O estado de São Paulo possui uma situação clara de estresse hídrico e ameaça à conservação da biodiversidade. A principal causa é a escassa cobertura vegetal, já que apenas 13,9% das florestas originais no estado estão conservadas, além do aumento da atividade agrícola. Esta, por sua vez, provoca erosão e sedimentação do solo, produzindo a

Foto crédito: Cecília Bastos

chamada poluição difusa, que desequilibra ainda mais a oferta de água em rios, riachos e lagos. Para conservar a biodiversidade e promover o equilíbrio do ciclo hidrológico, o mais recente relatório do Programa Biota-Fapesp traz como recomendação prioritária a recuperação de pelo menos 20% da cobertura vegetal do estado. Nesse sentido, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA) vem empreendendo uma série de ações coordenadas que, pela primeira vez, apontam para uma mudança de paradigma nas práticas de conservação e recuperação ambiental.

O órgão convidou os 648 detentores de áreas rurais classificadas no estado como grandes propriedades – as que possuem acima de 2 mil hectares – para apresentar até 30 de abril um cadastro com informações sobre a situação da vegetação e a presença ou não de corpos d’água. Com isso, a intenção da secretaria é iniciar um plano de recuperação de matas ciliares realizado com

os produtores rurais. Para as posses rurais com área entre 500 e 2 mil hectares, o prazo se encerra em 30 de setembro deste ano. As propriedades menores, com área entre 200 e 500 hectares, terão até 30 de setembro do próximo ano para a entrega do documento.

“Até agora, a adesão tem sido grande. Quase 80% dos grandes proprietários já protocolaram seus planos de ação para recuperar áreas de mata ripária. Nesse grupo, é grande o número de usineiros e eles têm se mostrado bastante proativos, no sentido de aderir aos planos de recuperação, talvez até pelas pressões sociais e internacionais em relação às questões de ambiente”, afirma Helena Carrascosa, da SMA.

Atualmente, o déficit de matas ciliares no estado é estimado em 1,7 milhão de hectares. A meta da secretaria é recuperar essas áreas degradadas num prazo de 25 anos, o que resultaria numa cobertura nativa da ordem de 5,1 milhões de hectares, ou os 20% recomendados pelo Biota. As recomendações do Biota foram divulgadas pelo Jornal da  USP no ano passado (“Cientistas e governo, juntos pela vida”, edição 813, de 22 a 28 de outubro de 2007).

Academia – Também por iniciativa da secretaria, pesquisadores da USP foram procurados para integrar o programa de recuperação de matas ciliares. As discussões para a proposta de trabalho, iniciadas há cerca de seis meses, resultaram num projeto que acaba de receber financiamento dentro da linha de Projetos de Políticas Públicas da Fapesp.

Coordenada pelo professor Paulo Kageyama, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, especialista em biodiversidade, a pesquisa contará com estudiosos das áreas de hidrologia, economia e solos, todos da Esalq. São eles: professores Walter de Paula Lima e Miguel Cooper, do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas, Flávio Gândara, do Departamento de Ciências Biológicas, e Paulo Eduardo Moruzzi Marques, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia.

Foto crédito: Marcelo BatistaO projeto, intitulado “Bases ecológicas e sociológicas para a construção e aprimoramento de políticas públicas voltadas à restauração de matas ciliares no estado de São Paulo”, contará com recursos de R$ 160 mil para a etapa inicial, em que os pesquisadores têm até seis meses para estabelecer um plano de ação.

“A conservação de água não depende só de mata ciliar, mas dos diversos usos da terra nos demais terrenos da paisagem. Portanto, o entendimento do grupo de pesquisa é de que são necessárias ações integradas voltadas à sustentabilidade”, afirma o professor Lima, especialista em hidrologia florestal. “O projeto foi pensado dentro dessa lógica e prevê ações para o melhor uso da terra, para a conservação do solo, biodiversidade e constituição de corredores ecológicos, além da recuperação de matas ciliares e cabeceiras de drenagem.”

Segundo o coordenador do projeto, o conhecimento acumulado na área de biodiversidade permitirá uma recuperação ripária com muitas espécies florestais. “Trabalhamos com recuperação de matas ciliares desde 1988. Desenvolvemos uma tecnologia que nos permite combinar adequadamente, segundo a sucessão natural ecológica, uma alta diversidade de espécies”, afirma Kageyama.

O professor Moruzzi incluiu na pesquisa o conceito de multifuncionalidade da agricultura. “Trata-se de uma visão crítica que vê outras perspectivas à agricultura além da exclusivamente produtivista. Entre elas, a de equilíbrio territorial, de coesão social e até de preservação ambiental. Acredito que a discussão desses conceitos qualifica o diálogo com os produtores rurais, trazendo maior eficácia ao projeto”, afirma.

Segundo Helena Carrascosa, da SMA, o critério para priorização de áreas a serem recuperadas considera basicamente o mapa de conectividade do projeto Biota e a importância da área para a produção de água. “A idéia é definir em cada bacia onde os trabalhos devem começar. Já fizemos essa discussão no Comitê de Bacia dos rios Aguapeí e Peixe. Os métodos de recuperação variam de acordo com as características das áreas, em especial no que se refere ao potencial de regeneração natural”, afirma.

Serviços da natureza – Dentro do escopo de um extenso projeto de recuperação de matas ciliares, que vem sendo financiado pelo Global Environment Facility através do Banco Mundial, a SMA implementou no ano passado uma experiência piloto de pagamento por serviços ambientais (PSA).

Trata-se de um mecanismo inovador de gestão dos recursos naturais, que prevê uma remuneração ao produtor rural pelos benefícios que ele gera à sociedade através da conservação e restauração dos serviços ambientais no âmbito de sua propriedade. Serviço ambiental é a capacidade da natureza de prover bens como alimentos, remédios naturais, fibras e combustíveis, e de promover o controle do clima, purificação da água e manutenção da fertilidade dos solos e dos ciclos dos nutrientes. Tais serviços também correspondem ao fluxo de materiais, energia e informação dos estoques de capital natural, combinados com os serviços e capitais industriais e humanos, para a produção do bem-estar da humanidade.

O projeto piloto da SMA vem sendo testado na sub-bacia do Cantareira, englobando as microbacias dos Ribeirões do Moinho, Cancã e das Posses (MG). Assim, o produtor integrado ao programa e que aderir a práticas adequadas de manejo do solo e recuperação e conservação das matas ciliares e nativas será remunerado de acordo com os benefícios gerados ao ambiente.

“Trata-se de um novo paradigma, segundo o qual o produtor rural passa a ser um parceiro do estado na recuperação e conservação ambientais. O mais complicado não é a adesão desses parceiros, e sim adequar a legislação e criar um mecanismo simples e eficiente para remuneração dos produtores. Além disso, as metodologias para valorar os serviços ambientais são um saber em construção”, diz Helena.

O projeto piloto da SMA é parte do Programa Produtor de Água, desenvolvido no âmbito da Agência Nacional de Águas (ANA), em parceria com a The Nature Conservancy, além de prefeituras e microbacias. O Produtor de Água foi concebido como um programa de aplicação voluntária, flexível com relação às práticas e manejos propostos, descentralizado, e que visa ao controle da poluição difusa em mananciais estratégicos.

“Uma das estratégias do programa pressupõe que o produtor rural tenha de fazer algo para ter direito ao pagamento. É preciso executar alguma coisa que normalmente não seria realizada, o que implica no princípio da adicionalidade. Assim, o pagamento é vinculado a uma ação do produtor e será proporcional ao benefício que essa ação trará ao ambiente”, explica Henrique Marinho Leite Chaves, criador da metodologia do Produtor de Água.

 
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