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Créditos: Francisco Emolo

Somando o tempo de aluno com o tempo de professor, o climatologista José Bueno Conti completa 52 anos de USP. Está se preparando para a aposentadoria compulsória e de vez em quando consulta seus cinco cadernos, onde anotou dia por dia os 43 anos de aulas que deu desde 21 de março de 1964, quase véspera do golpe militar. O diário do professor foi idéia de outro geógrafo famoso e emérito da USP, Aziz Ab’Sáber, que naquela época era seu chefe e pediu, não apenas a Conti, mas a todos os docentes do Departamento de Geografia, que anotassem o tema de cada aula dada e qualquer ocorrência mais relevante do dia. Não há notícia de que outros professores tenham perseverado na elaboração do diário. Mas Conti se manteve firme e só lamenta que tenha havido algumas interrupções, que justifica com os semestres sabáticos (licenças concedidas aos docentes para se afastar por alguns meses, para cursos ou outras formas de reciclagem). Lamenta, principalmente, que o diário esteja em branco exatamente nos dias de conflito entre alunos da USP e do Mackenzie na rua Maria Antonia, em 1968, quando o prédio da USP foi invadido, parcialmente queimado e depois fechado, transferindo-se os alunos para a Cidade Universitária. Quando se aposentar, Conti cederá o diário com parte da história da USP à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Antes disso, o professor tem um compromisso com alunos, dia 26 às 19h30, no Anfiteatro Camargo Guarnieri. Será dele a Aula Magna de início do ano letivo da FFLCH. Vai falar sobre a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, as humanidades básicas e seu papel no debate da questão ambiental. O tema tem tudo a ver com a sua área de especialização e com o momento de preocupação de cientistas do mundo inteiro, tendo em vista a ameaça de superaquecimento da Terra atribuída à ação do homem e da própria natureza. A época coincide com a divulgação, em Paris, do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), elaborado por cerca de 2.500 cientistas. Por mais que reprove o tom “alarmista” de parte da imprensa brasileira, o professor afirma que o relatório é para ser levado a sério. “Ele tem credibilidade”, afirma Conti, que é um dos principais representantes de uma Climatologia por assim dizer “romântica” – mas não menos preocupada com o planeta –, longe ainda do tom muitas vezes apocalíptico que a ciência ganhou hoje devido aos humores pouco recomendados que o clima da Terra vem apresentando.

Conti lembrará aos alunos e demais presentes que a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (antes, apenas Filosofia, Ciências e Letras) foi criada em 1934 como núcleo básico da USP, para a difusão do conhecimento de caráter humanístico, devendo atuar como elo entre as demais faculdades, estas mais dedicadas ao ensino técnico e de ciências exatas. No entanto, para difundir o espírito universitário, a filosofia não poderia deixar de lado o conhecimento da natureza e da relação desta com o homem. Do mesmo modo que os gregos dos tempos áureos privilegiavam o conhecimento da natureza, como elemento essencial para a reflexão filosófica e humanística em geral, assim a unidade nuclear da USP dedicou-se também às disciplinas da física, da química, da economia e, de modo especial, da geografia, a área, segundo Conti, mais representativa da interação da sociedade humana com o mundo físico.

Créditos: Francisco Emolo
Conti: 43 anos de docência e Aula Magna

A propósito, o professor menciona, e vai dizer isso na Aula Magna, dois momentos marcantes de interdisciplinaridade na USP. O primeiro diz respeito a trabalho do professor Antonio Candido, formado inicialmente em sociologia, depois voltado à crítica literária. Pois, Candido, fazendo uso simultâneo das duas áreas do conhecimento, e ainda de subsídios da geografia, analisou profundamente as pessoas e a natureza física de uma pequena cidade paulista, hoje chamada Bofete. O estudo culminou na tese “Parceiros de Rio Bonito”, que o meio acadêmico não se cansa de admirar até hoje.

O outro exemplo refere-se a iniciativa do professor Carlos Augusto Monteiro, climatologista como Conti, que, mesclando saberes, dedica-se ao estudo da criação literária em Guimarães Rosa. Em especial, ao uso que o escritor mineiro faz de elementos da natureza em sua obra.

Se deixar a modéstia de lado, Conti dirá que graduou-se em geografia pela USP em 1958, fez doutorado em geografia física em 1973 e defendeu a livre-docência em 1995, com a tese “Desertificação em áreas tropicais”.

 

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