Orar, lavrar a terra, fazer arte. Com esses preceitos, a comunidade Yuba criou, em 1935, um espaço que simboliza os sonhos, as lutas e as dificuldades da trajetória da imigração japonesa no Brasil. Um espaço que vem sendo arado de sol a sol por quatro gerações. Fica localizado em Mirandópolis, a 600 quilômetros da capital. É uma fazenda de

Foto crédito: Lucille Kanzawa

35 alqueires, onde a comunidade integrada por isseis, nisseis, sanseis e yonseis (japoneses, filhos, netos, bisnetos dos imigrantes) amanhece na lavoura.

Yuba tem se destacado na agricultura do país, no plantio de goiaba, e já foi considerada um dos maiores granjeiros da América do Sul. Os lavradores são, em sua maioria, de nível universitário. Advogados, dentistas, médicos, engenheiros, agrônomos. Gente que divide o tempo aprendendo e ensinando. Quando anoitece, os lavradores se transformam em artistas. Tocam instrumentos diversos. Vão para o palco – um grande tablado num teatro feito de madeira – e, sob a orientação da coreógrafa Akiko Ohara, ensaiam danças típicas não só do Japão como de outros países. O balé da Yuba já percorreu o mundo e se destaca pelos movimentos sinuosos que conseguem transmitir o aroma da terra.

Importante lembrar que os artistas plásticos da Yuba estão nas coleções de diversos museus da cidade. Entre eles destaca-se Hisao Ohara, escultor que tem obras no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da

USP. “Ele trabalhava sob a sombra de uma grevilha, bodaijyo, e quando ele faleceu, em 1989, a árvore morreu também”, conta Satiko Yuba, relações-pública da comunidade.

É essa realidade que Lucille Kansawa apresenta na exposição “Yuba: um sonho, uma vida, uma história”, na Pinacoteca do Estado. Através de 40 fotografias, ela registra o cotidiano da comunidade. Cenas de um casamento, do cultivo da terra, das crianças brincando... Um trabalho sob a curadoria sensível e experiente de Diógenes Moura. “As fotografias de Lucille são imagens para o não-esquecimento. Passeiam por esse universo com a leveza de um gesto butô”, diz Moura. “Vê crianças das gerações seguintes cuidadas para não perderem a sua memória ancestral. Vê mulheres e homens no cultivo da terra no sempre desafio que a fotografia propõe: o limite entre a verdade e a beleza. Vê na série de retratos os traços que os unem e perpassam a linha do tempo.”

Lucille Kanzawa nasceu em Mirandópolis. Começou a freqüentar esse universo aos 17 anos junto com seu pai, o médico Yoshito, que durante muitos anos prestava assistência para a comunidade. “Com um olhar íntimo na vida cotidiana dos yubas, as imagens percorrem os dias e as noites na comunidade”, observa o curador. “O trabalho nas suas várias expressões, o gestual dos músculos sob o sol, o entardecer e as noites, quando, reunidos, seus habitantes se entregam aos anseios da arte. As fotos nos mostram o homem diante da natureza do mundo e diante da sua própria natureza.”

“Yuba: um sonho, uma vida, uma história” está sendo apresentada no café da Pinacoteca. Um espaço que é uma extensão do mundo que as imagens propiciam. O visitante faz uma pausa e se transporta para um espaço sagrado proposto pela terra, pelo céu, pela beleza da gente que trabalha o sonho da natureza e da arte. Importante lembrar que a pausa para as refeições é um momento muito importante para os yubas. Homens, mulheres e crianças se reúnem em um grande salão para orar e se alimentar. Enquanto tomam café, almoçam ou jantam, meninos e meninas tocam Mozart, Bach, Chopin, Villa-Lobos ou Jobim ao piano.

Artista: Utagawa HiroshigeAs vistas do Monte Fuji – Contemplar a paisagem. É esse momento sublime do artista que a mostra “As 36 vistas do Monte Fuji”, também na Pinacoteca do Estado, sugere. São gravuras produzidas pelo pintor e gravador Utagawa Hiroshige (1797-1858), considerado o último grande mestre de ukiyo-e. As obras pertencem ao acervo do Museu de Ukiyo-e do Japão, na cidade de Matsumoto.

Ukiyo-e são gravuras coloridas feitas com técnica de xilogravura à base de água. Daí a fluidez, os tons claros que sugerem o significado da palavra ukiyo-e (“personagens do mundo flutuante” ou “a vida que passa”, em japonês). As gravuras de Hiroshige registram o cotidiano das pessoas que têm ao fundo o Monte Fuji como símbolo de sabedoria, de eternidade. Todos parecem vagar no espaço. Estão em transição, sob o olhar do majestoso Monte Fuji.

A técnica do ukiyo-e foi criada no início do período Edo (1603-1868) e sua evolução estética teve pelo menos três fases importantes: na primeira, a utilização de tinta preta era exclusiva, a segunda privilegiava temas como as cortesãs e os atores de kabuki e a terceira é quando as paisagens ganham espaço. O desenho é talhado e pintado em blocos de madeira e, depois, passado para o papel. Em sua última fase, essa técnica alcançou o seu maior nível de aprimoramento, ganhando riqueza nos traços e equilíbrio na combinação das cores.

Laços do Olhar – O Instituto Tomie Ohtake apresenta a mostra “Laços do Olhar”,com a curadoria de Paulo Herkenhoff. Reúne cerca de 350 trabalhos, entre pinturas, gravuras, desenhos, esculturas, vídeos, instalação, fotografias, cerâmicas e documentos, que estabelecem os vínculos entre o Brasil e o Japão. “Esta mostra é uma constelação de núcleos sobre encontros e o reconhecimento do Japão pelo Brasil e a integração dos artistas japoneses no ambiente cultural do país. É uma mostra-pesquisa, mais que contemplação”, explica  Herkenhoff. “Os laços se espraiam por todas as regiões: São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Brasília, Bahia e Pará. No século 19, a Biblioteca Nacional e a coleção de d. Pedro II foram nossos repositórios de informação sobre o Japão. O japonismo inspira a prática modernizadora do design de Eliseu Visconti e da obra de Carlos Oswald.”

Foto crédito: Cecília Bastos
As várias nuances de uma cultura milenar: o Japão exposto em telas e rostos

“Laços do Olhar”, segundo o curador, projeta as relações entre Brasil e o Japão desde o século 19. Apresenta uma foto de Christiano Jr. documentando japoneses no Rio de Janeiro. “Nossos laços remontam ao século 16: os portugueses chegam ao Japão e colonizam o Brasil. Esse alicerce deixa vestígios até hoje. O posterior isolamento do Japão se rompeu em meados do século 19. A partir da imigração, em 1908, o encontro simbólico levou ao processo antropofágico: a permeabilidade da cultura brasileira absorve as contribuições do Japão.”

Herkenhoff estabelece, como propõe o nome da mostra, laços sublimes entre a cultura brasileira e japonesa. “Os modernistas paulistas olham o Japão como diferença. Nas telas O japonês e A japonesa, Malfatti não lhes reconhece um nome. Em contrapartida, os imigrantes pintam auto-retratos. É o modo de terem rosto e nome. Takaoka é quem integra a pintura japonesa no sistema de arte: expõe na primeira galeria de arte moderna do país, no Palace Hotel, no Rio de Janeiro, em 1936”, observa. “Surge a sociedade Seibi para fomentar a participação dos imigrantes nas ações artísticas. Sucessivas gerações praticam o sudô, a cerâmica e outras formas tradicionais da arte nipônica. Surge o sincretismo: a onça vira tigre; o candomblé e o xintoísmo se fundem; a colombina vira gueixa no carnaval; o sumô é luta do caboclo amazônico, Mori vê a pintura holandesa barroca, o sumiê de Massao Okinaka representa a selva, o hibridismo brasileiro se reúne na multidão de Nelson Leirner.”

A cultura japonesa no pós-guerra aporta no Brasil, segundo o curador, com o traço singular do zen e da caligrafia ideogramática. Gesto presente na arte de Mabe, Shiró, Ohtake, Sachiko, Schendel, Amilcar e Maiolino. “Um perfeito parâmetro na emergência da abstração e da poesia concreta. São Paulo é o grande laboratório desses encontros. Brasileiros viajam ao Japão a estudo: o crítico Mário Pedrosa, o poeta Haroldo de Campos e o pintor Duke Lee. Pedro Xisto, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Leminsky e Oiticica criam outras dicções nipo-brasileiras. O Japão lega uma poética à literatura e à arte do Brasil. O refinado erotismo tradicional japonês (do shunga a Araki) fascina gerações de brasileiros (Duke Lee, Rio Branco e Varejão). Malta, Bippus, Verger, Takayama, Bisilliat (o bairro da Liberdade, paulistano-japonês), Yoshida, Geraldo de Barros, Chikaoka e Elza Lima constroem laços fotográficos”, observa. “Entre os países, faz-se o trânsito de arquitetura: o Pavilhão Japonês na Exposição Internacional do Rio de Janeiro de 1922, os pavilhões projetados por Paulo Mendes da Rocha e Ruy Ohtake para as exposições internacionais de Osaka (1969 e 1990). O fascínio brasileiro contemporâneo pelo Japão passa por sushis, judô, cinema, zen, mangás, Japop, moda, desenho animado, tatuagem, origami (do Bicho de Clark a Wakabayashi), design, cosplayers, tatame, grafite. Não existe Brasil sem Japão. Isso é parte do tesouro cultural brasileiro.”

Liberdade – O Museu da Casa Brasileira apresenta a mostra “Viagem à Liberdade: em busca da alma japonesa de um bairro” e lança nesta terça, dia 27, livro homônimo, com imagens do cotidiano do bairro paulistano feitas pelo fotógrafo Marcio Scavone, projeto realizado com o patrocínio da Mitsubishi Motors. “Transformo o bairro oriental de São Paulo numa metáfora da busca pela familiaridade numa terra estranha”, diz Scavone. “Até mesmo os personagens do bairro que povoam a exposição e o livro assumem uma atitude atemporal, como se fizessem parte de um álbum de retratos congelado no tempo e no espaço.”

Com a curadoria de Roseli Nakagawa, a  mostra pretende remeter a uma antropologia urbana pelo olhar poético e delicado sobre os espaços tradicionais do bairro. O ensaio de Scavone assinala a passagem do tempo em quarteirões, vielas, corredores, galerias, balcões de bar, templos silenciosos e lojas de objetos eletrônicos.

As mostras “Yuba: um sonho, uma vida, uma história” e “As 36 vistas do Monte Fuji” estão na Pinacoteca do Estado (praça da Luz, 2), de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Ingressos: R$ 4,00 e R$ 2,00. Grátis aos sábados. Informações pelo telefone (11) 3324-1000.

“Laços do olhar” está no Instituto Tomie Ohtake (avenida Faria Lima, 201, Pinheiros, entrada pela rua Coropés) até 10 de agosto, de terça-feira a domingo, das 11h às 20h. Entrada franca. Informações pelo telefone (11) 2245-1900.

“Viagem à Liberdade: em busca da alma japonesa de um bairro” está no Museu da Casa Brasileira (avenida Faria Lima, 2.705, Jardim Paulistano), de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Ingressos: R$ 4,00 e R$ 2,00 (estudantes). Grátis aos domingos. Informações pelo telefone (11) 3032-3727.

 
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