O significado da palavra é a resposta para o evento organizado pelos poetas Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, e Frederico Barbosa, também diretor da Casa das Rosas. Esse estranho título foi criado para homenagear a poesia concreta, movimento poético que surgiu no Brasil na década de 50, e seus

mentores: Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari. Aureamusarondinaalúvia é uma palavra-valise, termo cunhado por Lewis Carroll em Alice Através do Espelho, extraída do poema Ciropédia ou A Educação do Príncipe, escrito por Haroldo de Campos. Uma palavra-valise é composta por várias palavras aglutinadas, no caso, áurea, musa, ondina e lúvea, “provavelmente um neologismo formado a partir de Livia, nome de uma personagem de Finnegans Wake, de (James) Joyce, e também de chuva em espanhol, que se escreve lluvia”, explica Claudio Daniel.

Realizado concomitantemente na USP e na Casa das Rosas, o organizador enfatiza que este é o primeiro projeto sobre o concretismo

feito na Universidade. O objetivo do programa é recuperar o que foi feito por esses poetas, que “levaram a poesia a tal ponto de sofisticação que fica difícil prosseguir a partir daí”, conta Barbosa. “Vamos voltar ao século 19, pois fica mais fácil continuar”. O diretor aponta que mesmo no meio acadêmico havia grande preconceito em relação ao concretismo. “A poesia concreta sempre dividiu e os concretistas eram extremamente criticados”, conta. Os estudiosos da época diziam “que a poesia concreta era só uma repetição de sílabas e não fazia sentido”. Acusados de emparedarem toda uma geração e qualificados como “malucos”, foram ignorados pela crítica literária como se não existissem.

Apesar da polêmica, os concretistas recuperaram a obra de importantes escritores brasileiros e traduziram pela primeira vez no país uma série de autores estrangeiros. Oswald de Andrade, então “considerado um piadista sem graça”, como fala Barbosa, voltou a ser respeitado pelo trabalho dos concretistas, assim como Gregório de Matos e Sousândrade. Da literatura estrangeira trouxeram nomes como Ezra Pound, Edward Eastlin Cummings, Stéphane Mallarmé e James Joyce, além de Charles Sanders Peirce e seus estudos de semiótica. Segundo Daniel, “foi a primeira vanguarda estética nascida no Brasil e que teve repercussão em outros países, como Canadá, Japão, Portugal, México e Escócia”.

O concretismo surgiu com algumas propostas importantes sobre a poesia. “A idéia básica da poesia concreta é o verbivocovisual, que une som à idéia e imagem”, diz Daniel. Barbosa conta ainda que foram poetas como Augusto, Haroldo e Décio que “nos fizeram olhar para o verso de uma maneira diferente... Toda palavra que você colocar num poema, ao escrevê-lo, tem que ser consciente de sua expressão e plástica, da possibilidade de utilização dessa palavra de uma outra maneira na frase”. O poema Cidade/City/Cité, de Augusto de Campos, é um exemplo do que diz Barbosa. Grande número de pessoas pode não entender a seqüência “Atrocaducapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubri-
mendimultiplicorganiperiodiplastipublirapareciprorustisaga-
simplitenaveloveravivaunivoracidade”. O diretor explica que basta encaixar a palavra cidade, city ou cité após os “pedaços de palavras” do texto (como atro-cidade, atro-city e atro-cité) e a leitura adquire sentido. “É o único poema trilíngüe que conheço e diz muita coisa sobre a cidade, como sua confusão e fragmentação”, informa.

Ao mesmo tempo em que o concretismo abre novas possibilidades, também “abriu a responsabilidade, ou seja, de que não se podia escrever ingenuamente”, diz Barbosa. É preciso encontrar “a palavra mais precisa, mais exata, mais perfeita para uma determinada circunstância e não pensar a literatura simplesmente como um aflorar de emoções, mas como uma máquina que compõe, que comove”. Daniel afirma que, por esse motivo, sua geração de poetas passa a ler e estudar poesia de uma forma mais rigorosa e trata o poema como “uma construção de linguagem”.

Programação – Segundo o princípio do verbivocovisual, o recital de abertura “Som Cor Som”, promovido nesta terça, às 19h30, será oralizado, “seja através da recitação, do canto, do canto-falado ou da performance”, diz Daniel, completando que “trata-se de reforçar a sonoridade do poema”. A leitura dos poemas de Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari será feita por nomes como Yung Jung Im, Lenora de Barros, Mônica Rodrigues da Costa, Michel Sleiman, Elson Fróes, Marcelo Tápia e Lúcio Agra, além do próprio Daniel e Barbosa. Também será inaugurada uma exposição de livros de poetas concretistas e revistas que veiculavam sua produção, como Código e Noigrandes.

Na quarta, às 14h, o professor de russo do Departamento de Letras Orientais da Universidade Boris Schnaiderman vai discutir o poema concreto e falar de seu contato pessoal com Haroldo de Campos na palestra “Re-Visão da Poesia Concreta”. E na quinta, no mesmo horário, Antônio Vicente Pietroforte, docente do Departamento de Lingüística, e Roberto Zular, de Teoria Literária e Literatura Comparada, ambos da USP, abordam “A Poesia Concreta e a Crítica Literária”. Daniel explica que “a idéia é justamente discutir a relação da poesia concreta com as várias modalidades de críticas que existem. Muitas delas favorecem uma leitura sociológica e psicológica, e deixam de lado a discussão estética, a questão da forma do poema”. O poeta diz ainda que o concretismo inaugura uma nova modalidade de crítica, chamada por Haroldo de Campos de sincrônica e que estava voltada ao “estudo do poema e sua materialidade como objeto lingüístico”.

Encerrando a programação, acontece o show “Cor Som Cor”, na sexta, às 19h30. O cantor e compositor paulistano Edvaldo Santana mostra o repertório de canções com poemas concretos musicados, como O Lance de Dados, música desenvolvida a partir de uma poesia de Guillaume de Poictiers traduzida por Augusto de Campos e a coletânea do álbum Matéria Prima, da década de 70. Ainda neste dia serão projetados os vídeos Poetas de Campos e Espaços e Galáxia Haroldo, no espaço da exposição de livros e revistas concretistas.

Barbosa afirma que “não há nenhuma área em que as pessoas tenham se notabilizado tanto no exterior”. Augusto de Campos já fazia poemas coloridos muito antes da popularização do computador, assim como textos em movimento e projeções de poemas em paredes. “A tecnologia foi alcançando o Augusto”, diz. Além de trazerem novos autores estrangeiros para o Brasil, recuperaram célebres escritores da literatura nacional e deram um novo sentido à poética. Foi com os concretistas que a poesia saiu do livro.

“Aureamusarondinaalúvia – Um Tributo à Poesia Concreta” é um evento gratuito. A abertura e o encerramento acontecem na Casa das Rosas (av. Paulista, 37) e os debates serão realizados no Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (av. Prof. Luciano Gualberto, 403, Cidade Universitária). Mais informações pelo tel. 3285-6986.

 
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