Poucas vezes se vêem tantos doutores concentrados em um mesmo espaço como se viu no dia 7, segunda-feira, na sala do Conselho Universitário da USP. Os portadores de altos títulos acadêmicos não eram apenas da USP, vieram também de outras universidades  de  São Paulo e de outros estados, convidados para assistir ao lançamento pelo ministro da

Foto crédito: Wilson Dias

Educação, Fernando Haddad, de mais um serviço de pesquisa da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que poderá ser usado por todos os que têm acesso ao portal de periódicos da instituição. Embora o novo banco de dados JSTOR (abreviatura do Journal Storage), com 174 títulos, comprado e dedicado preferencialmente à área de humanidades, tenha sido o motivo imediato do encontro na USP, é certo que ministro, reitora, pró-reitores e diretores de unidades aproveitaram o tempo e a dica para tratar de vários outros temas relacionados com a

educação, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – que acaba de divulgar os resultados das provas de 2007 –, a formação de professores para o ensino público, a parceria na instalação de internet, primeiro nas cidades, depois nas áreas rurais de todo o País, e ainda a relação da Universidade com o poder central, em especial com o ministro, que é “da casa” desde os 18 anos de idade, quando se matriculou como aluno. “Se a USP precisa do MEC”, disse Fernando Haddad, “o MEC e o país  precisam mais ainda da USP”.

O certo é que todos os temas analisados acabam sempre confluindo para dois objetivos básicos, pretendidos tanto pela União como pela  academia, isto é, educação de boa qualidade e para todos. No dia 7 mesmo, depois da reunião na sala do Conselho Universitário, o ministro teve novo encontro com a reitora Suely Vilela e com outros dirigentes da Universidade para ouvir deles propostas de novas parcerias e projetos, pois, segundo a reitora, ainda há espaço para maior colaboração. Haddad deve ter sido informado especialmente sobre uma proposta da Pró-Reitoria de Graduação que, no dia seguinte, foi levada ao conhecimento do Conselho Universitário – a de que a USP decidiu ampliar ainda mais o esforço de inclusão social dos estudantes carentes, promovendo avaliação seriada nas escolas públicas, e elevar o bônus no vestibular aos participantes desse programa (leia mais).

Foto crédito: Francisco Emolo
Haddad, ao lado da reitora Suely Vilela, na sala do Conselho Universitário: "O MEC e o país precisam da USP"

Segundo Haddad, a educação brasileira vive momento auspicioso, reforçando o conceito de visão sistêmica da educação, isto é, não opõe mas aproxima a educação básica da superior, como estariam sugerindo as mais de 40 ações que compõem o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ainda no plano nacional, o ministro disse que a União está se responsabilizando parcialmente pela qualidade da educação básica, não apenas no que diz respeito ao financiamento, mas sobretudo à formação de professores. Prometeu consolidar até o final do ano o sistema nacional público de formação do professor e observou que a maioria dos que dão aulas em escolas públicas é formada em escolas privadas, quando deveria provir majoritariamente da universidade pública.

Como falava em ato dedicado à Capes, o ministro lembrou que o Brasil está classificado em 15o lugar como país produtor de ciência, mas fica na 50a posição no ranking mundial de qualidade do ensino básico. “Isso tem muito a ver com o que estamos discutindo aqui”, disse, acrescentando que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)  se espelha na experiência da Capes.

Com as empresas telefônicas o governo acaba de estabelecer parceria para conectar em banda larga as 55 mil escolas públicas urbanas, que respondem por 80% das matrículas, ficando para uma segunda etapa conectar as 90 mil escolas rurais, que atendem ao restante das matrículas. É na criação desse padrão digital nacional que o MEC pede ajuda da USP e demais universidades públicas paulistas. Elas são estimuladas a treinar professores e criar conteúdos programáticos.

Foto crédito: Francisco EmoloNem tudo o que o governo faz agrada à Universidade. Por exemplo, a Congregação da Faculdade de Educação está divulgando documento em que manifesta indignação com a proposta de extinção da contribuição social salário-educação, criado em 1964,  decisão presente na proposta de emenda constitucional 233/2008, que altera o Sistema Tributário Nacional. A moção de repúdio foi lida no Conselho Universitário e encaminhada ao MEC, Casa Civil, Câmara Federal e Senado e respectivas comissões de Educação.

Enem – A propósito do Enem, o ministro da Educação disse, em entrevista depois de encerrado o encontro formal, que os resultados observados na análise do exame de 2007 demonstram a necessidade de combinar o ensino médio com a educação profissional. Observou que apenas uma parcela da juventude segue para o ensino superior, enquanto a parcela que não tem acesso à universidade fica órfã, à espera de atendimento. A saída, e esta é a sua proposta, começa pela ampliação da gratuidade do ensino de qualidade e maior oferta de cursos profissionalizantes para os jovens do ensino médio da escola pública. As redes federal e estaduais, assim como o sistema de formação profissional da indústria e do comércio, fazem isso bem, disse Haddad.

A menção do ministro ao ensino técnico e profissional faz muito sentido à luz da análise do Enem, sobretudo a que se deve ao professor Nélio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP, que durante quatro anos foi do Conselho Nacional de Educação. Mas, para se entender melhor o debate e lhe dar alguns pontos de referência, é preciso dizer que o último exame do Enem indica que se saem melhor os alunos de escolas  particulares e das federais. Os cursos técnicos e profissionalizantes classificam melhor os alunos. Em São Paulo, as 20 melhores escolas públicas estão nessa categoria.

Foto crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom
Alunos do ensino médio: Enem mostra que investir em escolas técnicas pode dar ótimos resultados

A forma de ingresso na escola de ensino médio também pode influir no desempenho do aluno, conforme observou a diretora da Faculdade de Educação da USP, Sonia Penin. Ela disse que a Escola de Aplicação, ligada à sua unidade, participa do Enem e desta vez teve o melhor desempenho das escolas públicas regulares da cidade de São Paulo, mas não foi a melhor das escolas de aplicação do Brasil. Isso poderia se explicar, segundo ela, pela forma de ingresso. Na USP só se entra por sorteio, enquanto em escolas de aplicação de universidades federais, especialmente, exige-se do candidato que se submeta a provas. Por esse método, há disputa e entram os candidatos mais bem preparados, o que se reflete no Enem.

Três fases – De acordo com o professor Nélio Bizzo, o Enem já passou por três fases. Começou em 1998, num contexto que gerou muita expectativa positiva, tendo sido considerado instrumento que iria aferir aquilo que o aluno tinha realmente desenvolvido na educação básica. Nesse sentido, o exame mostrou-se instrumento criativo e sinalizou de forma interessante o que é a educação básica: ou seja, o ensino médio não é apenas um corredor entre o ensino fundamental e a educação superior. Nela é preciso desenvolver coisas importantes e o Enem se propôs a ajudar nisso.

Em seguida, observa, houve uma mudança. Em 2000, o Enem foi apresentado como alternativa ao vestibular, sendo considerado instrumento capaz de ajudar o aluno da escola pública a acessar a universidade. Esse aluno iria enfrentar um exame que não dava importância a particularidades, à memorização e aos vícios dos cursinhos. Nessa fase também gerou expectativa positiva, não conseguindo, porém, realizá-la. Se forem comparados os resultados de classificação da Fuvest e do Enem daquela época, o professor garante que a diferença será mínima. O aluno da escola pública ganhou muito pouco.

Foto créditos: Francisco Emolo e Jorge Maruta
Guimarães, presidente da Capes, e Bizzo, da USP: um caminho a seguir

No início de 2003 Bizzo coloca a terceira fase. O Enem estava em crise, dizia-se até que seria o último, mas não foi, porque apareceu o Pro-Uni, que lhe deu novo sentido. A crítica corrente de que o Pro-Uni se vale basicamente da renúncia fiscal é contestada, pois ele se sustenta também da isenção institucional concedida a empresas que tenham o certificado do Conselho Nacional de Assistência Social. Desse modo, o governo trocou a isenção fiscal por um porcentual de vagas nas faculdades. Segundo o professor da USP, isso se aplica a 85% das vagas do Pro-Uni. “Daí porque”, disse, “sou 85% a favor do Pro-Uni e 15% contra.”

Uma particularidade que considera importante observar: se a seleção dos alunos ficasse na mão das empresas, haveria um grande problema, e pergunta: quem garantiria que o aluno não poderia comprar a vaga do Pro-Uni? Por isso, o instrumento definidor de candidatos às vagas do Pro-Uni não são as empresas, mas  a nota do Enem. Foi assim que esse exame adquiriu novo sentido. Bizzo lembra que ele mesmo foi crítico rigoroso do Enem, mas agora o considera meio útil para a seleção de alunos do Pro-uni. Mantém, no entanto, a opinião de que como indicador de qualidade do ensino médio não funciona bem. Lembra ainda que o Pro-Uni gerou expectativa tão forte que desestruturou o próprio Enem, que alcançou 3 milhões de provas, baixando depois para cerca de 1 milhão.

Este ano forma-se a primeira turma dos “filhos do Pro-Uni”. Serão 60 mil se profissionalizando ao mesmo tempo, “muita coisa para um governo conseguir a custo zero”, observa Bizzo, que analisa assim a evolução do ensino brasileiro: houve antes um desregramento total da educação superior. Vendeu-se a idéia de que a expansão deveria ser rápida, sem burocracia, porque haveria controle não de entrada, mas de saída. Os cursos ruins não seriam reconhecidos e os diplomas dos cursos ruins não seriam emitidos. Mentira, pois até do ponto de vista legal tais atos seriam condenados. Aluno que estuda de boa-fé em escola ruim não pode ter negado o diploma ao final do curso. “O que existe hoje de importante”, segundo Bizzo, “ é uma diretriz muito clara sobre que caminho seguir. O governo está redefinindo o papel do interesse público e a importância da educação. Estabelecidas as metas, fornece os meios, delega atribuições  aos sistemas de ensino e os governos locais que decidam sobre as estratégias a adotar. Não é mais a lógica segundo a qual existem algumas pessoas com conhecimentos extraordinários às quais cabe o papel de melhorar a educação. Pelo contrário, é o país inteiro que busca soluções.”

"Eu sou um grande fã do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica", disse Bizzo, para quem o Ideb é a melhor idéia surgida na educação brasileira nos tempos modernos. O índice faz parte do PAC  e compatibiliza desempenho escolar com inclusão social.

 

Para as ciências humanas

Foto crédito: Francisco Emolo
Janine: aquisição garante acesso permanente às obras

O diretor de Avaliação da Capes, professor Renato Janine Ribeiro, disse ser importante observar que, no caso do acervo de publicações da área de humanas do banco de dados da JSTOR Coleção Artes e Ciências, está havendo aquisição, não simples assinatura. Isso garante que, aconteça o que acontecer, o acesso ao serviço pela comunidade científica está garantido para sempre. Trata-se de periódicos da era pré-digital, que foram digitalizados e disponibilizados para todo o Brasil. Na verdade, esclareceu o diretor de Avaliação, as três universidades estaduais paulistas, USP, Unesp e Unicamp, já haviam adquirido aquele material de pesquisa da organização sem fins lucrativos norte-americana. Mesmo assim, a Capes lhes franqueou o acesso à sua coleção, ficando elas isentas das taxas anuais de  manutenção. A Capes assume a despesa.

Ainda segundo Janine, o lançamento da coleção, que custou US$ 700 mil, se fez na USP com sentido simbólico; primeiro, porque já existia parceria com a empresa americana nessa área; depois, porque a coleção agora adquirida constitui poderoso instrumento de trabalho nas ciências humanas, que experimenta maior produção na USP.

Nos 174 títulos disponíveis no acervo do Portal de Periódicos Capes, a JSTOR abrange 15 disciplinas com publicações voltadas para economia, história, ciências políticas e sociologia, sem esquecer temas sobre ecologia, matemática e estatística.

A JSTOR foi criada nos anos 90 e conta com 1 milhão de acessos ao ano por parte de 4 mil instituições de ensino e pesquisa de todo o mundo, de acordo com informação do presidente da organização, Bruce Heterick, presente na sala do Conselho Universitário, no dia 7. Na mesma solenidade, o presidente da Capes, Jorge Guimarães, informou que outros bancos de dados devem ser adquiridos.

 
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