A cidade de São Paulo ganhou 900 carros por dia durante o ano de 2007, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo. Em dez anos, a frota de veículos no município cresceu 25%, para 6 milhões em fevereiro deste ano. Em contrapartida, a infra-estrutura viária, atualmente com 17 mil quilômetros, não aumentou

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mais que 6% no mesmo período, segundo o Detran. Os dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) corroboram a tendência de acelerada motorização nas capitais brasileiras. Seu Relatório Comparativo 2003-2006 destaca a inversão do número de viagens realizadas por transportes coletivos em relação ao número de viagens por transporte individual motorizado e não motorizado. Mais pessoas podem estar optando por carros e motos ou preferindo ir a pé ou de bicicleta aos seus compromissos diários.


Um importante dado referente a 2007 será em breve divulgado pela indústria e revelará a nova tendência de transporte do brasileiro. “Os números das vendas de motocicletas, ainda não oficializados, mostrarão o impressionante crescimento do setor”, diz o ex-secretário estadual de Transportes Metropolitanos (1995-2001) e consultor da ANTP, Cláudio Senna Frederico.

A pergunta de todo cidadão é “onde vamos parar?” ou “quando a cidade vai parar?” com tamanho problema. Com uma malha viária saturada e um número de veículos individuais que não pára de crescer, o resultado só poderia ser a lentidão cada vez maior do tráfego, digna de recordes. Foi o que aconteceu nos dias 11 e 13 de março, quando os congestionamentos das principais vias de São Paulo alcançaram as marcas recordes de 186 quilômetros e 222 quilômetros, respectivamente, segundo a CET.

Porém, vale observar que o aumento do índice de lentidão pode estar parcialmente refletindo uma nova metodologia de medição. “De julho de 2007 para cá, a malha viária passou a ser observada numa extensão de 840 quilômetros, ante os 561 quilômetros observados anteriormente. Isso obviamente resulta em números maiores. Assim, uma situação que hoje mostre 130 quilômetros de lentidão poderia ser representada anteriormente por cerca de 100 quilômetros, por exemplo”, diz Adalto Martinez, diretor de Operações da CET.

Foto crédito: Cecília BastosApesar da explicação técnica, é óbvio que a situação é caótica e cada paulistano sabe quanto gasta de tempo e dinheiro com trânsito. Como São Paulo não pode parar, o prefeito Gilberto Kassab anunciou medidas para desafogar as ruas, o que tomou a forma de um “pacote anticongestionamento”, anunciado em 19 de março. Começou a vigorar a partir de 24 de março e consiste, essencialmente, na divulgação de uma lista de 175 rotas alternativas, além de obras de melhorias em terminais e corredores de ônibus, restrição de estacionamentos e também ampliação do período de restrição de carga e descarga de caminhões.

Os especialistas entrevistados pelo Jornal da USP são unânimes em dizer que as medidas são pontuais, ajudam, mas não resolvem a situação do transito, que só tenderá a piorar na medida em que a economia aquece e melhoram as condições financeiras da população. Por isso, segundo os entrevistados, a tendência mundial das políticas de restrições ao uso do automóvel deve ser estudada e adotada no Brasil com mais rigor, além de outras soluções integradas, visando à maior eficácia dos transportes e à melhoria dos índices de mobilidade urbana e da qualidade de vida.

Se a acelerada motorização preocupa os gestores do mundo todo, a situação não é diferente no Brasil. Os resultados da 65ª Reunião do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Transporte Urbano e Trânsito, realizada nos dias 6 e 7 de março de 2008, em Recife, mostraram que os gestores e especialistas saíram do encontro convencidos de que a melhoria da mobilidade urbana passa pela adoção urgente de medidas de desestímulo ou restrição ao uso de automóveis, além do estímulo ao uso do transporte não motorizado.

Pedágio Urbano – Apesar de impopulares no início, as medidas de restrição ao uso do automóvel acabam ganhando o respaldo da população depois de implantadas, lembra o professor Orlando Strambi, do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP. Ele cita como exemplos o rodízio de carros em São Paulo e os pedágios urbanos criados em Cingapura, Londres e, mais recentemente, Estocolmo.

Foto crédito: Cecília BastosO prefeito de Londres, Ken Livingstone, por exemplo, lançou sua campanha à reeleição tendo como mote o aumento do pedágio para o equivalente a R$ 85,00 por dia. Nova York estuda o rodízio de veículos implantado em São Paulo. Outra medida que poderá ser adotada na ilha de Manhattan é proibir que os tradicionais táxis amarelinhos parem para quem acenar nas ruas. Só poderão ser pegos em pontos. Já Buenos Aires deverá construir grandes estacionamentos subterrâneos no centro, para permitir a transferência modal, ou seja, o motorista estaciona o carro e vai até a região central de transporte público.

Porém, o pedágio urbano precisa de critérios e transparência para ser aplicado, caso contrário, ele não funciona, ressalta do professor Strambi. “Não digo que sou, de pronto, a favor do pedágio urbano. Sou favorável a discutirmos e esclarecermos de vez o assunto, pois ele deve ser implantado de forma integrada com outras medidas, tendo em vista promover não só a melhoria do trânsito, mas o próprio conceito educativo que essa cobrança propõe.”

A palavra “pedágio”, aplicada no contexto brasileiro, pode desvincular o real sentido que aquela tarifa urbana propõe conceitualmente, diz Strambi. “O congestionamento representa custos para a sociedade. A cobrança da tarifa urbana é a sinalização desse custo. É a forma de mostrar ao motorista que ele causa tais danos. Nesse contexto, deve funcionar como mecanismo de administração da demanda, ou seja, é uma forma de adaptar a oferta de automóveis à capacidade viária existente. O que acontece em pedágios rodoviários, como no Rodoanel e na rodovia Castelo Branco, por exemplo, é o oposto. Nesses casos, trata-se de criar uma tarifa para aumentar a capacidade viária existente. Nesse caso, não há o sentido educativo”, diz o professor. 

Foto crédito: Cecília BastosOs recursos do pedágio urbano devem ser reinvestidos na própria melhoria dos transportes públicos, destaca Strambi. Isso funciona como estímulo para o cidadão, na medida em que se detecta a melhoria no trânsito e na qualidade de vida. “Todo esse processo envolve credibilidade nas instituições e transparência, pois o cidadão deve saber como estão sendo usados os recursos e ver os resultados”, lembra Strambi.

Sistemas rápidos – Realizado em janeiro passado, o 87º Transportation Research Board – um dos mais importantes congressos sobre transportes do mundo, promovido anualmente em Washington, nos Estados Unidos – mostrou que algumas soluções para transportes e trânsito nas grandes cidades passam necessariamente por três eixos. Um deles é a restrição do uso do automóvel, que os especialistas vêem como a grande saída para resolver parte da questão. Tal medida deve ser aplicada com a melhoria do transporte coletivo, a segunda série de medidas necessárias.

Já o terceiro eixo das soluções consiste em modos não motorizados de transporte, como caminhar ou andar de bicicleta. Este, diz Strambi, está associado a um conceito urbanístico que pressupõe regiões mais adensadas e com uso misto do solo. Desenvolvido nos Estados Unidos, o conceito de Smart Grouth – também denominado New Urbanism ou ainda Transit Oriented Development – pressupõe bairros ou microrregiões estruturadas para oferecer tudo ao cidadão, sem que ele precise percorrer grandes distâncias diárias. “Dentro dessa visão, o empreendimento imobiliário está associado a um conceito de vida que não depende prioritariamente do automóvel, já que numa só vizinhança as pessoas podem levar sua vida, trabalhar, estudar, ter lazer”, diz o professor da Escola Politécnica.

O professor Benedito Lima de Toledo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, prefere não fazer comparações entre São Paulo e capitais do mundo desenvolvido, como Paris, Londres e Nova York. “São Paulo se espalha como uma mancha de óleo, o que é algo incontrolável. O problema do trânsito na cidade está nas sucessivas más gestões e descaso com o assunto. Nunca poderíamos ter abandonado o projeto de rodovias de ‘mão espalmada’ que já existiu no passado. Nem precisaríamos de obras visíveis para garantir votos para políticos, como foram o Minhocão, a Praça Roosevelt e a passagem do túnel da Rebouças. Felizmente o Fura-Fila não foi adiante. São obras pontuais discutíveis, feitas para dar visibilidade aos gestores e que agridem a paisagem”, afirma.

Foto crédito: Cecília BastosO professor também aponta a especulação imobiliária como responsável pela confusão do trânsito. “Um novo empreendimento gera demanda por serviços básicos para a população. Na Itália, quando há o aumento da carga de abastecimento de água, luz e outros serviços, a conta é dividida com os construtores. Já no Brasil, eles ficam só com os lucros e não pagam a conta. É como o anfitrião que dá uma festa e deixa a conta para os convidados”, compara. O professor acredita que uma medida importante no momento é permitir apenas no período noturno o trânsito de caminhões nas Marginais e principais vias da cidade.

Metrô – O professor Antônio Clóvis Pinto Ferraz, do Departamento de Transportes da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, acredita num conjunto de ações que atue na demanda de carros. Além do pedágio urbano, do aumento para três dígitos das placas sujeitas a rodízio e da restrição das áreas de estacionamentos nas zonas centrais, a integração dos transportes individuais com os coletivos pode ser uma boa saída para o mar de veículos em cidades como São Paulo, acredita. “Os gestores não o fazem porque são necessários recursos, desapropriações e vontade política. O rodízio é interessante, mas não efetivo”, diz.

Um estudo de mestrado recém-concluído na Escola Politécnica da USP pelo engenheiro Alberto Benedito Lima Júnior mostrou que atualmente 17 mil pessoas já praticam em São Paulo o park and ride, que é a prática de estacionar o carro em alguma estação e continuar a viagem de metrô. O autor acredita que seria uma medida economicamente viável, pois cerca de 80% das viagens de metrô têm como destino a área central da cidade. A maior parte desses usuários é homem, proveniente de bairros que distam em média 50 minutos da estação, com poder aquisitivo acima da média e que preferem a prática pela economia de tempo.

Outra medida eficaz para São Paulo seriam os ônibus rápidos do tipo Bus Rapid Transit (BRT), na visão tanto de Strambi quanto do ex-secretário dos Tranportes. O conceito do BRT “foi criado por brasileiros e virou coqueluche mundial”, segundo Frederico. Implantado inicialmente em Bogotá, na Colômbia, foi adotado na França, Cingapura, China, Estados Unidos e outros lugares. Mas ainda não foi implantado no Brasil, exceto em Curitiba. “O ABC possui algo parecido e que faz muito sucesso. Os veículos são híbridos, movidos a eletricidade e combustível, e possuem corredores. A questão da eletricidade gerou polêmica por lá pelo fato de retirar energia da rede de distribuição”, afirma Frederico.

Foto crédito: Cecília BastosSegundo Strambi, a qualidade dos serviços proporcionados pelo BRT é comparável ao metrô, porém sua implantação implica custos bem mais baixos. “Qualquer comparação com os antigos bondes, com o VLT (veículo leve sobre trilhos), com metrô ou trem aponta para as vantagens dessa nova tecnologia de transporte em ônibus”, afirma.  Ao conceito do BRT estão associadas medidas como corredores exclusivos, agregação do tráfego de forma a não interferir nos cruzamentos, pagamento da passagem fora do ônibus, geralmente na estação, e embarque em nível (sem degraus), agilizando a entrada de passageiros.

Para Strambi, o investimento em metrô pode ter características ruins, caso feito de forma a estimular a dispersão ainda maior da cidade, o que comprovadamente aumenta os custos e reduz a eficiência dos transportes. Sobre a convivência entre motociclistas, ciclistas e carros, Strambi diz que nenhum país ainda resolveu adequadamente esse problema. “Nenhuma proposta para a melhoria do trânsito deve ser descartada, tendo em vista a diversidade e complexidade do problema. Porém, as medidas anunciadas até agora são pequenas e localizadas diante do tamanho do problema.”

Prefeitura – Em entrevista à rádio Eldorado FM, no dia 25 de março, o prefeito Kassab disse que as ações anunciadas pela prefeitura são imprescindíveis. “Fazer corredor de ônibus não é só isolar a rua, é um conjunto de obras para fazer o trânsito fluir.”

Segundo Kassab, a Secretaria dos Transportes deverá anunciar esta semana o resultado de um estudo sobre as áreas e horários destinados a cargas e descargas de caminhões, além das regras para caçambas em avenidas. Além disso, a cidade de São Paulo irá adiantar para 2009 a obrigatoriedade de chips nos veículos, o que permitirá um monitoramento em tempo real do fluxo e sua sincronização com os semáforos eletrônicos que estão sendo implantados. Kassab também disse que estuda ampliar o horário do rodízio, que passaria a ter uma hora a mais de manhã e à noite, vigorando das 7 às 11 horas e das 17 às 21 horas.

As principais obras existentes em São Paulo para desafogar o trânsito urbano são a ligação do Rodoanel com as rodovias Ayrton Senna e Dutra, a ampliação das pistas da Marginal Tietê, a ampliação da avenida dos Bandeirantes, com a criação de faixas exclusivas para caminhões, o prolongamento da avenida Jornalista Roberto Marinho e a ligação com a Imigrantes, além do prolongamento da Jacu-Pêssego, fazendo ligação com o Rodoanel. O Programa de Desenvolvimento Estratégico Metropolitano de São Paulo prevê a entrega das obras para 2010. Após a conclusão, o movimento de caminhões na Marginal Pinheiros deverá ser reduzido em 43%, e na avenida dos Bandeirantes, em 37%.

 

Bicicleta, uma alternativa

Segundo o professor Paulo Hilário Nascimento Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, a redução da expectativa de vida associada aos problemas causados pela poluição causa um prejuízo da ordem de R$ 1,2 bilhão para a Região Metropolitana de São Paulo. O principal problema da poluição do ar em São Paulo se deve à emissão de enxofre. “O Brasil ainda emite 500 partes por milhão de enxofre a partir do diesel e precisa adotar com urgência o padrão de baixo teor de enxofre, como ocorre no Chile e no Leste Europeu, por exemplo. Estados Unidos e Europa usam o ultrabaixo teor no diesel”, diz.

Poluição e condições do ar são temas de estudo de Saldiva. Porém, o professor conhece o ar bem de perto, no sentido prático. Ciclista desde que entrou na Faculdade de Medicina da USP, em 1972, Saldiva percorre em média 50 quilômetros de bicicleta por dia no trajeto de casa para a faculdade, na avenida Doutor Arnaldo, em Cerqueira César, em seguida para a Cidade Universitária, no Butantã, e depois de volta para casa. “Uma passarela ligando a estação da Cidade Universitária ao campus do Butantã iria ajudar milhares de pedestres. Sei que é uma travessia perigosa porque eu a cruzo de bicicleta”, afirma.

Saldiva diz que andar de bicicleta também pode ser seguro, mas exige certas medidas, entre elas, andar em baixa velocidade – no máximo, a 15 quilômetros por hora –, evitar avenidas, escolhendo caminhos alternativos, raciocinar como pedestre e não dividir espaço com carros, e entender que o Código Nacional de Trânsito não serve, na prática, para o ciclista.

 
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