PROCURAR POR
 NESTA EDIÇÃO
  

 


Dois grupos de pesquisa da USP, trabalhando com parasitas do gênero Eimeria, agentes patogênicos que causam grandes prejuízos na produção animal, especialmente na avicultura, criaram novo método de diagnóstico, não mais olhando a lesão causada no animal pelo parasita, nem mediante o uso de técnicas de biologia molecular, mas mediante técnicas de reconhecimento do patógeno por meio de imagens digitais. O novo conceito de diagnóstico apresenta, entre outras vantagens, a de dispensar o transporte físico de amostras entre as granjas e os laboratórios, evitando assim o risco de disseminar a doença. Adaptado ao diagnóstico de outros parasitas, como o da gripe aviária, salta aos olhos a relevância do método, uma vez que, na hipótese de surgirem no Brasil focos do vírus que já matou milhares de aves e muitas pessoas na Ásia e na Europa, será necessário isolar regiões inteiras e impedir o trânsito de animais ameaçados, além de vigiar rigorosamente o transporte de amostras destinadas a testes clínicos. O diagnóstico por imagens serve, portanto, como paradigma, podendo ser estendido a parasitas com morfologias mais complexas.

Ainda em relação ao parasita do gênero Eimeria, um consórcio internacional, liderado por pesquisadores ingleses do Sanger Institute e do Institute for Animal Health e integrado por cientistas da Malásia e do Brasil, acaba de publicar na Genome Research, um dos mais importantes periódicos científicos na área da genômica, a seqüência do cromossomo 1 de Eimeria tenella, agente causador da coccidiose das galinhas (leia texto ao lado).

© Cecília Bastos
Arthur Gruber, do ICB: invenção pode
beneficiar milhões de pessoas

Imagem – Um dos pesquisadores da USP envolvidos nas duas linhas de pesquisa é Arthur Gruber, professor do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), que trabalha com o parasita Eimeria há dez anos. A propósito do sistema de diagnóstico remoto de parasitas por reconhecimento de imagens, ele informa que os métodos clássicos de diagnóstico se baseiam primordialmente no isolamento e identificação do organismo através de suas características morfológicas. Mais recentemente, com o advento das técnicas de biologia molecular, o diagnóstico parasitológico também pode ser feito mediante a amplificação de alvos específicos do DNA desses organismos (ele mesmo integrou a equipe de cientistas que executou o seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa que ataca laranjais paulistas). Nas duas metodologias, a identificação pode requerer a presença de um profissional altamente especializado, com experiência em diagnóstico morfológico no primeiro caso ou de técnicas de purificação e amplificação de DNA, no segundo. Isso significa que amostras biológicas de diferentes locais devem ser enviadas a laboratórios de referência de diagnóstico, o que implica custos e tempo de transporte, além de riscos potenciais sanitários.

Tendo em vista essa realidade, dois grupos de pesquisa da USP decidiram criar um novo conceito de diagnóstico, baseado na identificação de parasitas por reconhecimento de formas a partir de imagens digitais. Gruber e Luciano da Fontoura Costa, do Instituto de Física de São Carlos da USP, que lidera uma equipe de pesquisa em visão cibernética, se conheceram através do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Bioinformática da USP, do qual foram fundadores e orientadores credenciados. Ambos foram orientadores do estudante de doutorado César Armando Beltrán Castañón e, em conjunto, desenvolveram o sistema Coccimorph, uma plataforma de diagnóstico automático de parasitas através do reconhecimento de padrões de imagens.

Segundo Gruber, a utilização de algoritmos computacionais para a análise e reconhecimento de formas tem sido freqüente em várias aplicações, como a identificação de impressões digitais e faces humanas. Contudo, a aplicação totalmente integrada e automatizada dessa tecnologia para o diagnóstico remoto de agentes patogênicos é inédita no mundo e representa novo paradigma na área de diagnóstico de parasitas. Em razão desse ineditismo, um artigo científico do grupo da USP, descrevendo o sistema Coccimorph, acaba de ser publicado no mais importante periódico cientifico da área de reconhecimento de padrões, a revista Pattern Recognition, nos Estados Unidos.

Comparado com outras abordagens de diagnóstico, o sistema desenvolvido no Brasil não requer pessoal treinado na identificação de parasitas ou em técnicas de biologia molecular. Além disso, como pode funcionar de forma remota, através de imagens via interface web, não há necessidade de se realizar o transporte físico de amostras biológicas entre granjas e laboratórios de referência. Gruber considera esse um aspecto particularmente importante, uma vez que o transporte de amostras vivas representa potencial de risco sanitário. Pelo sistema de computador, ao contrário, granjas localizadas em áreas com surtos de doenças controladas poderiam enviar amostras para laboratórios de análises clínicas sem risco nenhum. Outra vantagem é que o diagnóstico é obtido em tempo real, o que possibilita a tomada de decisão rápida por parte do usuário.

Ainda segundo Gruber, embora os autores não preconizem a substituição das formas convencionais de diagnóstico, essa abordagem pode certamente representar poderosa ferramenta de auxílio para o diagnóstico, especialmente em regiões mais carentes de profissionais habilitados. O envio de imagens microscópicas de tecidos e microrganismos para laboratórios de referência, usando-se o sistema de e-mail, não é forma nova, e tem permitido que especialistas analisem e diagnostiquem com precisão amostras enviadas de locais remotos. Contudo, nesse tipo de análise a interferência humana ainda é fundamental e a resposta varia em função da disponibilidade desses profissionais, o que não ocorre no sistema agora preconizado.

O sistema foi inicialmente padronizado para o diagnóstico das sete espécies de Eimeria que infectam a galinha doméstica e, mais recentemente, estendido para as 11 espécies que infectam o coelho. A mesma abordagem poderá ser aplicada para o diagnóstico de outros gêneros de parasitas, incluindo os de interesse da medicina humana.

A taxa média de acerto do programa para a diferenciação das sete espécies de Eimeria de galinha é de cerca de 85% para cada imagem individual, valor considerado aceitável para um diagnóstico baseado em morfologia. Contudo, acrescenta Gruber, o envio de um conjunto de imagens de cada amostra biológica pode aumentar a confiabilidade do resultado. Atualmente, com a colaboração do professor Carlos Alberto de Bragança Pereira, do Instituto de Matemática, especialista em estatística, os pesquisadores estão desenvolvendo métodos para gerar resultados diagnósticos na forma de probabilidades. Isso significa que, em vez de o sistema simplesmente emitir um diagnóstico de uma espécie de parasita, será fornecida uma lista de probabilidades de diagnóstico para cada uma das espécies. A vantagem desse tipo de relatório, segundo Gruber, é que, em casos duvidosos, também denominados bordeline ou fronteiriços, o sistema indicará qual ou quais as espécies alternativas devem ser consideradas pelo profissional.

Como um interessado no diagnóstico de aves parasitadas deve proceder? Gruber orienta: em qualquer fazenda ou granja, o proprietário, ou pessoa por ele indicada, deve pegar uma amostra de fezes da ave com o parasita, purificar um pouco o material com técnicas rudimentares, colocar num microscópio acoplado a uma câmara digital (disponíveis no mercado e não custam muito caro) e fotografar. A partir daí, converter a foto no formato JPG (o mais comum), entrar na homepage e enviar o arquivo que contém a imagem. O programa processa as informações e devolve o resultado em tempo real.

Além do artigo já publicado na Patern Recognition, um outro com enfoque mais biológico está sendo enviado para um periódico científico na área de parasitologia. O trabalho de pesquisa tem continuidade em estudos filogenéticos (relações relativas entre os organismos). Os pesquisadores pretendem comparar reconstruções filogenéticas obtidas com o uso de marcadores moleculares.

Leia o artigo que descreve o Coccimorph.

O professor Gruber tem outro projeto de pesquisa que pode render patente, mas no caso dos estudos relacionados com Eimeria o software é livre.


Parceria internacional

O consórcio internacional de pesquisadores ingleses, malaios e brasileiros que desvendaram a estrutura cromossômica pouco comum do agente patogênico de aves Eimeria tenella foi formado em 2000. O artigo publicado no Genome Research é assinado por 33 autores, cinco dos quais da USP. No ramo brasileiro estão os professores Arthur Gruber, Alda Madeira (ambos do ICB) e Alan Durham (IME).

Arthur e Alda compõem um grupo de pesquisa que estuda parasitas do gênero Eimeria, tendo desenvolvido vários ensaios de diagnóstico molecular, bem como estudos de sequenciamento de genomas extracromossômicos e de genes expressos.

O papel desse grupo no artigo, que contou com a participação da estudante de pós-graduação Jenifer Novaes, incluiu a geração de 45 mil seqüências do tipo Orestes, uma técnica desenvolvida no Brasil há cerca de dez anos pelos pesquisadores Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto. Essas seqüências auxiliaram os pesquisadores britânicos a desenvolver modelos de estrutura e composição dos genes de Eimeria, os quais permitiram treinar de forma específica um conjunto de programas capazes de predizer a localização dos genes do cromossomo 1.

Além disso, junto com Durham, Gruber e o estudante de pós-graduação Tiago Sobreira desenvolveram um programa chamado Trap (Tandem Repeats Analysis Program) capaz de identificar, quantificar e descrever todas as regiões repetitivas do genoma do parasita. Uma descrição desse parasita foi publicada em 2006 na revista especializada Bioinformatics. O programa foi utilizado para a análise da seqüência do genoma de E. tenella e tornou possível realizar o que os pesquisadores denominam anotação automática da seqüência.

O resultado foi surpreendente: revelou que não somente o cromossomo 1, mas todo o genoma do parasita é extremamente rico em regiões seriadamente repetitivas, também conhecidas como DNA satélite. Mais surpreendentemente ainda, descobriu-se que o cromossomo 1 apresenta estrutura altamente segmentada, composta por regiões ricas em genes e associadas a seqüências repetidas em série, intercaladas por segmentos pobres em genes e regiões repetitivas. Segundo Gruber, o papel exercido por essas regiões repetitivas ainda não está muito claro. Contudo, estudos de eletroforese de campo pulsado (técnica que permite a separação de cromossomos inteiros do parasita) demonstrou que as regiões ricas em repetições sofrem maior recombinação e que são os segmentos que maior variabilidade apresentam entre diferentes cepas do parasita. Gruber observa que o fato de essas regiões altamente repetitivas estarem associadas a genes, aliado à incomum estrutura segmentada do cromossomo, sugere que essas repetições tenham papel funcional importante no parasita, contribuindo para a alta plasticidade do genoma. Agora, os pesquisadores querem entender como a grande capacidade do parasita de moldar dinamicamente seu genoma pode interferir na sua patogenicidade e adaptação ao hospedeiro.

O artigo científico pode ser acessado na aqui.

 

ir para o topo da página


O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
[EXPEDIENTE] [EMAIL]