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materna (LM) em aproximadamente cem escolas públicas na cidade de São Paulo.
Conjunto de fatores – Inicialmente, uma questão se faz necessária. Por que os resultados de avaliações internacionais e nacionais que explicitam os restritos graus de letramento apresentados por jovens brasileiros de 15 anos, após oito anos de escolarização, continuam provocando comoção nacional? Como a LM tem papel decisivo na construção do conhecimento em uma sociedade grafocêntrica, houve a conscientização de que são limitadas as condições de pelo menos 75% dos jovens para conquistar autonomia e exercer seus direitos de cidadão, assim como serão limitadas também suas contribuições para o desenvolvimento do País.
Na busca de soluções, há que se refletir, entretanto, sobre um conjunto de fatores de âmbito cultural, cognitivo-afetivo, lingüístico-discursivo, socioeconômico, de políticas públicas e de práticas educativas. Dessa forma, a responsabilidade pelo desempenho educacional não deve ser atribuída prioritariamente a alunos e professores.
No que tange às práticas educativas, há entraves resultantes de políticas públicas que interferem na motivação e dificultam uma boa atuação dos professores, a saber: o número excessivo de alunos em cada classe (o que favorece a indisciplina/violência, além de dificultar o desenvolvimento de projetos em grupo); a problemática da mediação nos espaços de leitura (bibliotecas escolares e/ou salas de leitura); a falta de brinquedos, jogos, livros com imagens e textos, materiais educacionais diversificados desde a educação infantil; os aviltantes salários dos professores; tempo e espaço insuficientes para a educação contínua e planejamento das aulas, uma vez que a maioria não tem jornada integral em uma única escola; enfim, um “arcabouço escolar” que interfere de modo contundente na implementação, pelos professores, de práticas educativas que poderiam tornar mais eficaz a aprendizagem do uso da LM ao ler e ao escrever.
Além desses entraves, enquanto não houver um aumento consistente do nível de renda dos pais, cuidados básicos com a saúde da criança e não for viável o acesso à educação infantil de qualidade, seguramente os resultados de “provinhas/exames” continuarão muito aquém daqueles das crianças de países desenvolvidos. Assim, se as mínimas condições necessárias ao sucesso escolar estão ausentes, pode-se dizer que grande parte das crianças não tem “dificuldades de aprendizagem”, mas sofre de “direitos não atendidos” que prejudicam a aprendizagem.
Tempo extra – Neste início do século 21, no Brasil, a maioria das crianças brasileiras não tem acesso à educação infantil e chega à escola somente aos 6 ou 7 anos. Para essas crianças que tiveram menor imersão no mundo letrado, há que se estabelecer um tempo extra significativo (ao menos um ano), anterior ao processo intencional de alfabetização, com a finalidade de viabilizar uma recuperação lúdica do processo de letramento emergente, que terá influência decisiva no processo de alfabetização. Essa é uma condição para que esses alunos avancem sem estigmas.
Nesse tempo extra, é essencial que as atividades estejam relacionadas prioritariamente à oralidade e à leitura e que a ludicidade esteja embutida no cerne de todas as propostas, tanto na dimensão discursiva quanto na dimensão alfabética. Por que as estratégias de ensino e aprendizagem devem focalizar inicialmente o ato de ler e não o ato de escrever? No passado, o foco esteve voltado para a “mão”, para o aspecto gráfico da escrita, para o professor que ensina, e as palavras-chave eram exercício/castigo/esforço. Se, no presente, admite-se que a criança aprende continuamente e em todos os espaços, o foco deve voltar-se para o sistema “mente-cérebro” e, portanto, para um investimento muito intenso em leitura, a fim de nutrir a “memória discursiva” com amplo e variado repertório textual. Nesse novo contexto, as palavras-chave passam a ser ludicidade/brincadeira/prazer. Para tanto, é fundamental a existência de recursos educacionais em um novo ambiente de aprendizagem na escola, ou, pelo menos, a existência de um “armário” que pudesse conter uma diversidade de materiais que as crianças provenientes de famílias ricas usufruem fartamente em diferentes espaços.
Trata-se de uma biblioteca-brinquedoteca (Bibrinq) no armário, em cada sala de aula de 1º ano do ensino fundamental, com 35 crianças (o ideal são 25). Sem perder de vista a diversidade de práticas sociais, segue uma possível relação de “materiais”: 200 diferentes livros de arte visual e literatura infantil, dicionários, enciclopédias, mapas, jornais, revistas, gibis, embalagens, 35 jogos de letras móveis, diversos jogos que envolvam palavras e números, máquina de datilografia, laptop, CDs, DVDs, inúmeros brinquedos, fantasias, sementes, instrumentos para aguçar a percepção (estetoscópio, microscópio etc.), lápis de cor, sucata etc. Para complementar: um gravador, uma máquina fotográfica digital e 35 pastas para portfólio, de modo que professores e crianças registrem as atividades e possam dialogar sobre elas. Certamente, esse ambiente de aprendizagem propiciará experiências significativas que mobilizarão o interesse e o envolvimento das crianças, alavancando a apropriação de práticas letradas.
Por que uma Bibrinq em cada sala de atividades? No 1º ano do ensino fundamental, que recebe as crianças de 6 anos, em 90% das atividades a serem realizadas, professores e alunos farão uso dos recursos mencionados e, somente em 10%, ocuparão lousa, giz, lápis e borracha. Se atendidas essas reivindicações a que alunos e professores têm direito, eles terão melhores condições de trabalho e a oportunidade de mostrar que são capazes, antes de serem avaliados.
Chegou o momento de transformarmos discursos em “objetos-concretos”: Bibrinq. Além do uso mais adequado das verbas equivalentes a diversas avaliações concebidas para a 1ª e 2ª séries, temos a convicção de que a mídia atuará abrindo espaços para manter os debates, os prefeitos participarão de forma significativa, muitas ONGs e fundações poderão colaborar e inúmeros empresários estarão dispostos a investir no desenvolvimento cultural das crianças, doando vários exemplares de Bibrinq para cada escola (doação e manutenção), por meio de diversos procedimentos, dentre eles, a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura.
Idméa Semeghini Siqueira é professora da Faculdade de Educação da USP, autora de “Modos de ler textos informativos impressos/digitais e a questão da memória: estratégias para alavancar a construção do conhecimento”, em Linguagem e educação (Humanitas, 2006).
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