Se depender da comissão especial constituída pelo Conselho Universitário para estudar a reforma do Estatuto da Universidade, a USP terá uma administração mais desburocratizada e descentralizada, inclusive com a criação de sub-reitorias; contará com uma carreira docente reestruturada e terá um novo processo para escolha de reitor

Foto crédito: Cecília Bastos

e vice-reitor. De acordo com o presidente da comissão, professor João Grandino Rodas, da Faculdade de Direito, a proposta deve chegar ao Conselho Universitário no mês de setembro. Os eixos do projeto vêm sendo apresentados pela comissão numa série de audiências públicas nas unidades do interior. Os debates com representantes da comunidade acadêmica já foram realizados em Ribeirão Preto (no dia 11 de junho), em Pirassununga (dia 12), em São Carlos (dia 19), em Bauru (dia 23) e em Piracicaba (dia 24). No segundo semestre haverá nova rodada de audiências.

“O Estatuto não é imune, não é pétreo, não é absoluto, mas tem a sua alteração mais dificultada em alguns temas”, disse Rodas no debate realizado na semana passada na Congregação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba. “Optamos por propor a

mudança de alguns tópicos. Não é o ideal, mas é o factível para que possamos avançar neles, e não sonhar com a grande catedral que não poderá ser construída.” Além de Rodas, os membros da comissão que estiveram na audiência, aberta pelo diretor da Esalq, Antonio Roque Dechen, foram os professores Glaucius Oliva (Instituto de Física de São Carlos), Celso de Barros Gomes (Instituto de Geociências), Sergio Vanin (diretor do Museu de Zoologia), José Roberto Parra (Esalq) e Maria Fidela de Lima Navarro, secretária-geral da USP.

Para vários professores presentes ao debate em Piracicaba – onde praticamente não houve participação de estudantes –, foi uma reunião proveitosa, na qual foram discutidos temas de relevância para a definição de linhas-mestras e para o planejamento estratégico do futuro da Universidade. Alguns docentes comentaram que em outros fóruns e colegiados de instâncias administrativas perde-se muito tempo com questões menores, enquanto falta espaço para tratar dos grandes temas.

Carreira – “Enxugar” as pautas da administração central é exatamente um dos focos do primeiro eixo definido pela comissão de reforma do Estatuto. Uma das idéias é que as sub-reitorias (o nome encontra resistências e ainda não está definido) possuam seções dos órgãos centrais, como a Consultoria Jurídica (CJ) e a Coordenadoria do Espaço Físico (Coesf), que tenham atribuições localizadas. O Conselho Universitário também teria uma seção local, que decidiria sobre recursos até certo grau de complexidade. Uma Comissão de Graduação poderia, por exemplo, mudar a emenda de uma disciplina, mas a criação de um novo curso continuaria cabendo ao Conselho.

Crédito foto: Francisco Emolo
Reunião para discutir a reforma do Estatuto da USP, em Piracicaba: defi nição de linhas-mestras e planejamento estratégico

Pela proposta, seriam três sub-reitorias: uma para a capital, incluindo a USP Leste e a Escola de Engenharia de Lorena (EEL), uma para Ribeirão Preto e uma denominada Central Paulista, que reuniria as unidades de Piracicaba, São Carlos, Bauru e Pirassununga. A comissão também defende a redução dos colegiados. Os conselhos departamentais teriam de 15 a 20 membros, enquanto as congregações de unidade teriam de 20 a 40. Esses órgãos devem garantir ainda uma participação mais expressiva de estudantes e servidores técnico-administrativos.

Em relação à carreira docente, a comissão propõe os níveis de professor doutor, professor associado 1, 2 e 3 e professor titular. O professor doutor passaria a associado 1 com a livre-docência. A progressão para associado 2 e 3 seria por tempo e mérito, a partir da titulação e de avaliação da Comissão de Atividades Acadêmicas (CAA) do Conselho Universitário. Uma das novidades é que o associado 1 poderia a qualquer tempo fazer concurso para professor titular. Outra é que o docente poderia assumir o cargo de chefe de departamento a partir do nível de associado 2, e de diretor de unidade a partir de associado 3. Os níveis de mestre 1 e mestre 2 se destinariam a algumas carreiras e situações específicas.

No terceiro grande tema que definiu, a comissão propõe que o reitor seja eleito em chapa com o vice-reitor, com votação em turno único. O colégio eleitoral seria formado pela superposição do Conselho Universitário e congregações das unidades, e deve ter maior participação de estudantes e funcionários.

Oposição – Os membros da comissão salientaram que o debate deve garantir espaço a todos que queiram se fazer ouvir. “Sabemos que a reforma estatutária é um processo difícil, porque vai enfrentar oposição”, disse Celso de Barros Gomes. “Sem discussão, não aprovamos nada. E quem ganha? Ninguém. As mudanças podem vir pelos meios constituídos, não só pela violência”, afirmou João Grandino Rodas. “A reforma do Estatuto depende de um consenso que não se consegue em gabinetes, mas sim através de diálogos abertos e francos com a comunidade universitária”, concordou Glaucius Oliva.

Crédito foto: Francisco EmoloProfessores da Esalq expuseram seus questionamentos e contribuições à comissão. Para Gerd Spavorek, a carreira docente fica mais estimulante, mas é preciso gerar estímulos também para os servidores técnico-administrativos. Para Marcílio de Almeida, há uma concentração do poder de decisão nos departamentos, enquanto as comissões de graduação ficam sub-representadas nos colegiados. Também foi manifestado o receio de que a criação de novas estruturas venha a aumentar custos e trazer ainda mais burocracia. “A idéia é exatamente desinchar, e não inchar”, respondeu José Roberto Parra.

Para Glaucius Oliva, é preciso manter a USP como uma “casa do saber”, sem correr o risco de que ela se transforme em “pequenos laboratórios insulares” ou numa “federação de escolas independentes”. Preservar alguns colegiados interdisciplinares é importante, considera, para que se conserve “o espírito universitário” e para evitar “o corporativismo que pode ocorrer se as decisões ficarem num fórum 100% da própria unidade”.

Audiências – Nas audiências, também foram dirigidas críticas ao processo. Em São Carlos, por exemplo, o aluno Dante Peixoto, diretor do Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira (Caaso), entregou à comissão um manifesto no qual os estudantes defendem a realização de uma assembléia estatuinte “convocada com o fim único de se debater e redigir o novo Estatuto para a USP, atuando com soberania e sendo composta de forma democrática”. Já em Ribeirão Preto, o professor José Marcelino de Rezende Pinto, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCLRP) e diretor regional da Associação dos Docentes da USP (Adusp), defendeu a realização de uma estatuinte própria, independente e paritária (com igual número de representantes de docentes, estudantes e funcionários).

O momento é ideal para parar e refletir sobre como a Universidade deve crescer, defendeu João Grandino Rodas. “Somos financiados pela sociedade. Não podemos dividir o bolo como se ele dissesse respeito só a nós mesmos”, afirmou. A ponderação ecoa o que disse, no debate de Piracicaba, o professor Evaristo Neves, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq, para quem descentralizar é importante porque ajuda na economia de tempo e de recursos. Uma pergunta capital de Neves pode ajudar a nortear o complexo debate sobre reformas a ser enfrentado na USP: “O que é o mais importante para a sociedade paulista, que nos mantém?”.

(Com informações de EDMILSON LUCHESI, de São Carlos, e LUÍS RIBEIRO, de Ribeirão Preto)

As próximas audiências sobre a reforma do Estatuto da USP serão realizadas em agosto: no dia 4, em Lorena; no dia 5, na Cidade Universitária; no dia 6, reunindo a Escola de Enfermagem e as Faculdades de Medicina, de Saúde Pública e de Direito; e no dia 12, na USP Leste. A comissão recebe sugestões e comentários pelo e-mail estatuto@usp.br.

 

Comissão recebeu centenas de sugestões

A atual comissão para estudar a reforma do Estatuto da USP foi eleita no Conselho Universitário em março deste ano e é composta por nove docentes, quatro estudantes e dois servidores técnico-administrativos, ainda não indicados. No debate realizado em Ribeirão Preto, a representante dos funcionários no Conselho do campus local, Regina Leal, afirmou que a categoria decidiu em assembléia não participar da comissão, por não considerar o processo democrático.

No primeiro semestre o grupo solicitou sugestões à comunidade e recebeu mais de 200 contribuições, vindas de 30 unidades. As sugestões foram sistematizadas em quatro blocos temáticos e uma nova consulta a partir deles resultou em outras centenas de colaborações. “Houve de fato oportunidade ampla de ouvir amplos setores da nossa comunidade”, diz o professor Glaucius Oliva.

Como a ampla maioria das sugestões se referia a um número limitado de temas, a comissão centrou neles o seu trabalho. “Esses pontos de mudança fortes são esparsos, por isso trata-se de uma reforma do Estatuto, e não da construção de um Estatuto totalmente novo”, argumenta Oliva.

 
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