É um espaço que sai do corredor do prédio apertado do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, na Cidade Universitária. Uma galeria de apenas 48 metros quadrados, mas que é uma janela para infinitas paisagens. A proposta dessa aventura já pontuada por 45 exposições de fotografias é uma lição do

professor Antonio Carlos D’Ávila (1955-1997), conhecido como fotógrafo-viajante pelas expedições que realizou pelo Brasil, Peru, Argentina, Chile e Bolívia.

A partir desta semana, o Espaço D’Ávila abre a programação comemorativa de seus dez anos de atividades. Cruza os mares com a exposição “Spanish Caravan”, de Joel La Laina Sene. Através de 50 imagens de Portugal, Espanha e França, ele conta a sua história e também a do amigo D’Ávila.

Muitas fotos foram feitas em 1998, quando Sene recebeu a incumbência de levar a última exposição de D’Ávila a Monsaraz, uma região longínqua do Alentejo, entre Portugal e Espanha. “Ele tinha se comprometido a apresentar essa mostra, ‘Fotógrafo Viajante-Amazônia’, que foi sua tese de doutorado. Mas faleceu, e pela nossa amizade resolvi cumprir esse compromisso. Foi uma viagem difícil e penosa porque estava sem o timoneiro”, conta Sene. “Eu me sentia triste e ao mesmo tempo obrigado a representar os

Joel de la Laina Sene e uma de suas 50 imagens expostas na ECA, feitas em Portugal, Espanha e França: "O que me atrai nas ruas é a luz da lua, do sol, da cidade"

olhos de alguém que havia criado as condições para mais aquela viagem, e por um percalço da vida não estaria mais fisicamente presente.”

Sene retribuiu fotografando com os mesmos sonhos do viajante obstinado. E, talvez, sob a mesma luz de D’Ávila. “Nós fundamos a Barca Filmes e fizemos vários curtas. Criamos nossos filhos juntos, fizemos algumas viagens memoráveis. Ele gostava mesmo é de estar em lugares inóspitos como a Antártida e a Amazônia.”

Uma história visual – Joel La Laina Sene, professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA, fotografa com a sensibilidade e criatividade de cineasta. As imagens feitas com câmeras analógicas – Nikon F2 e Nikkomat, ambas com mais de 30 anos – têm sempre uma história para contar. “Há seqüências em que ensaiei uma espécie de ponte narrativa entre a fotografia estática e a cinematografia. Assim é a panorâmica do Parque Guell, Barcelona. Ou o composite em plano e contraplano do embarque no aeroporto Charles de Gaulle, Paris”, explica.  

Sene diz que fotografa com o olho esquerdo no peixe e o direito no gato. A sua preocupação não é o momento decisivo de Cartier Bresson, embora tenha fotos nesse estilo. Prefere o movimento, a impressão de uma história que continua. “O que me atrai nas ruas é a luz da lua, do sol, da cidade. Também gosto dos espaços naturais, como a várzea do rio, as atmosferas do mar e do céu e, principalmente, entre as pessoas.”

As imagens expressam o tempo que vai passando. Sene fotografa sem pressa. É a moça que observa a altivez da estátua, que se curva para colocar uma moeda, a estátua que vai se movimentando. A moça que fica feliz e vai embora. O fotógrafo registra as cenas atento à expressão dos personagens. “Na seqüência das imagens procuro articular um diálogo.” Sene edita as fotos, faz os cortes como se estivesse montando um filme, reconstrói outros tempos e espaços, sugerindo uma narrativa. Ao se deparar com as imagens do aeroporto Charles de Gaulle, o espectador, por exemplo, tem a impressão de um cenário na composição das imagens. O viajante chega, vê o céu no teto. A sensação é de chegar no mundo.

Como num filme, o olhar mergulha na paisagem em movimento. Muitas imagens oferecem uma visão de 360 graus. Com essa percepção, o cineasta se define como um fotógrafo-cronista.  “A crônica tem muitas semelhanças com a fotografia. O autor está sempre na história. E o fotógrafo, assim como o cronista, tem uma história para contar e apresentar. Não é uma história de verdades, mas sim uma espécie de devaneio, de ilusão propiciada pelas fotos, umas ao lado das outras ou umas dentro das outras.”

A mostra “Spanish Caravan” é inspirada na trilha do mesmo nome. “Carry me caravan take me away. Take me to Portugal, take me to Spain, Andalusia with fields full of grain.”  O fotógrafo lembra o final dos anos 60: “Jim Morrison nos embalava nas viagens sonoras rumo às origens do nosso instinto navegador. Havia um oceano para cruzar e a imensa vontade de explorar as fronteiras”.

 
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