A família do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP – o popular Centrinho –, em Bauru, acaba de ganhar seis novos integrantes: Vô Zico, Lilo, Tuca, Tato, Tocha e Rolinho. Juntas, essas personagens infantis formam a Turma do Centrinho. Impressas em histórias em quadrinhos, camisetas, mochilas e demais acessórios, como

chaveiros e pingentes para carro, com ilustrações assinadas pelo designer Napoleon Fujisawa, elas, agora, também são bonecos de pano, graças à artesã bauruense Lúcia Miassaca. “Construir esses bonecos foi muito gratificante porque eles são diferentes e, mais do que brinquedos, serão usados como mensageiros de informações, como a importância de não discriminar as crianças com fissura. O Lilo, por exemplo, tem fissura no lábio e é um menino sabido como todos os outros”, afirma Lúcia. Os personagens foram criados pelo Serviço de Comunicação do Centrinho (Sercom).

Romper barreiras, preconceitos e discriminações contra as pessoas com algum tipo de deficiência – em especial as anomalias craniofaciais e deficiências auditivas – são os objetivos principais dessa iniciativa. Criar identificação com os pacientes, sem estigmatizá-los, é outro

desafio das personagens. “Avaliando a evolução socio-histórica do Centrinho (hospital que completou 41 anos de fundação em junho de 2008), vejo que essas personagens são facilitadoras de um processo de identificação entre os pacientes e são, talvez, o veículo que estava faltando na rotina do hospital”, analisa a psicóloga Fúlvia Veronez, doutoranda do curso de Ciências da Reabilitação do Centrinho.

Na leitura de Fúlvia, a turma demonstra uma vivência em harmonia entre pessoas diferentes. “Há personagens de diferentes idades, um com fissura, outro sem. Tem o irmão, o Tato, que não tem nenhuma deficiência. Essa interação entre perfis diferentes é muito importante”, explica, complementando que é comum a mãe de uma criança fissurada deixar de lado o irmão sem fissura, como se apenas o filho fissurado precisasse de atenção. A identificação também é importante porque, como observa a psicóloga, quando uma criança tem fissura, toda a sua família passa a “ser fissurada”. Afinal, toda a família passa a acompanhar um longo processo reabilitador. 

A figura do Vô Zico, o vozinho amigo, companheiro, que não se cansa de encontrar formas de ensinar seus netos e amigos com brincadeiras divertidas e curiosas, é analisada pela psicóloga como a voz da experiência. “Ele também pode ser visto como uma pessoa experiente, que faz a ponte entre o velho e o novo”, afirma Fúlvia. Isso dá margem a interpretações sobre a própria atuação do Centrinho, que, 41 anos depois da fundação, renova suas ações com foco na prevenção.


A Turma do Centrinho em quadrinhos: personagens estão também em camisetas e mochilas

Contra rótulos – Nacional e internacionalmente conhecido por um trabalho sério e comprometido com o tratamento integral das anomalias craniofaciais, o Centrinho também ganhou fama por ser um hospital carinhoso e humanizado. Nos corredores e consultórios, todos são personificados em “tios” e “tias” e as crianças (e adultos) – mais de 70 mil, ao todo, e cerca de 250 em ambulatório por dia – usufruem de espaços lúdicos para amenizar a ansiedade durante o tratamento. No Serviço de Educação e Terapia Ocupacional, por exemplo, criado ainda na década de 70, os pacientes e seus acompanhantes podem fazer teatro, dançar, brincar com jogos educativos, jogar sinuca, enfim, há um aparato montado especialmente para que eles tenham a auto-estima melhorada e se sintam mais acolhidos, afinal, a maioria vem de bem longe e deixa a cidade de origem em busca de um tratamento reabilitador.

A Turma do Centrinho vem apenas consolidar essa fama, vivenciando histórias do imaginário infantil no contexto do hospital em formas e linguagens diversas. “Com a turminha, por meio de contação de histórias e até de histórias em quadrinhos, poderemos tratar da diversidade, do respeito às diferenças, da importância de cada um ter sua identidade, enfim, de diversos temas que fazem parte do dia-a-dia das crianças”, destaca a diretora da Divisão de Apoio Hospitalar do Centrinho, Maria Inês Gândara Graciano. “A nossa equipe sempre foi muito criativa e usou o lúdico para chegar às crianças, afinal, é essa a linguagem que elas entendem. A turma só vem dar apoio às ações já desenvolvidas”, complementa.

Das personagens em quadrinhos aos bonecos de pano, elas passam, a partir de agora, a habitar esse hospital e a ajudar a divulgar idéias sobre as anomalias craniofaciais. Para a dona de casa Nídia Cristina Amaral da Silva, de 26 anos, moradora de Belém (PA) – a 2.700 quilômetros de Bauru –, as personagens podem incentivar quem ainda não procurou por um tratamento. “Tem gente que cresce sem fazer a cirurgia. Quem sabe mais gente vai se encorajar quando ouvir as histórias da Turma do Centrinho”, pondera. Mãe de Gustavo, de 2 anos, Nídia também acredita que é bom para o filho existir um boneco que, como ele, tenha uma marquinha no lábio. “É bom a gente ter pessoas iguais a nós. Isso dá mais coragem de seguir adiante”, conclui.


Lilo tem fissura: não ao preconceito

A bordadeira Kátia Araújo Mendes, de 40 anos, de Goiânia (GO) – a 720 quilômetros de Bauru –, avó de Ronan Borges, de um ano, pensa da mesma forma. “Não tenho dúvida de que esses bonecos atraem as crianças e facilitam até o tratamento. E, se bem utilizados, podem, sim, combater o preconceito”, afirma. Ela conta que seu neto nasceu deficiente auditivo e fará uma cirurgia de implante coclear (o chamado ouvido biônico). “De certa forma, os brinquedos conversam com as crianças e elas se identificam com eles, gostam mesmo”, conclui.

Interatividade – Desde o lançamento oficial da turma, em 3 de julho, os bonecos conquistaram profissionais, pacientes e até a comunidade. “Eu dei um Lilo de presente para a minha cabeleireira e pedi que ela deixasse o boneco exposto no salão, justamente para chamar a atenção das clientes e divulgar o trabalho”, afirma a fonoaudióloga Maria Cristina Zimmermann, que admite a importância de usar recursos lúdicos durante as terapias. “Na fonoterapia podemos utilizar as personagens em forma de fantoches para dar orientações aos pacientes e seus familiares por meio de dramatizações. O Vô Zico, por exemplo, pode dizer ‘eu não entendi’ para a criança que disser um fonema incorretamente.” Para Maria Cristina, os bonecos podem criar interatividade entre o paciente e sua família e facilitar a emissão de mensagens importantes para o tratamento. 

E nesse universo lúdico o que não faltam são coincidências. A figura do vô bonachão, simpático e amoroso é facilmente comparada à do médico cirurgião Ricardo Pedrosa Duarte, membro da equipe do Centrinho há 14 anos. Questionado sobre o que pensa da comparação, ele diz: “Não me incomoda. Eu só não gostava de ser chamado de vô quando ainda não era. Agora que tenho um netinho, só me divirto”, relata. E ele admite que o fato de um médico ser comparado à personagem infantil pode facilitar a relação com a criança no consultório, mas adverte que, nesse caso, trata-se apenas de uma feliz coincidência, afinal ele é o único médico da equipe do Centrinho que tem alguma similaridade com o Vô Zico.

Toda a renda arrecadada com a venda dos produtos que trazem o selo “Turma do Centrinho” será revertida para programas e projetos do Centrinho e de suas principais entidades parceiras: Fundação para o Estudo e Tratamento das Deformidades Craniofaciais (Funcraf), Sociedade de Promoção Social do Fissurado Labiopalatal (Profis) de Bauru e Rede Profis – entidade filantrópica que congrega 40 associações de fissurados pelo Brasil afora. “É nosso compromisso disseminar informações claras e objetivas sobre as anomalias do crânio e da face, daí a necessidade da linguagem lúdica, para um número cada vez maior de pessoas. E é isso que faremos com a venda dos produtos da turminha e com sua utilização em manuais de orientação”, afirma a presidente da Rede Profis, Silvana Custódio Maziero. E, como quem conta um conto sempre aumenta um ponto, essa turma vai mesmo dar o que falar, até porque nesse hospital universitário brincadeira é coisa séria.

 

“Comprei dois Vô Zico para a minha família”


Vô Zico: experiência e sabedoria

A aposentada Judith Conceição Moreno Fernandes, de 76 anos, é uma voz da comunidade de Bauru, sem vínculo direto com o Centrinho, cuja reação surpreendeu a equipe do hospital. Por telefone, ela encomendou dois bonecos do Vô Zico e avisou: “Quero os bonecos para contar histórias para dois avôs muito especiais, aliás vocês podem até usar o slogan que eu criei: ‘Surpreenda seu avô com o Vô Zico’.” A equipe do Jornal da USP foi ao encontro dessa avó bem-humorada para entregar os bonecos e ouvir sua história de perto.

– Dona Judith, foi a senhora que encomendou dois bonecos do Vô Zico?

– Fui eu, sim. Eu me encantei com essa turma. Quando li no jornal que vocês criaram esses bonecos, eu quase chorei. Comprá-los e poder ajudar nessa divulgação é apenas a minha parcela nessa história toda.

– Mas por que a senhora escolheu o Vô?

– Porque eu tenho dois avôs na família e vou presenteá-los. Quero contar a eles uma história. Sabe qual é?

Aos 76 anos, Judith esbanja energia e, agilmente, vai nos conduzindo ao seu apartamento, onde os netos a esperam ansiosos para ver o boneco que comprou. No caminho, ela vai contando suas peripécias. “Estou há dez anos enfartada, mas não paro, sabe. Eu já fiz campanha para os tuberculosos, já ajudei associações de crianças desamparadas e, agora, luto pela causa do idoso. O idoso não é respeitado, não, sabe? Mas eu estou sempre me mobilizando. Com isso arrumo algumas dores de cabeça, mas eu sou assim.

– E como surgiu o interesse pelo Centrinho?

– Eu moro em Bauru há 71 anos. Sempre ouvi falar do trabalho desse hospital. Mas me aproximei mais quando uma amiga do grupo de orações contou que veio de Minas Gerais para tratar do filho no Centrinho. Aí eu passei a admirar ainda mais essa instituição.


Dona Judith com a família: história de uma vida feliz

Nosso objetivo é fotografar o momento em que ela irá presentear o marido, Antonio Fernandez Ruiz, de 74 anos.

– Sabe, agora também tenho cidadania espanhola e lá uso o nome de solteira. Brinquei com meu marido que posso até arrumar outro. Mas não o troco por nada. Meu marido é daqueles que trazem café na cama – conta Dona Judith, já na entrada do apartamento. Nas paredes, desde o corredor, marcas da Espanha e suas danças calientes.

– Eu toco castanhola, viu. Estou à disposição para tocar para os pacientes do Centrinho.

– Mas e o vô, onde está?

– Ah, ele está na empresa. Ele faz questão de trabalhar.

– Bom, e a história?

Três dos seis netos de dona Judith estão no apartamento e logo vêm receber os visitantes. Ela abre os pacotes e começa a improvisar uma história para os netos, que logo se aconchegam em volta da cadeira. Continuamos curiosos para saber, afinal, qual a história que dona Judith pretende contar aos avôs e quem é o outro vovô que ela quer presentear.

– O meu marido é um ótimo avô, por isso vai ganhar esse presente. O outro avô é o sogro do meu filho Carlos Alberto, o doutor Heraldo.

– E qual é a história?

– A história que eu vou contar para o vovô Heraldo é: “Olha como você é feliz”. Eu quero contar a ele que, diante de todas as adversidades vividas pelos pacientes do Centrinho, e para quem depende da saúde pública no nosso país, ele é, sim, um avô muito feliz!

E alguém duvida?

 

Uma patota bem esperta

A Turma do Centrinho é encontrada em manuais e fôlderes de orientação a pacientes, livros infantis, histórias em quadrinhos, bonecos de pano, fantoches, camisetas e acessórios como mochilas e chaveiros. A seguir, as características de cada um dos personagens da turma.

Vô Zico – Ele é o vovozinho amigo, companheiro, que não se cansa de encontrar formas de ensinar seus netos e amigos com brincadeiras divertidas e curiosas.

Lilo – Ele é sapeca e curioso. Essas são as principais características do caçulinha da turma, garoto que nasceu com uma fenda no lábio e faz tratamento reabilitador.


Tocha, Tuca, Lilo, Vô Zico, Rolinho e Tato: ensino com diversão

Tato – É um garotão metido a sabido. Está sempre explicando tudo a todos. Mas, quando se vê em apuros, recorre ao Vô Zico e reconhece que precisa dele para aprender mais.

Tuca – Irmã do Tato, ela nasceu com fissura no palato (céu-da-boca) e já foi operado. Mas, para ter uma fala ideal, continua fazendo fonoterapia. Ela também tem perda auditiva leve e usa aparelho auditivo. Quietinha e observadora, Tuca está sempre querendo ajudar os amigos nas confusões que aprontam.

Tocha – É um cachorrinho trapalhão, deficiente visual, que vive se envolvendo em encrencas, mas sua sensibilidade e senso de humor o ajudam a sair sozinho das situações de risco ou perigo. Seu melhor amigo é o Rolinho.

Rolinho – É um caracol deficiente auditivo. Esperto mas distraído, Rolinho é capaz de entrar nas maiores confusões em nome de uma boa diversão. Solidários e amigos do peito, Rolinho e Tocha estão sempre juntos, para o que der e vier.

 
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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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