As universidades públicas de São Paulo
não pertencem aos alunos, funcionários, professores
ou dirigentes. São da população que as sustenta
com quase 10% do seu principal tributo e espera, como retorno,
os resultados da missão delegada: ensino, serviço
e pesquisa de qualidade, com o objetivo de formar profissionais
competentes e socialmente comprometidos e de contribuir efetivamente
com uma proposta de desenvolvimento econômico e social com
eqüidade, que possibilite a criação de riquezas,
assim como a inserção e a liderança do País
nos avanços mundiais do conhecimento e da tecnologia.
Brandem-se com orgulho os recentes feitos das universidades brasileiras:
participação em 1,8% na produção científica
mundial, aumento significativo de jovens no ensino superior (de
1,5 a 4,3 milhões desde os anos 90), a presença de
quatro universidades entre as 500 melhores, em recentes avaliações
de nível mundial. É justo contabilizar os avanços,
mas há que se ter clareza da sua insuficiência. Apenas
11% dos nossos jovens no ensino superior é pouco se comparado
a países com características semelhantes. Com 3%
da população mundial e quase 3% do PIB do planeta,
propor 3% na participação da pesquisa, aumentando
o número de pesquisadores, deveria se transformar em objetivo
a ser perseguido. A conquista de patentes, condição
essencial para a competitividade mundial, precisa ser multiplicada.
O ambiente de investigação e pesquisa básica
e aplicada ainda não foi suficiente para merecer prêmios
como Nobel ou Fields, necessários não por si mesmos,
mas pelo que podem significar como estímulo e referência
aos nossos jovens pesquisadores e como alavanca ao desenvolvimento.
O que emperra esse crescimento? A autonomia parece ser um fator
positivo, já que, das quatro melhores universidades brasileiras
de nível mundial, três são paulistas, onde
vigora a autonomia. Por isso, atentar contra esse princípio
parece ser grave equívoco. Não se entende por que
o movimento estudantil não incorpora essa justa demanda
das federais. Falta diversificação no modelo de ensino
superior? Propostas diferenciadas precisam ser experimentadas,
como outros países já o fazem. Há falta de
incentivos ao ensino e à pesquisa ou são inadequados?
Uma das causas impeditivas do crescimento certamente é a
pouca inovação tecnológica em ramos de grande
dinâmica como TI (tecnologia da informação),
bio e nanotecnologia. O financiamento é precário
ou é mal gerido? Pode o contribuinte ser mais sobrecarregado
com mais tributos? O modelo de financiamento da universidade deve
ser levado ao centro da discussão, debatendo-se, seja na
academia, seja na sociedade, a multiplicação de captação
de verbas, procurando não sobrecarregar tanto o contribuinte.
O Plano Nacional de Educação propôs metas que
ainda estão longe de serem alcançadas (7% do PIB
para educação e 30% dos jovens no ensino superior
até 2010). Igualmente, está em discussão o
Plano Diretor para o Ensino Superior no Estado de São Paulo.
Ao lado dessas propostas, as universidades podem adiantar ações – como
já ocorre em alguma medida – mais ousadas de expansão
e melhoria, em projetos próprios. Projeto institucional
(incluindo estatuinte) e proposta nacional/estadual caminham juntos.
Formulados, os projetos institucionais necessitam ser amplamente
debatidos, tanto pela comunidade interna quanto pela externa, que
a mantém. Se a sociedade civil organizada e think tanks
devem ser mobilizados, a comunidade universitária precisa
se esmerar nessa discussão.
Nesse debate, as lideranças da universidade têm um
papel fundamental, sejam os dirigentes, sejam os sindicatos e as
associações de funcionários, professores e
alunos. Quanto mais consenso houver, maior o peso da instituição
na efetivação de mudanças também em
nível nacional. Ao contrário, a fragmentação
interna enfraquece a instituição, como ocorreu na
USP na atual crise.
Programar esse debate com a participação das diferentes
lideranças pode ser a maneira de sublimar o desgaste, superar
as dissensões entre os diferentes segmentos e de a USP sair
engrandecida da crise. Principalmente, ele poderá atrair
e moldar os generosos anseios de um grande número de estudantes
por objetivos político-sociais ambiciosos e desafiadores
e, igualmente, mobilizar funcionários (docentes e não-docentes)
que buscam ultrapassar posturas e mecanismos burocratizantes e
hierarquizados de gestão, desenvolvendo práticas
mais eficazes de planejamento e avaliação, assim
como uma comunicação e formas de negociação
mais ágeis e eficientes com as instâncias governamentais
e com outras forças vivas da sociedade.
Por fim, tal debate pressupõe uma crítica radical,
livre de crenças ideologizadas e um compromisso com metas
específicas, projetando um país mais pujante, democrático
e justo, que permita o bem-estar de todos e o pleno desenvolvimento
de cada cidadão. Ao projetar a universidade e o País
no interior dos novos paradigmas da civilização do
conhecimento, é oportuno lembrar o educador Anísio
Teixeira, que, nos anos 50, defendendo a entrada vigorosa do Brasil
nos parâmetros da então hegemônica revolução
industrial, afirmava: “Não é com nossas tradições
que devemos nos embriagar, mas com o nosso futuro – que nos
aguarda, se o soubermos preparar”.
Sonia Penin, ex-pró-reitora de Graduação
da USP, é diretora da Faculdade de Educação
da USP e membro da Comissão Nacional de Avaliação
da Educação Superior (Conaes) e do Conselho Estadual
de Educação de São Paulo (CEE-SP)
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