Somando o tempo de aluno com o tempo de professor, o climatologista
José Bueno Conti completa 52 anos de USP. Está se
preparando para a aposentadoria compulsória e de vez em
quando consulta seus cinco cadernos, onde anotou dia por dia os
43 anos de aulas que deu desde 21 de março de 1964, quase
véspera do golpe militar. O diário do professor foi
idéia de outro geógrafo famoso e emérito da
USP, Aziz Ab’Sáber, que naquela época era seu
chefe e pediu, não apenas a Conti, mas a todos os docentes
do Departamento de Geografia, que anotassem o tema de cada aula
dada e qualquer ocorrência mais relevante do dia. Não
há notícia de que outros professores tenham perseverado
na elaboração do diário. Mas Conti se manteve
firme e só lamenta que tenha havido algumas interrupções,
que justifica com os semestres sabáticos (licenças
concedidas aos docentes para se afastar por alguns meses, para
cursos ou outras formas de reciclagem). Lamenta, principalmente,
que o diário esteja em branco exatamente nos dias de conflito
entre alunos da USP e do Mackenzie na rua Maria Antonia, em 1968,
quando o prédio da USP foi invadido, parcialmente queimado
e depois fechado, transferindo-se os alunos para a Cidade Universitária.
Quando se aposentar, Conti cederá o diário com parte
da história da USP à Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas.
Antes disso, o professor tem um compromisso com alunos, dia 26 às
19h30, no Anfiteatro Camargo Guarnieri. Será dele a Aula
Magna de início do ano letivo da FFLCH. Vai falar sobre
a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, as humanidades
básicas e seu papel no debate da questão ambiental.
O tema tem tudo a ver com a sua área de especialização
e com o momento de preocupação de cientistas do mundo
inteiro, tendo em vista a ameaça de superaquecimento da
Terra atribuída à ação do homem e da
própria natureza. A época coincide com a divulgação,
em Paris, do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC), elaborado por cerca de 2.500 cientistas.
Por mais que reprove o tom “alarmista” de parte da
imprensa brasileira, o professor afirma que o relatório é para
ser levado a sério. “Ele tem credibilidade”,
afirma Conti, que é um dos principais representantes de
uma Climatologia por assim dizer “romântica” – mas
não menos preocupada com o planeta –, longe ainda
do tom muitas vezes apocalíptico que a ciência ganhou
hoje devido aos humores pouco recomendados que o clima da Terra
vem apresentando.
Conti lembrará aos alunos e demais presentes que a Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (antes, apenas Filosofia,
Ciências e Letras) foi criada em 1934 como núcleo
básico da USP, para a difusão do conhecimento de
caráter humanístico, devendo atuar como elo entre
as demais faculdades, estas mais dedicadas ao ensino técnico
e de ciências exatas. No entanto, para difundir o espírito
universitário, a filosofia não poderia deixar de
lado o conhecimento da natureza e da relação desta
com o homem. Do mesmo modo que os gregos dos tempos áureos
privilegiavam o conhecimento da natureza, como elemento essencial
para a reflexão filosófica e humanística em
geral, assim a unidade nuclear da USP dedicou-se também às
disciplinas da física, da química, da economia e,
de modo especial, da geografia, a área, segundo Conti, mais
representativa da interação da sociedade humana com
o mundo físico.
Conti: 43 anos de docência e Aula Magna
A propósito, o professor menciona, e vai dizer isso na Aula
Magna, dois momentos marcantes de interdisciplinaridade na USP.
O primeiro diz respeito a trabalho do professor Antonio Candido,
formado inicialmente em sociologia, depois voltado à crítica
literária. Pois, Candido, fazendo uso simultâneo das
duas áreas do conhecimento, e ainda de subsídios
da geografia, analisou profundamente as pessoas e a natureza física
de uma pequena cidade paulista, hoje chamada Bofete. O estudo culminou
na tese “Parceiros de Rio Bonito”, que o meio acadêmico
não se cansa de admirar até hoje.
O outro exemplo refere-se a iniciativa do professor Carlos Augusto
Monteiro, climatologista como Conti, que, mesclando saberes, dedica-se
ao estudo da criação literária em Guimarães
Rosa. Em especial, ao uso que o escritor mineiro faz de elementos
da natureza em sua obra.
Se deixar a modéstia de lado, Conti dirá que graduou-se
em geografia pela USP em 1958, fez doutorado em geografia física
em 1973 e defendeu a livre-docência em 1995, com a tese “Desertificação
em áreas tropicais”.
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