e Agroecossistemas e o de Recursos Florestais, opção
Conservação de Ecossistemas Florestais, da Esalq;
e ainda do curso interunidades em Ciência Ambiental (Procam),
vinculado à Pró-Reitoria de Pós-Graduação.
Cratera – Outros professores
da USP também estão preocupados com a formação
de docentes e gestores ambientais. Na Esalq, Antônio Ribeiro
de Almeida Jr., responsável pelo Curso de Gestão Ambiental,
insiste na necessidade de investir na constituição
de grupos de pesquisa que, de fato, investiguem a gestão
ambiental. “Boa parte da pesquisa realizada hoje trata dos
temas ambientais de forma fragmentada, seguindo os princípios
analíticos daquilo que ficou conhecido como ciência
cartesiana”, afirma em documento apresentado no seminário
Para Mudar o Futuro, realizado dia 24 de agosto na Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade. E continua:
“Fala-se muito em interdisciplinaridade, mas, na prática,
boa parte das pesquisas ainda fica restrita aos campos disciplinares”.
No caso do curso de Gestão Ambiental de sua unidade, houve
desde o início forte aproximação com as disciplinas
dos cursos de Engenharia Agronômica e de Engenharia Florestal,
situação que gerou questionamento da grade curricular
pelos alunos. Tenta-se agora corrigi-la, mas há dificuldade
em contratar professores (leia texto na página ao lado).

Mantovani e Boggiani: preocupações
com a formação de gestores e educadores ambientais
No Instituto de Geociências, o professor
responsável pelo curso de Licenciatura em Geociências
e Educação Ambiental, Paulo César Boggiani,
lembra que muitos temas ligados à geologia deixam de ser
incluídos no ensino médio e fundamental, certamente
por falta de professores da especialidade. A conseqüência
dessa lacuna é que informações importantes
passam despercebidas dos estudantes e da população
em geral, a exemplo da existência de uma cratera na zona sul
da cidade de São Paulo (Parelheiros), causada pela queda
de meteorito ou de cometa, ou, ainda, da composição
geológica do Pico do Jaraguá, na zona oeste. Boggiani
revela que no seu meio acadêmico há certa resistência
ao curso de licenciatura, provavelmente em razão de os professores
do ensino médio e fundamental serem mal remunerados, ao contrário
do que acontece com os geólogos aproveitados pelo mercado
empresarial de trabalho. Mesmo assim, os responsáveis pelo
curso, que é dado no instituto e na Faculdade de Educação,
trabalham com a possibilidade de que os formados sejam habilitados
pelo Conselho Estadual de Educação para darem aulas
nos cursos de ciências dos cursos médio e fundamental.
O curso de licenciatura é noturno, está na terceira
turma e oferece 40 vagas por ano. Nas atividades dos alunos inclui-se
fazer a réplica de animais fósseis. Noções
de cuidados com o ambiente costumam ser ministradas aos escolares
nas visitas monitoradas ao instituto.
Na Escola de Engenharia de São Carlos,
o professor Francisco Vecchia diz que a formação de
quadros para o ensino e a pesquisa no recém-criado curso
de graduação em Engenharia Ambiental ganha reforço
de dois programas de pós-graduação: Hidráulica
e Saneamento e Ciências da Engenharia Ambiental. Informa que
80% dos alunos egressos são absorvidos em instituições
de ensino e pesquisa (90% deles no setor público).
Formação diferenciada – De acordo com o professor
Mantovani, o curso de Gestão Ambiental na EACH teve como
princípios a formação de um profissional crítico,
cidadão, com uma visão multidisciplinar, capaz de
promover o diálogo entre as diversas disciplinas envolvidas
no tema ambiente. Três
vertentes foram pensadas na grade, a que forma o gestor do ambiente,
capaz de equacionar as questões e propor soluções
aos problemas, dialogando com diversos profissionais; a que permite
a resolução de alguns problemas, através do
conhecimento de instrumentos científicos e tecnológicos;
e a que prevê a formação de um cientista ambiental,
capaz de desenvolver pesquisas científicas associadas ao
tema.
Os alunos que ingressam no programa têm
a expectativa de uma formação diferenciada, incomum
no conjunto de cursos mais tradicionais, além de clara preocupação
com as questões ambientais e com os modelos de desenvolvimento
atuais.
A propósito do que a Universidade
pode fazer em defesa do ambiente, o responsável pelo curso
de Gestão Ambiental da USP Leste observa que, além
da formação de recursos humanos que trabalham em questões
ambientais diretamente, seja em órgãos públicos,
empresas privadas ou organizações governamentais,
a Universidade tem assessorado diversos órgãos e empresas,
participando da elaboração de políticas nacionais,
estaduais e municipais, seja em debates, seja diretamente.
Pelas suas pesquisas ambientais, a academia
tem auxiliado na solução de problemas, diagnosticando
suas propriedades ou propondo alternativas de uso e manejo ou de
recuperação de áreas degradadas, e tem sido
instrumento relevante para o Ministério Público, mediante
peritagem.
Ainda assim, acrescenta o biólogo,
há muitas atividades que poderiam ser desenvolvidas pela
Universidade, incluindo a formação de alunos cidadãos,
com consciência ambiental, como vem fazendo a Universidade
Federal de São Carlos, que recentemente decidiu inserir o
tema ambiente em todos os seus cursos.
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Alerta Geral
O professor Antônio Ribeiro de Almeida Jr.,
coordenador do curso de Gestão Ambiental da Esalq, lembra
que a preocupação ambiental massiva não nasceu
na Universidade nem nas empresas. Surgiu nos movimentos sociais
criados por pessoas que conviviam com os problemas ambientais causados
pelos sistemas produtivos e pela organização social.
Ela encontrou expressão por meio dos intelectuais desses
movimentos, alguns dos quais faziam e fazem parte da Universidade.
Somente mais tarde, observa, e de muitas resistências, as
empresas e as universidades responderam às pressões
geradas por esse desassossego com a questão ambiental.
Acrescenta que, tanto na Universidade quanto nas
empresas, as primeiras reações foram no sentido de
minimizar os problemas e de pensar a gestão ambiental como
mera gestão da imagem ambiental. “Penso”, afirma
Almeida Jr., “que seja um erro tratar a formação
dos gestores ambientais sem considerar seriamente a necessidade
de alterações profundas nos sistemas produtivos, nos
padrões de consumo, na organização social e
na relação, em sentido amplo, dos seres humanos com
a natureza”.
Ainda segundo o professor, deve-se considerar seriamente
que, durante décadas, as propostas levadas adiante pela Esalq
para a agropecuária e para a silvicultura eram fruto da internalização
na economia brasileira de indústrias de insumo e de máquinas
para esses setores produtivos. Mais tarde, essas propostas de agropecuária
e silvicultura incorporaram relações estreitas com
o agronegócio. “A agropecuária e a silvicultura
eram e são altamente danosas ao meio ambiente, à saúde
humana e animal, levando à devastação de grandes
áreas e a diversas formas de contaminação do
ambiente”, denuncia Almeida Jr., que continua dizendo que
a Esalq não estava só na proposição
desse tipo de agropecuária e de silvicultura. Órgãos
do governo, outras universidades, empresas privadas, grandes produtores,
ONGs e órgãos internacionais como o Banco Mundial
e o FMI compartilhavam das mesmas crenças e dos mesmos objetivos.
O professor alerta que as empresas, a exemplo da
Universidade, devem acostumar-se à idéia de que precisarão
modificar profundamente sua relação com a sociedade
e com a natureza, reorganizando os seus sistemas de produção,
seus produtos, sua publicidade, suas relações com
a pesquisa, e rever o que tem sido chamado de responsabilidade social
e ambiental. A demora em reconhecer esses fatos e problemas levará
a uma nova dependência externa de tecnologias ambientalmente
mais responsáveis.
“Penso”, insiste, “que formar
gestores ambientais implica preparar os alunos para a transformação
da realidade ambiental e social. Não se trata de formar meros
gestores da imagem ambiental das empresas ou dos órgãos
de governo. Para que essa formação seja possível,
a Universidade e as empresas precisam entender que esta é
uma área chave na definição do futuro e que
investimentos relevantes devem ser feitos”.
De acordo com o professor da Esalq, hoje praticamente
todos os sistemas biológicos existentes no mundo estão
em declínio. O marketing verde, os discursos sobre a sustentabilidade,
as propostas de um equilíbrio estacionário, a economia
dos recursos naturais, a internalização dos custos
ambientais, e outras propostas articuladas nas últimas décadas
não resultaram em modificações significativas
da situação ambiental. Ao contrário, tem-se
assistido a um agravamento dos problemas e à continuidade
dos processos de devastação.
Almeida Jr. conclui, dizendo: “Penso que a
Universidade de São Paulo deva se engajar ainda mais nas
tarefas de pesquisar seriamente as questões ambientais e
de oferecer novos conhecimentos aos seus alunos e, por meio deles,
à sociedade paulista e brasileira”. |