Desenho universal: a idéia não é exatamente nova. O conceito foi criado por uma comissão em Washington, nos Estados Unidos, em 1963, justamente para lembrar vários profissionais sobre a importância de se projetar espaços acessíveis a todos, independentemente de sua faixa etária e limitações físicas. O que se torna imperativo no momento é

discutir como os profissionais da arquitetura, design e construção civil podem tornar os ambientes e produtos acessíveis, bem como projetar e conceber espaços urbanos que atendam à diversidade humana realizando a aspiração máxima desses campos: uma cidade aberta, acessível e democrática.

Na década de 90, um grupo de arquitetos e defensores desses ideais nos Estados Unidos se reuniu para estabelecer critérios e foram criados os sete princípios do desenho universal. Esses conceitos são mundialmente adotados para qualquer planejamento ou obra de acessibilidade. São eles:

1. Equiparação nas possibilidades de uso: o design é útil e comercializável às pessoas com habilidades diferenciadas.

2. Flexibilidade no uso: o design atende a uma ampla gama de indivíduos, preferências e habilidades.

3. Uso simples e intuitivo: o uso do design é de fácil compreensão.

4. Captação da informação: o design comunica eficazmente ao usuário as informações necessárias.

5. Tolerância ao erro: o design minimiza o

risco e as conseqüências adversas de ações involuntárias ou imprevistas.

6. Mínimo esforço físico: o design pode ser utilizado de forma eficiente e confortável.

7. Dimensão e espaço para uso e interação: o design oferece espaços e dimensões apropriadas para interação, alcance, manipulação e uso.

 

Com a publicação do Decreto Federal 5.296/2004, que determina que todos os projetos de edificações públicas ou de uso coletivo sejam acessíveis, o país teve um avanço na área, mas na prática ainda está engatinhando. O Brasil está mais de 20 anos atrasado, pois o desenho universal já está bastante difundido e aplicado na Europa e em países como Japão, Canadá e Estados Unidos.

No Canadá, por exemplo, é possível que qualquer pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida consiga utilizar todos os ônibus, táxis, trens e calçadas. Em todos os locais há banheiros acessíveis. Nos Estados Unidos, mesmo em cidades como São Francisco, com topografia acidentada, há acessibilidade integrada em toda a urbe, seja nos transportes, seja nas edificações de uso público ou coletivo ou ainda nas habitações.

Apesar de São Paulo ser um estado que já apresenta avanços significativos em relação à implantação da acessibilidade, ainda apresenta um número bastante expressivo de barreiras que dificultam o acesso dessas pessoas, que perfazem uma parte muito expressiva da população em geral.

Há muitos anos está consolidada uma arquitetura para um homem-padrão, ou seja, para a média da população. Isso está muito enraizado no próprio Modernismo, com o modulor de Le Corbusier, utilizado para determinar relações dimensionais para elementos na arquitetura, a partir das proporções físicas de um homem idealizado, seguindo o exemplo renascentista de Leonardo da Vinci.

Quem está projetando tem de pensar nas pessoas com necessidades, em gestantes, em idosos e crianças. Por isso, como peça-chave da conscientização de arquitetos e urbanistas, destaca-se a importância do ensino do tema nas universidades, já que problemas de exclusão nas construções e ruas brasileiras não faltam.

Algumas medidas simples e práticas podem tornar a urbe acessível a todos, tais como: rebaixamentos de calçadas nas esquinas para travessia, semáforos sonoros para deficientes visuais, utilização de pisos táteis de alerta em locais que apresentem perigo, instalação de piso tátil direcional em calçadas largas, assim como tem sido feito na reforma da avenida Paulista.

Nas moradias, muitas vezes não é preciso mudar a metragem, mas a distribuição e a adoção de pequenos detalhes, tais como portas com no mínimo 80 centímetros de largura, corredores com largura mínima de 90 centímetros, colocação de tomadas a 40 centímetros do nível do piso, janelas da sala com área de visualização de no máximo 60 centímetros de altura do piso. O planejamento deve incluir, hoje, as necessidades de amanhã.

Essas são questões que muitos proprietários colocam a si próprios no que respeita à construção, renovação ou remodelação da sua propriedade. Uma resposta possível: design universal. Ele representa uma procura especial por design ou projeto do produto que, ao mesmo tempo, pode se transferir para a arquitetura do edifício e espaços, especialmente os de uso público, das cidades.

O objetivo é pensar nas necessidades de amanhã no contexto do planejamento atual. Porque não importa se hoje somos atléticos, flexíveis e estamos em forma. Não estaremos assim para sempre. Pequenos degraus nas portas ou nos chuveiros não incomodam apenas pessoas que, devido à doença ou idade, perderam parte da sua mobilidade. Qualquer outra pessoa estará mais segura sem essa barreira arquitetônica, melhorando o conforto, para não falar do risco de acidentes causados por um possível tropeção.

Infelizmente, na mente de muitas pessoas, o “edifício acessível” não tem uma boa reputação. Alguns profissionais utilizam as normas sem aplicação no contexto da edificação. Por causa da não-absorção do conceito do desenho universal pelos arquitetos e designers, muitas vezes as soluções apresentadas ficam com aparência hospitalar, sem arte e com características específicas para pessoas com deficiência. As soluções arquitetônicas e de design de um produto não devem ser dissociadas do restante dos ambientes. A aplicação do desenho universal resolve essa aparente contradição, desde parâmetros antropométricos adequados a todas as pessoas, inclusive aquelas com deficiência, até a funcionalidade e qualidade estética.

Entre os problemas que dificultam a aplicação do desenho universal nas construções ainda figura o desconhecimento por parte dos profissionais e também a idéia errônea de que um ambiente acessível tem um custo mais elevado. Um projeto concebido de forma adequada às condições de acessibilidade não sai mais caro, mas, se precisar ser adaptado depois de construído, trará mais gastos. Esse é apenas mais um motivo para se pensar no tema já em sua concepção.

Utilizar apenas rampas, ao contrário do que possa parecer, não resolve todos os problemas de acessibilidade. Dependendo do desnível a ser vencido, podem ser úteis para pessoas em cadeiras de rodas, porém podem dificultar, se o desnível for muito grande. Muitas vezes a opção é a utilização de elevadores e plataformas para uso exclusivo por deficientes.

São quatro as possibilidades de movimentação eletromecânica. Elevadores para passageiros, elevadores de uso exclusivo para pessoas com deficiência, plataformas elevatórias de percurso vertical e plataformas elevatórias de percurso inclinado. Nos elevadores as mudanças mais significativas dizem respeito às dimensões e aos comandos.  É necessário o uso de espelhos de fundo, que permitem a visualização da abertura e fechamento de portas, por exemplo. Portas corrediças aumentam o conforto, assim como botões em altura adequada e instruções táteis. Elevadores de uso exclusivo podem vencer desníveis de até 12 metros. As plataformas para percursos verticais podem vencer desníveis de até 4 metros, exigindo, para tanto, caixa totalmente enclausurada. Percursos abertos permitem vencer desníveis de 2 metros em edificações de uso público, desde que haja fechamento contínuo nas laterais até a altura de 1,10 metro. O uso de plataformas de percurso inclinado em escadas é a última das opções, e apenas para adaptação de prédios existentes, pois não possibilita a autonomia e com freqüência impossibilita a utilização simultânea da própria escada.

Outra preocupação para adoção de um local acessível é a escolha dos pisos, sua rugosidade, nivelamento e continuidade. A primeira, por motivos óbvios, pois escorregões são comuns em pessoas com dificuldade de locomoção. Também é importante a regularidade, a fim de evitar trepidações em cadeiras de rodas ou carrinhos de bebês, e o padrão visual usado na pavimentação da superfície, uma vez que algumas estampas causam ilusões óticas que podem confundir e causar sensação de insegurança.

Dentre todas, as principais dificuldades encontradas em uma residência ou prédio comercial é a utilização do banheiro por pessoas com deficiência. Esse local apresenta maior incidência de obstáculos à acessibilidade. Em contrapartida, também é um dos ambientes que contam com grande quantidade de soluções disponíveis, como bacias sanitárias já com medida adequada, metais com comando de alavanca, sensor ou monocomando, dependendo da finalidade de seu uso. Já podemos encontrar barras de apoio e transferência disponíveis facilmente no mercado. Não custa lembrar que é necessária a aplicação das normas de acessibilidade em patrimônios culturais tombados, mesmo exigindo cuidados especiais na adaptação, como as realizadas no Mosteiro de São Bento e na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Em grandes espaços de uso público, como a USP, tem que ser tomado grande cuidado com essas questões, de acordo com a nova legislação. Um caso muito sério, que está sendo estudado no primeiro semestre de 2008 pelos alunos da disciplina Projeto II da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, é o acesso entre a USP e a  estação da CPTM Cidade Universitária, realizado por uma calçada estreita ao longo da ponte sobre o Rio Pinheiros, que obriga os pedestres a cruzar uma alça da Marginal, onde os carros desenvolvem uma velocidade nem sempre atenta às normas de trânsito, em condições totalmente inadequadas sob a ótica da acessibilidade universal. Os alunos da disciplina estudaram a criação de uma ponte, com rampas e elevadores para deficientes físicos, unindo a Universidade e a estação, numa demonstração de que é possível realizar mudanças importantes no desenho da cidade com poucos recursos e ensinar os jovens profissionais a lidar com essas questões desde a faculdade.

Já  o Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo (Nutau) da USP, ligado à Pró-Reitoria de Pesquisa, tem, entre seus pesquisadores, consultores no desenho universal e desenvolve pesquisa aplicada nesse campo para os setores público e privado. O endereço eletrônico do Nutau é www.usp.br/nutau.

Silvana Serafino Cambiaghi é arquiteta, especialista em desenho universal e consultora do Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo (Nutau) da USP

Bruno Roberto Padovano é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e coordenador-científico do Nutau

 

Convite aos docentes

O Jornal da USP convida os professores da Universidade a escrever artigos para esta seção. Os artigos devem versar sobre a especialidade do articulista e trazer um conteúdo de interesse da sociedade em geral. Os textos devem ter até 8.000 caracteres e ser enviados para o e-mail do jornal (jornausp@usp.br)

 
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