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tema ainda continua na pauta porque não foi resolvido. Não se conhecem os fatos em detalhe, não se sabe dos corpos”, afirma Rossana.
De acordo com a professora, os palestrantes mostraram que há várias formas positivas de resolver a questão. “Esse acerto de contas pode ser resolvido positivamente e há estudos que mostram que, onde houve o acerto com o passado, as instituições democráticas se fortaleceram e, portanto, isso é bom para as sociedades democráticas”, diz.
A professora ressalta que o ponto central da discussão sobre um “acerto de contas com o passado” não foca o revanchismo nem quer a revogação da Lei da Anistia. O foco seria a interpretação dada aos chamados “crimes conexos” previstos nessa lei – uma expressão que tem sido utilizada para incluir processos de crimes como a tortura. “Tortura não é crime político. É crime contra a humanidade e, portanto, não prescreve”, afirma Glenda Mezarobba, mestre e doutora em Ciência Política pela FFLCH – uma das participantes do seminário –, referindo-se à lei que beneficiou 4.650 pessoas e livrou torturadores de processos judiciais (leia texto de Glenda Mezarobba aqui).
O evento contou com especialistas de universidades brasileiras e estrangeiras, entre eles Flávia Piovesan, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Richard Miskilci, da Universidade Federal de São Carlos, Tâmara Kay e Harold Toro, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, entre outros.
O seminário: país precisa acertar contas com o passado, diz especialista
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Reginaldo Mattar Nassar, da PUC de São Paulo, chamou atenção para as empresas de segurança que proliferam em regiões de instabilidade, como Afeganistão, Iraque e África. “Em estados falidos ou em colapso, essas empresas, que utilizam armamentos pesados e táticas de guerra, operam livremente e estão livres de qualquer jurisdição. Existe uma discussão na ONU se elas devem ser regulamentadas ou enquadradas como ilegais. O fato é que sua atuação promove uma distorção grave dos direitos humanos”, afirma.
Kathryn Sikkink, professora de Ciências Políticas da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, mostrou seu estudo sobre a situação de cem países que transitaram de regimes autoritários para o democrático nas últimas décadas. O resultado do trabalho derruba a hipótese de que o julgamento dos torturadores pode levar a um golpe de Estado. Ao contrário, o “acerto de contas” fortalece a democracia e melhora a vida da população, mostrou.
A lei que perdoa – O ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República – que ao lado do ministro da Justiça, Tarso Genro, tem ocupado posição de destaque nos embates na mídia em torno da punição a torturadores e da questão da Lei da Anistia –, participou da mesa sobre “Um Balanço da Política Brasileira de Direitos Humanos”.
Vannuchi reiterou a necessidade de o Brasil conhecer sua história recente. “A minha posição é de absoluta reconciliação, mas não sem verdade”, disse, lembrando o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela, que promoveu a reconciliação daquele país sem omitir a história do apartheid. Vannuchi apontou os direitos humanos e a segurança pública como os principais desafios a serem enfrentados pelo país no momento.
A polêmica em torno da Lei da Anistia não foi levantada para revogar essa lei, mas para promover um debate sobre o direito à memória e à verdade histórica, disse o ministro. “Qualquer decisão sobre o tema cabe ao Judiciário”, ressaltou. Vannuchi apontou que não se sabe ao certo nem quantas pessoas foram mortas pela repressão. “O livro Direito à memória e à verdade, editado pela SEDH, aponta mais de 400. Mas não se tem conhecimento. A universidade precisa fazer essa pesquisa”, disse.
A polêmica sobre o passado recente brasileiro e a Lei de Anistia despontou no dia 31 de julho, em audiência pública promovida pelo Ministério da Justiça. Na ocasião, o ministro Tarso Genro declarou que não considerava tortura e violação de direitos humanos crimes políticos, mas crimes comuns. A declaração de Genro acirrou os ânimos entre os militares, que organizaram um seminário para discutir o assunto no Clube Militar do Rio de Janeiro, em 7 de agosto. O episódio fez com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva solicitasse que Genro fosse a público colocar fim na polêmica. Na mesma audiência pública, Vannuchi defendeu ponto de vista semelhante ao de Genro, lembrando que o argumento de não mexer nas feridas do passado é uma falácia, justamente “porque só as feridas lavadas cicatrizam”, disse, citando a frase da presidente do Chile, Michelle Bachelet.
Balanço histórico – Durante os debates na FFLCH, o ex-ministro da Justiça, José Gregori, participou da mesma mesa em que estava Vannuchi, mas abordou pontos de vista diferentes sobre a Lei da Anistia. Ao Jornal da USP, Gregori disse que seu balanço é positivo no que diz respeito aos resultados da lei de 1979. “Esta é uma lei importantíssima porque iniciou um trabalho de recomposição da nação brasileira e porque foi responsável por uma parte importante dos avanços nas políticas de direitos humanos no país”, afirmou.
Para o ex-ministro, os que defendem o acerto com o passado buscam responsabilizar os culpados pelas mortes e pelos desaparecidos. “Eu não tenho nenhuma razão para duvidar de que os que defendem essa tese o fazem com as melhores das intenções. Eu, porém, tenho outra visão. A anistia foi extremamente benéfica para o país, um fator indispensável para a redemocratização. Tanto que nos últimos 12 anos são os anistiados as personalidades de maior força política no país”, disse referindo-se ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Lula.
A revogação de uma lei fica um “não acabar; vira uma Argentina”, compara Gregori. “Essa lei tem limitações exatamente no ponto em que coloca uma pedra em cima do passado. Mas também é uma vitória da sociedade civil. Ela pode e deve ser aperfeiçoada, como eu fiz quando ministro e me vali dela para reconhecer responsabilidades e indenizar as famílias das vítimas. Provou historicamente ser um instrumento válido.”
Gregori expôs, em sua palestra, o desenrolar histórico do avanço dos direitos humanos desde a época do regime militar, passando pela redemocratização do país. “Passamos por um período em que não se aceitava hábeas-corpus nem liberdade de imprensa e em que não havia a possibilidade de prisão comunicada à autoridade jurídica. Uma época em que a Comissão de Justiça e Paz comandada pelo cardeal D. Evaristo Arns atuava grandemente para a localização de desaparecidos e pela justiça”, lembrou.
O ex-ministro disse que numa reunião com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, propôs uma política mais eficiente de direitos humanos. “Caminhamos para a responsabilização direta do estado pelos desaparecidos. Criamos uma comissão que estudou os pedidos e indenizou familiares num valor máximo fixado em US$ 100 mil para cada família (na época o real era igual ao dólar). Cerca de 400 pessoas foram reconhecidas como pertencentes à lista dos desaparecidos. No governo FHC houve denúncias de que ex-agentes que praticaram atos de tortura estavam ocupando cargos públicos e de fato 12 pessoas foram afastadas de seus cargos. Muito se divulgou a respeito e o livro Tortura nunca mais faz a lista de quem cometeu violência estando do lado do governo. E um livro das Forças Armadas fez a mesma lista dos que contestavam o governo. Acredito que muito se sabe e muito se divulgou. Para um bom historiador, essas informações não estão fechadas”, afirma Gregori.
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