Há 53 anos, no quarto andar da Faculdade de Medicina da USP, foi aberto um Clube de Ciências, um laboratório onde duas dúzias de estudantes construíam equipamentos e faziam experiências. Alguns desses estudantes foram estimulados e pelo menos dois se tornaram pesquisadores e professores da USP. Rapidamente nos conscientizamos de que esse esforço

Foto crédito: divulgação

era pequeno, até para São Paulo, com um quarto da população de hoje. Por esse caminho, jamais teríamos o impacto necessário. Apesar disso, meio século depois, a idéia vem sendo reinventada. Nós mesmos criamos, no Museu de Micróbios e Vacinas do Instituto Butantan, um laboratório de verdade, para que professores venham, com alguns de seus melhores alunos, realizar experimentos de verdade.

A segunda etapa foi criar, em 1954, kits que foram para escolas, permitindo a milhares de alunos realizar experiências, tirando conclusões. Claro que dependíamos do interesse dos professores. A etapa seguinte foi produzir kits que os alunos poderiam usar em suas casas, que culminou com os kits Cientistas, em parceria com a Editora Abril, que produziu cerca de 3 milhões de unidades, vendidas nas bancas de jornais. Ainda hoje encontro senhores, que são professores ou profissionais, que imediatamente declaram que foram motivados pelos kits. Alguns ainda os guardam.


A etapa decisiva foi inovar o conteúdo e a filosofia do ensino de ciências, que exigia produzir livros e materiais originais de baixo custo, para realizar experiências cujo resultado não era conhecido pelo aluno e pelo professor e que, como as feitas pelos pesquisadores, poderiam dar errado. Descobrir por que não davam certo era até mais importante do que repetir as velhas experiências clássicas de séculos atrás.

A mesma idéia surgiu no Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, como uma resposta ao desafio da ida do primeiro russo ao espaço. Nós nos juntamos aos projetos norte-americanos, promovidos pela National Science Foundation (NSF) e outras fundações. Um dos resultados foi o chamado BSCS (instituto dedicado à educação em ciências), que teve no Brasil a professora Myriam Krasilchik, da Faculdade de Educação da USP, como líder e que introduziu pela primeira vez ecologia, metabolismo, gene e enzima no ensino médio.

A geração que se formou na escola média nos anos 1960 descobriu idéias revolucionárias da ciência – como a estrutura do DNA, o conceito de dualidade luz-onda, a natureza das ligações químicas e entropia –, que substituíram as imitações dos velhos compêndios do século 19. O papel da inovação curricular profunda, liderado por importantes cientistas, foi fundamental. Como a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento de Ensino de Ciências (Funbec) acabou em cinzas, os projetos da NSF envelheceram, enquanto a ciência progredia a largos passos. Hoje é o editor da Science que propõe um grande recomeçar para garantir a hegemonia da ciência nos Estados Unidos.

Meio século depois de lutar para criar uma elite de pesquisadores, hoje penso que devemos voltar a pensar em inovar o ensino de ciências,  motivando pesquisas e experiências de verdade, capacidade de avaliar e pensar objetivamente, ligando as ciências básicas aos problemas que o homem enfrenta, como aquecimento global, poluição e epidemias que ameaçam milhões.

Para isso, o homem comum, que inclui os nossos representantes e burocratas, precisa entender os fundamentos da ciência. Pergunte ao seu deputado a implicação de entropia e conservação de energia no futuro da espécie humana. Ridicularize aqueles que imaginam construir um automóvel que funciona com água e tecnólogos que falam que hidrogênio é a fonte da energia do futuro – como se houvesse poços para extrair hidrogênio – e que milho transgênico induz a doenças.

Mudemos, como mudamos com os vestibulares do Cescem/Fundação Carlos Chagas, a forma de selecionar alunos para as universidades, promovendo alunos que aprenderam a discernir balelas de conhecimentos, e evitemos que os exames “de estado” reforcem os velhos conteúdos e a decoreba que reinaram no Brasil há meio século e ameaçam voltar. Inovar não é papel do professor de uma escolinha nem do pedagogo. É missão dos melhores cientistas, como Feyman, Zacharias, Pimentel e outros tantos que dividiram seu tempo para melhorar o ensino básico de ciências. 

É preciso ousar em inovação e em volume do impacto. Imagine se o Instituto Butantan produzisse uma centena de doses de vacina ou soros apenas, ao invés de atender à real demanda do país.

Isaias Raw, Professor Emérito da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Fundação Butantan e fundador da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento de Ensino de Ciências (Funbec), atuou no ensino das ciências e da medicina no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

 

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