Pelo menos mil dos 5.560 municípios brasileiros estão
em situação crítica em termos de educação,
e apenas 200 podem ser considerados excelentes. Dados como esses,
em poder do Ministério da Educação (MEC),
são resultados de avaliações como a Prova
Brasil, que em 2005 envolveu 3,3 milhões de alunos da 4ª à 8ª série
do ensino fundamental da rede pública de 41 mil escolas
de todo o País. Já as notas dos alunos de escolas públicas e privadas
que participaram do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (Saeb) são piores
do que eram há dez anos. Em 2005, a média em português,
para alunos da 4ª série do ensino fundamental, foi
de 172,3 pontos (em 500 possíveis), contra 188,3 em 1995.
No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), para estudantes
de escolas públicas e privadas, a média de 2006 ficou
em 36,9 na prova objetiva (num total de 100), e 52,08 em redação – notas
menores do que as dos últimos dois anos. “Trágica”, “absurda” e “lamentável” são
alguns dos adjetivos utilizados por especialistas para qualificar
a situação apresentada nesse quadro.
É consenso que o Brasil precisa dar um salto para tirar
desse buraco o seu ensino – especialmente nos níveis
básicos da rede pública. Na busca para começar
a dar os passos necessários, o governo federal anunciou
no dia 15 de março os principais pontos do Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE), apelidado de “PAC da Educação”,
numa referência ao Plano de Aceleração do Crescimento
(PAC), lançado no início do segundo mandato do presidente
Lula. “Acho que é a primeira vez que o governo federal
elabora um plano que inclui todos os níveis do sistema educacional”,
diz a diretora da Faculdade de Educação da USP, Sonia
Penin, uma das educadoras convidadas para a cerimônia de
anúncio do pacote, no Palácio do Planalto.
De fato, o PDE prevê ações do ensino básico
até o pós-doutorado, passando pelas escolas técnicas
e pela educação para jovens e adultos, envolvendo
convênios da União com os Estados e municípios.
Entre as medidas está a criação do Índice
de Desenvolvimento da Educação Brasileira: municípios
e Estados receberão notas, de 0 a 10, a partir dos resultados
da Prova Brasil e dos números de repetência e evasão.
O índice servirá para definir os repasses de recursos
a prefeituras e governos estaduais. O governo pretende dar assistência
técnica e recursos para as redes. Outras medidas do PDE
são a criação de avaliações
regulares, começando pela Provinha Brasil, que seria aplicada
a crianças entre 6 e 8 anos, com o objetivo de verificar
se a alfabetização está funcionando. O PDE
prevê o investimento de cerca de R$ 8 bilhões até 2010. “A grande ênfase desse plano é a qualidade da
educação básica”, disse no programa
de rádio “Café com o Presidente” do último
dia 20 o ministro da Educação, Fernando Haddad, professor
licenciado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP. “Temos o desejo de envolver famílias,
diretores, professores, secretários municipais, estaduais
e o MEC com metas de qualidade no que diz respeito à promoção
das crianças, para diminuir a repetência no País
e, também, quanto à qualidade do ensino ministrado,
para melhorar o desempenho escolar”, afirmou Haddad no lançamento
do plano. A meta é realmente ambiciosa, pois, num país
do tamanho do Brasil, está-se falando de 160 mil diretores,
mais de 5 mil secretários de educação e de
2 milhões de professores – metade deles, diga-se,
remunerados com menos de R$ 800,00 mensais. Século 19 – Para a professora Sonia Penin, é positivo
o fato de que o governo federal, criticado por dar atenção
demasiada ao projeto da reforma universitária no primeiro
mandato do presidente Lula, tenha pensado na educação
de forma geral. “Não se pode avaliar só o último
estágio, que é o ensino superior. A atenção
tem que perpassar todo o sistema, do básico ao superior”,
defende. Em sua opinião, o Brasil ainda se defronta com
questões que remontam ao século 19, e é necessária
uma grande inflexão para que o País possa subir para
outro patamar de preocupação e ação.
Nelio: confusão entre meta e índice |
Os exemplos da desvalorização do ensino estão
em toda parte: desde a pouca importância dada aos profissionais
da educação, refletida nos baixos salários,
até a escassez de recursos para as escolas. “Não
podemos pensar só nos municípios problemáticos.
Há muitas ações a se fazer entre aqueles que
não estão entre os piores, mas que ainda não
fazem tudo o que poderiam”, diz Sonia Penin. Nesse caso,
considera, estão municípios do interior de São
Paulo com alto PIB per capita, como Paulínia ou São
Caetano, em que o ensino público recebe pouca atenção.
A professora defende também o aumento do tempo de permanência
dos alunos na escola, até se chegar ao período integral.
Nesse ponto, a expansão do Bolsa-Família para adolescentes
de 16 e 17 anos, prevista no PDE, é positiva. Sua preocupação,
porém, é que não há um aporte específico
para jovens das regiões mais populosas. “Mais do que
nunca é fundamental investir nas grandes cidades, onde há um
problema muito profundo de violência. Nelas, a escola deve
se transformar na possibilidade de caminho para um desenvolvimento
pessoal adequado para os jovens.”
Para Sonia, a criação do Índice de Desenvolvimento
da Educação merece elogios. Entre os problemas que
cita no PDE está a ênfase no número de provas. “É preciso
olhar o custo-benefício das avaliações, que
são muito caras. Em termos de financiamento, não
seria mais adequado para o gasto público que pudesse haver
investimento em outras áreas?”, pergunta. “O
dinheiro é tão escasso que a gente tem que olhar
bem onde vai investir.” Sonia Penin teme que o próprio
volume de recursos anunciados para implementação
do PDE não seja suficiente para dar conta da dimensão
dos problemas. A professora acredita que o ministro Fernando Haddad reúne
as condições para articular as três esferas
de poder – federal, estadual e municipal – na coordenação
do plano. Espera, entretanto, que a sua implementação
não seja demorada. “No geral, grande parte das propostas
fica só no papel, e o País vai mais e mais se atrasando.
Torço para que essas ações sejam realmente
implantadas, porque precisamos de uma cruzada nacional que reúna
todas as forças para fazer a inflexão de que precisamos
na educação brasileira”, diz. “Leigo oculto” – “Preocupa-me muito a
confusão entre meta e índice”, diz o professor
Nelio Bizzo, do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação
Comparada da Faculdade de Educação da USP. Para ele,
a diferença é que as metas precisam ser muito específicas
e precisas, enquanto os índices são genéricos “e
não podem ser usados para definir fatias do orçamento”.
As metas, defende, “precisam ser definidas por grupos de
escolas e precisam ter como instrumento de monitoramento a Prova
Brasil ou coisa do gênero”. Já um índice
uniforme não poderia ser aplicado porque “a meta não
pode ser a mesma para uma escola da periferia e outra de elite,
como uma técnica federal”.
De acordo com Bizzo, as avaliações fazem com que
cada escola conheça seu desempenho e possa, portanto, estabelecer
suas metas. Dessa forma, ela pode ver se está conseguindo
obter saltos de qualidade nesse desempenho. “Para aquinhoar
o sucesso adequadamente, é necessário conversar com
a comunidade e entender como ela quer ser atendida”, afirma.
Se o pessoal das escolas fosse ouvido, diz, a reivindicação
inicial não seria de aumento salarial, apesar dos baixos
rendimentos dos professores. “Acredito que pediriam providências
em relação à infra-estrutura, como contratação
de professores auxiliares, melhoria na jornada, enfim, condições
gerais para um melhor funcionamento da escola.” Afinal, defende, “o
sucesso em educação é sempre coletivo”.
Haddad: ênfase no ensino básico |
Entre os problemas sérios que Bizzo aponta como não
abordados no PDE nem no Fundeb – o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica, que
entrou em vigor neste mês, depois de quatro anos para ser
aprovado no Congresso Nacional –, está a existência
do chamado “professor leigo oculto”. É o caso,
por exemplo, do licenciado em português que dá aula
de matemática. Inicialmente assumindo a função
como “tapa-buraco”, ele acaba se fixando na função. “A
inespecificidade do professor em relação à disciplina é um
problema gravíssimo”, afirma, embora para o professor
possa ser vantajoso, porque ele ganha mais e completa a jornada
na mesma escola. “É preciso introduzir no Fundeb medidas
que possam corrigir distorções como essa, que localizamos
de maneira assombrosa em nossas pesquisas.” Nelio Bizzo também acredita que os recursos destinados à educação
precisam crescer. Atualmente, o Brasil investe cerca de 4,3% do
PIB no setor. “Em termos de porcentual, gastamos quase o
mesmo que os Estados Unidos, mas não podemos comparar o
PIB deles com o nosso. Precisaríamos gastar 10%”,
diz. “Temos que atuar com programas como o PDE, mas a política
de Estado, no nosso caso o Fundeb, precisa ser aperfeiçoada,
porque se resumiu à discussão de quanto fica para
os Estados e quanto para os municípios.” Patamar de qualidade – Os dois pontos mais importantes do
PDE são a continuidade de uma política, com a permanência
do ministro Fernando Haddad no cargo, e o fato de que o debate
sobre a educação ganha espaço na sociedade,
diz o professor José Marcelino de Rezende Pinto, do Departamento
de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto (FFCLRP). “A
crise do apagão aéreo teve muito mais mídia
em um mês do que os temas da educação pública
em um ano. Uma das razões é que a classe média,
se agora pode viajar mais de avião, não tem filho
na escola pública.”
Para o professor, a concepção da cobrança
de resultado em função de desempenho a partir de
provas corresponde “a uma matriz da lógica privada” que
em política pública pode resultar num efeito contrário.
O sistema vem sendo utilizado nos Estados Unidos. “Lá,
se a escola vai bem, o professor ganha bônus. Isso afugenta
os professores das escolas das periferias, porque nelas os alunos
não têm desempenho tão bom e o professor sabe
que não vai conseguir boa classificação para
ter um bônus. Em vez de fomentar melhorias nas escolas em
pior situação, tem o efeito oposto”, relata.
Outro perigo desse tipo de método é estimular a competição
baseada nos rankings que as avaliações produzem.
Para Rezende Pinto, o fundamental é trabalhar a partir do
estabelecimento de patamares básicos de qualidade – “o
que a elite paulista fez quando criou a USP”, ressalta. O
professor cita um exemplo: os levantamentos oficiais apontam que
50% das escolas do País não contam com biblioteca.
Porém, muitas vezes é classificada como tal apenas
uma sala com alguns livros. Assim, pode-se dizer que praticamente
90% das escolas não têm uma biblioteca digna desse
nome. “Um dos patamares mínimos poderia ser: nenhuma
escola pública deve ficar sem biblioteca com pelo menos
um funcionário auxiliar”, sugere. Ao mesmo tempo,
o governo federal poderia destinar parte do lucro das grandes empresas
estatais para equipar as escolas.
Rezende Pinto chama a atenção para o fato de que
o Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso
em 2001, já estabelecia que o porcentual do PIB destinado à educação
deveria chegar a 7% em dez anos. Essa proposta caiu no esquecimento,
como muitas outras do PNE. “Já temos o Fundeb e o
PNE. Não seria melhor unir as forças nessas propostas
que já existem?”, pergunta.
Sonia Penin: investir nas metrópoles |
Outro problema apontado pelo professor é a superposição
de avaliações que não se comunicam. “A
avaliação das escolas não pode ser só prova.
A prova é uma faceta, muito contaminada pela condição
socioeconômica do aluno. Temos que fazer visitas às
escolas, conversar com os pais, que conhecem as deficiências
da escola dos filhos e não são agentes ouvidos nesse
processo.” Para Rezende Pinto, não é preciso
esperar o quarto ano, como se faz atualmente em São Paulo,
para saber que o aluno tem desempenho fraco. “As avaliações
devem ser constantes, mas é preciso focar no uso que se
faz delas”, diz. Para ele, os resultados dos exames no Estado
de São Paulo “são estarrecedores” e têm
a ver com as políticas implantadas na última década. “A
municipalização foi feita de modo irresponsável.” Para sair da crise, o professor afirma que é necessário
um esforço geral de articulação, papel que
deve caber ao MEC, já que o ministério não
tem experiência direta com o ensino básico, responsabilidade
de Estados e municípios. Fundamental, como concordam os
especialistas, é aumentar o volume de recursos destinados
ao setor. “Para termos um choque na educação,
precisaríamos de 1% a mais do PIB já, até chegar
a 8% em cinco anos, para então ficar nesse patamar por algum
tempo. Foi o que a Coréia do Sul fez. Investiu entre 8%
e 10% de seu PIB em educação por uns dez anos”,
relata. “O caminho já está dado por outros
países, não precisamos reinventar a roda”,
conclui Rezende Pinto.
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