O exame de avaliação dos estudantes do sexto ano
de Medicina do Estado de São Paulo ainda não é uma
unanimidade entre os especialistas. Há quem considere o
teste uma forma correta de avaliar o conhecimento do futuro profissional,
e há aqueles que entendem ser esse tipo de avaliação
uma forma de penalizar o estudante e não a instituição
educacional.
O debate em torno deste assunto vem ocorrendo desde 2005, quando
o Cremesp – Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo aplicou um exame de avaliação, organizado pela
Fundação Carlos Chagas, instituição
com larga experiência em concursos públicos, para
os estudantes de Medicina recém-diplomados, sendo o índice
de reprovação em 2006, de 31% e em 2006, de 38%.
O médico avaliado mesmo sendo reprovado pode exercer sua
função normalmente, pois a prova não é obrigatória
e não tem valor oficial. No entanto, esta foi a forma que
o Conselho priorizou para comprovar a existência exagerada
de escolas médicas pelo País e sua possível
baixa qualidade de ensino.
Para o atual diretor da Faculdade de Medicina da USP, professor
Marcos Boulos, exames de avaliação como o proposto
pelo Cremesp são muito objetivos, deixando de lado o entendimento
de como o futuro médico pode se relacionar emocionalmente
com o paciente, de como ele se faz ouvir. “São exames
que não acompanham a aptidão e a qualidade das relações
humanas. Focam apenas o conhecimento teórico.”
Já o diretor superintendente do Hospital Universitário,
professor Paulo Lotufo, é favorável a qualquer tipo
de exame de avaliação, principalmente porque a profissão
médica é uma das poucas, “talvez a única”,
ressalta o diretor, em que o médico tem um contato profundo
e rico com o paciente, o que acaba sendo uma necessidade a avaliação
periódica deste profissional.
Lotufo pondera que o ato médico deixa o paciente muito vulnerável. “Se
formos analisar racionalmente, ele fica numa sala para a consulta,
fala tudo da sua vida para o médico, é tocado para
os exames e em caso de cirurgia é induzido a um coma, devido à anestesia,
sem contar quando alguns órgãos são removidos.
O médico realiza várias atitudes que precisam de
uma formação muito bem conferida, checada a todo
momento, antes e depois da formação.” Ele destaca ainda que essa é uma visão que vale para
qualquer lugar do mundo. No caso do Brasil existe um fato muito
mais sério que é a abertura desmesurada de faculdades
e cursos de Medicina o que levou a formação de profissionais
de má qualidade. E reflete que o exame além de avaliar
o aluno também avalia quem formou este aluno. É importante
saber qual é a faculdade que está diplomando maus
profissionais.
No entanto, o que Boulos teme é que esses exames institucionalizem
ainda mais cursos de Medicina sem condições decentes
para formar um profissional de qualidade. “Os exames demonstram
que os cursos não são confiáveis e acabam
justificando a existência de escolas profissionalizantes,
que são um engodo.”
Para ambos os especialistas, o que necessita ser mantido é uma
avaliação criteriosa, bem definida e regular do Ministério
da Educação. Uma instituição para formar
um bom médico precisa ter no mínimo unidade básica
de saúde para a atenção primária, alunos
e professores dedicando tempo integral, e pesquisa e extensão
universitária.
Campanha – A Direção Executiva Nacional dos
Estudantes de Medicina (Denem) e a Federação Nacional
dos Médicos (Fenam) também se mostraram não
favoráveis ao exame por acreditarem em outros instrumentos
mais eficazes de avaliação da formação
médica.
Como 38% dos formandos em Medicina foram reprovados no último
exame realizado no final de 2006, o Cremesp pretende implantar
uma campanha junto ao Ministério da Educação
contra a autorização de abertura de mais cursos de
Medicina no País. Dados mostram que existem hoje no Estado
de São Paulo 29 escolas médicas em atividade, sendo
que 23 delas têm, ao todo, cerca de 2.200 alunos no sexto
ano. As demais, abertas há menos de seis anos, ainda não
formaram as primeiras turmas.
Segundo o coordenador do exame do Cremesp, o médico Bráulio
Luna Filho, a avaliação do ano passado foi dividida
em duas fases. A primeira aconteceu no dia 15 de outubro foi composta
de um exame escrito e contou com a participação de
688 alunos, sendo aprovados para a segunda fase, 427 (62%). Para
passar para a segunda etapa realizada no dia 5 de novembro era
preciso acertar no mínimo 60% das questões. Dentre
os 427 aprovados, apenas 265 compareceram para fazer o exame da
segunda fase, que consistia de testes práticos. Lotufo destaca que a não obrigatoriedade do exame provoca
a tendência de só participar da prova aqueles alunos
que são considerados mais preparados. Em algumas faculdades, às
vezes, os centros acadêmicos propõem boicote, o que
acaba interferindo nos resultados. “Há muitos pontos
em relação a essa avaliação que precisam
ser levados em conta. Acredito que no início na aplicação
de um exame obrigatório, todo mundo teria direito ao registro
independente do seu desempenho, mas quem ficasse abaixo da média
deveria ser freqüentemente avaliado”, afirma o diretor
do HU.
Ressalvas importantes O Cremesp faz algumas ressalvas importantes sobre
os dados apontados na avaliação. Nas duas edições
de 2005 e 2006, a distribuição dos estudantes participantes
não foi homogênea entre as diversas faculdades de
medicina. Muitas estiveram representadas por um número expressivo
de formandos; outras tiveram baixa participação.
Vale ressaltar que ainda não há como estabelecer
um ranking entre elas.
Os resultados das duas séries do exame ainda não
permitem análises estatísticas e comparativas definitivas
e aprofundadas. Há a necessidade da continuidade da avaliação
anual, pois somente após a consolidação de
uma série histórica, a partir do próximo exame,
será possível uma avaliação mais detalhada.
O Cremesp já iniciou a organização do exame
que vai acontecer no segundo semestre de 2007.
O número de participantes nas duas edições,
embora considerado satisfatório, é bem menor que
o total de estudantes que cursam o sexto ano de Medicina no Estado.
Além do próprio caráter experimental e opcional
do exame, vale ressaltar que ainda há grande resistência
e até boicote por parte da direção de algumas
escolas e de alguns centros acadêmicos.
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