A taverna da Jarretera, na cidade inglesa de Windsor, ambienta o primeiro ato da temporada de óperas deste ano no Teatro Municipal. Ali, o redondo Sir John Falstaff, personagem central de As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare, começa a colocar em prática seu plano de conquistar duas belas – e ricas – senhoras casadas. Ao longo

do espetáculo “vemo-lo, com a paixão exagerada das bestas e a imaginação delirante dos incapazes, empanturrar-se de vinho e, de pança enorme, os olhos avermelhados, as pernas trementes, apaixonar-se ridiculamente por quase todas as mulheres da peça” (introdução de As Alegres Comadres de Windsor).

A obra de Shakespeare foi adaptada para a ópera por Giuseppe Verdi ao fim de sua carreira sob o título de Falstaff. Trata-se do último trabalho do compositor e também sua obra-prima, “uma comédia fantástica e magistralmente composta”, diz Jamil Maluf, maestro titular e diretor artístico do Teatro Municipal. O regente afirma que para interpretar o protagonista é preciso possuir humor acentuado, “beleza e potência vocal”, características atribuídas ao barítono Licio Bruno, um dos principais intérpretes brasileiros de sinfonias, música de câmara e óperas. Falstaff estreou em São Paulo em

Falstaff, de Verdi, abre a temporada deste ano do Municipal

2003 e foi apresentada em Belo Horizonte no ano passado. Conta com direção cênica de José Possi Neto, cenários de Jean-Pierre Tortil e figurinos de Fábio Namatame.

A atual temporada é resultado do programa de reestruturação do teatro iniciado com a gestão de 2005, que conta com Maluf como diretor artístico. O projeto visa a devolver à casa sua vocação de origem com uma programação que destaca espetáculos cênicos, como a ópera e o balé. O maestro conta que nos anos 20 e 30 o teatro recebia todas as óperas do exterior já prontas, pois não havia infra-estrutura para a produção. Ainda em 2005 foi criada uma central técnica de produção com o objetivo de fabricar e armazenar os cenários e figurinos das peças, o que acarreta economia de cerca de 40% do custo das peças. 

Hoje, o teatro é pioneiro na permutação de espetáculos. O maestro enfatiza a importância de “começar a temporada com uma grande ópera”, caso de Falstaff. Considera que a composição de Verdi preenche todos os requisitos teatrais, uma “trama cheia de subtramas” e montagem altamente complexa.

Ao longo do ano – Em maio, por sua vez, o Palácio das Artes de Belo Horizonte traz a ópera O Castelo de Barba-Azul, do húngaro Bela Bartók, uma peça com aspecto “visual muito impressionante”, diz Maluf. Nela, imagens produzidas pelos atores se misturam a figuras e formas projetadas no cenário. Na seqüência, no mês de junho, será encenada Madame Butterfly, de Giacomo Puccini, marcando os 150 anos do nascimento do compositor e o centenário da imigração japonesa. A trágica história de Cio-Cio-San, uma gueixa abandonada pelo marido, um capitão da Marinha norte-americana, tem cenários e figurinos da artista plástica Tomie Ohtake.


No segundo semestre serão apresentadas Colombo, nona ópera de Carlos Gomes, e Madame Butterfly (abaixo), de Puccini, marcando o centenário da imigração japonesa

A ópera Ariadne em Naxos, de Richard Strauss, inédita no Municipal de São Paulo, é uma co-produção com o Festival Amazonas de Ópera, e será encenada em agosto. A peça discute a essência da arte com melodias compostas para vozes femininas. Tal parceria, nunca antes feita no Brasil, permite ao teatro “fazer até dez títulos por ano”, diz Maluf. Colombo, nona ópera do compositor paulista Antônio Carlos Gomes, será apresentada já no segundo semestre, em setembro. A montagem constitui um dos grandes sucessos do Municipal, ainda que tenha sido produzida com poucos recursos financeiros. O oratório, apresentado originalmente em 2004, narra a viagem de descoberta da América com tons patrióticos e demonstra a intenção do autor em se colocar como discípulo de Verdi.

As óperas Amelia al Ballo e Le Villi (apresentadas em conjunto em outubro), a primeira de Gian Carlo Menotti e a segunda de Giacomo Puccini, seguem a tradição do teatro de encenar obras inéditas em São Paulo. Ambas são trabalhos de estréia dos dois compositores e comprovam que “já começaram produzindo obras de grande qualidade”, afirma Maluf. Menotti é considerado um dos maiores compositores do início do século 20, destacando-se por encontrar meios de se dirigir a um público habituado ao cinema e à televisão. Lançou a peça cômica Amelia em 1937, na Filadélfia. Puccini aparece como grande compositor ainda no século 19 e produziu Le Villi em 1883 para um concurso de óperas.

Finalmente, o Municipal resgata o espetáculo Sansão e Dalila para encerrar a temporada, em novembro. Trata-se de “uma das principais obras do repertório”, diz o maestro. A ópera foi encenada uma única vez nos anos 40 e desde então é executada apenas em concertos. O trabalho em três atos do compositor francês Camille Saint-Säens foi inspirado no Livro dos Juízes, da Bíblia, e conta com cenas elaboradas para coro e balé.

Um grande espetáculo – Segundo Maluf, a ópera é um “espetáculo de arte total”, uma vez que se configura em um lugar de “encontro das grandes artes”: o teatro, a música e a dança. Surgiu na Europa em um “contexto eminentemente popular”, ligada à história de cada país. Óperas bufas, ao estilo de Falstaff, tornaram-se muito conhecidas em Nápoles, dando aos cantores maiores oportunidades de demonstrar suas técnicas vocais.

Por certo tempo o espetáculo operístico moderno foi considerado “monótono” pelo público, conta o maestro, pois priorizava a música em detrimento de todo o restante. A partir dos anos 50, “muitos diretores de cinema e teatro se interessaram pela ópera”, tornando a execução teatral tão importante quanto a composição musical. Nos dias de hoje os cantores não apenas possuem alta qualidade vocal como “são mais verídicos” e preocupados com a atuação.

Como se tais alterações não bastassem para tornar a ópera mais acessível, o Municipal diminui, a partir de 2005, o preço dos espetáculos, atraindo um número expressivo de pessoas. Maluf explica que a proposta foi tornar os valores das entradas semelhantes aos de teatro e cinema. O resultado é um fluxo de mais de 180 mil pessoas por ano. O maestro acredita que o interesse em música erudita no Brasil é alto, apesar do pouco espaço que o gênero tem na mídia, e comprova sua hipótese ao observar o teatro sempre “lotado”. Diz que a ópera é um espetáculo “vivo, atual, contemporâneo”, de grande interesse dramatúrgico e partilha o ingrediente básico para o êxito de qualquer obra: “uma ópera, para ter sucesso, tem que saber contar história”.

As apresentações de Falstaff têm início neste sábado, às 20h30, e seguem na próxima semana, nos dias 7, 9 e 11 de abril, no mesmo horário, e no dia 13, às 17h. O Teatro Municipal está localizado na Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro. O valor dos ingressos varia entre R$ 20,00 e R$ 40,00, à exceção do dia 7, quando o preço varia entre R$ 10,00 e R$ 20,00. Mais informações pelo tel. 3222-8698.

 
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