Base militar em Oiapoque: oportunidade do Exército para uma grande missão
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Amazonas. Mulheres e curumins, nos arredores, assistiam curiosos à partida da maior bandeira fluvial paraense-amazônica já organizada até aquele momento. A missão do comandante era bem clara: conquistar a Amazônia para Portugal antes que outros desbravadores europeus o fizessem.
Naquela época, uma manobra política na Europa havia reunido portugueses e espanhóis sob o governo único do rei Felipe IV, da Espanha. Mas essa união circunstancial nunca apaziguou qualquer rivalidade entre os dois irmãos peninsulares. Tanto que o aparecimento do capitão Teixera e sua gente nos Andes desagradou profundamente as autoridades espanholas do Peru. O expedicionário português seguiu à risca as instruções de Jácome Raimundo de Noronha, governador do estado do Grão-Pará e Maranhão, e navegou com sua armada pelos rios Amazonas, Napo e Marañon, numa profunda incursão que levou dois anos e percorreu quase 10 mil quilômetros da ida ao regresso. No final da primeira etapa, ainda separou-se das embarcações e subiu as escarpas das cordilheiras até chegar ao grande altiplano de Quito (naquela época, a cidade fazia parte das terras peruanas). “Se lhes fosse permitido prosseguir com as navegações, teriam se julgado donos de todo o Peru”, reclamou o vice-rei local, Conde de Castellar. “Se continuassem essa usurpação dissimulada, teriam ocupado todas as nossas terras, se apossado das riquezas e saqueado até nossas cidades mais opulentas.”
Ocupação portuguesa ampliou fronteiras do Brasil
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O murmúrio chegou ao Conselho das Índias, que advertiu o governador Noronha pelo avanço atrevido e lhe recomendou que devolvesse a foz do Amazonas para os espanhóis. A medida deveria servir como punição e respeito ao Tratado de Tordesilhas, que havia estabelecido quais terras pertenceriam aos portugueses e quais eram dos espanhóis. Mas, na prática, esse acordo já andava meio superado. Nessa altura da corrida colonialista, a foz do Amazonas era protegida pelo Forte do Presépio, fundado em 1616. Mais tarde, a fortificação deu origem à cidade de Belém, que se tornou o novo centro geopolítico da Região Norte, em substituição a São Luís do Maranhão.
O Forte do Presépio e vários outros tiveram papel fundamental na interiorização da Amazônia, servindo como apoio logístico e ponto de partida para as expedições, além de defender o território com uma poderosa bateria de canhões. Só que a construção dessas unidades militares exigia uma operação logística complexa, pois demandava pedras resistentes e pouco comuns no solo arenoso da floresta. Alguns relatos chegam a mencionar que muitas pedras precisaram ser trazidas de Portugal – uma encomenda que podia demorar até cinco anos para chegar ao destinatário –, enquanto outras foram obtidas através de um método de fabricação a partir do barro. Ao longo dos séculos 17, 18 e 19, cerca de 30 grandes fortificações foram construídas nas entradas do rio Amazonas e seus afluentes, garantindo soberania militar aos portugueses do Maranhão a Rondônia.
Esse ímpeto lusitano foi o responsável pela expansão das fronteiras brasileiras até as proximidades das nascentes fluviais andinas. A antecipação portuguesa no interior da selva superou as investidas de espanhóis e até mesmo de ingleses e franceses, que tentaram penetrar pelas terras do norte (atuais Guianas e Suriname). O esforço português foi reconhecido pelo Tratado de Madri, em 1750, que redefiniu as fronteiras da América do Sul e lhes assegurou a posse da terra devido à evidência do seu uso pioneiro.
Forte São José, em Macapá, construído no século 18: presença portuguesa
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Os fortes brasileiros – Perto de 1950, o Exército brasileiro tinha mil combatentes na Amazônia. Hoje, são 25 mil homens espalhados por 124 Organizações Militares (OMs) na região Norte, que é considerada a zona de maior vulnerabilidade do Brasil, segundo o Plano de Defesa Nacional, elaborado em 2005 pelo Ministério da Defesa (foi o primeiro plano estratégico feito por civis. Antes, essa tarefa ficava por conta do já extinto Ministério da Guerra). O Exército reconhece que seu contingente atual não é suficiente para a região. Por isso, esse número deverá crescer e ocupar até 70% do orçamento militar nos próximos 20 anos.
A principal ameaça, segundo os militares, é a cobiça internacional pelos “tesouros da selva” – reservas de água, madeira, minério e banco genético. “Seria muita ingenuidade achar que outros países não estão de olho na Amazônia”, enfatiza o coronel Paulo Roberto Netto, ex-comandante do 34º Batalhão de Infantaria de Selva, de Macapá. “Outros países serão amigos até quando for interessante para eles. Nos próximos anos, a água vai assumir um valor cada vez mais alto, e as relações diplomáticas vão mudar”, prevê.
As Forças Armadas procuram estar prontas para qualquer hipótese, inclusive as piores. Em 2004, o Estado-Maior do Exército enviou um grupo de oficiais ao Vietnã para aprender técnicas da guerra de guerrilha, nos mesmos moldes como os vietcongues derrotaram os Estados Unidos – com soldados escondidos na selva, sem o enfretamento direto. Esta é a chamada doutrina da resistência, aplicada quando a superioridade do inimigo é evidente. “Estamos precavidos militarmente da cobiça que a Amazônia desperta. Estamos desenvolvendo a estratégia da resistência contra qualquer inimigo”, disse, na época do envio dos oficiais ao Vietnã, o general Cláudio Barbosa Figueiredo, chefe do Comando Militar da Amazônia (CMA).
Para completar o cerco de defesa da Amazônia, os militares ainda defendem o maior adensamento da rede de controle do estado, ou seja, a ocupação da selva por civis e órgãos oficiais (Polícia Federal, Banco do Brasil, Correios, universidades e postos de saúde, entre outros). Enquanto a densidade demográfica da região Norte é de quatro habitantes por quilômetro quadrado, no resto do Brasil esse índice é de 34. E os militares entendem que terras desabitadas são mais vulneráveis a investidas de forasteiros.
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No entanto, esse pensamento gera críticas de ambientalistas e antropólogos. Na visão desses grupos, os planos do Exército oferecem grandes riscos de impacto socioambiental, principalmente com a aceleração do desmatamento da floresta e a descaracterização de terras reservadas a grupos indígenas. Nos anos 70, o Plano de Integração Nacional lançado pelo governo do presidente Médici incentivou o deslocamento de vários grupos populacionais do Nordeste para o Norte, sob o lema “Integrar para não entregar”. Também criou a Transamazônica, rodovia que liga o Nordeste à Amazônia Ocidental e é uma das principais faixas de desflorestamento.
“Todas as tentativas de colonização da Amazônia, até aqui, foram um desastre”, afirma o professor Wanderley Messias da Costa, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, com especialização em assuntos amazônicos. “Mas não se pode atribuir esse desastre somente ao governo militar. Hoje temos uma sociedade democrática e os problemas persistem. O PT (Partido dos Trabalhadores) realiza uma reforma agrária que não funciona na Região Norte. As famílias são levadas para lá sem a devida estrutura para o assentamento. Em situações como essa, nascem muitos conflitos fundiários.”
A luta por terra está entre os principais problemas que afligem cidades pequenas ou comunidades mais isoladas. A ela se juntam o extrativismo ilegal de madeira e minérios, o tráfico de drogas e a prostituição. O município de Oiapoque, no extremo norte do Amapá e do Brasil, é exemplo disso. Diariamente os moradores precisam batalhar meios de ganhar a vida numa região carente, onde a paisagem local é feita por crianças descamisadas, que brincam em palafitas e ruas de terra, sem saneamento básico, na beira do rio Oiapoque. Ironicamente, apesar de pobre, a região vale ouro. Os moradores se juntam a forasteiros na corrida por qualquer pedra dourada em garimpos abertos na fronteira com a Guiana Francesa. Fora o garimpo, outra possibilidade é a emigração clandestina para a União Européia. Bem ali, a 200 metros, do outro lado do rio, na cidade francesa de Saint George, o pagamento é feito em euro.
Desfi le em Oiapoque: “Selva! Aqui começa o Brasil!” é o grito de guerra
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Para essas zonas carentes de estrutura e fiscalização, o Exército é enviado e representa a única força pública realmente deslocada para as áreas mais distantes. “Sem dúvida, a questão amazônica é também uma oportunidade para o Exército reassumir um posto de importância na sociedade brasileira, depois de ter passado por um processo de sucateamento e desgaste por suas posições políticas comprometedoras”, diz o professor Messias da Costa.
Até resgatar o protagonismo, o Exército procura divulgar a importância geopolítica da selva e segue trabalhando com seus recursos disponíveis, que são poucos. Na cidadezinha de Vila Velha, a oeste de Oiapoque, a fiscalização também é necessária pelos mesmos problemas. Por isso, o Exército deslocou um grupo de soldados e um posto para lá, mas ainda falta construir algumas coisas na unidade militar. O banheiro, por exemplo, foi terminado só há alguns meses, após consumir dois anos de trabalho e R$ 80 mil. “Existe um grande desafio logístico por aqui”, ressalta o tenete-coronel Batista, comandante do 34º Batalhão de Infantaria de Selva. “Como não tem distribuidora de cimento na cidade, é preciso trazer o material de barco até a cidade. Depois, tem que colocar o cimento na canoa e levar para o pelotão avançado, com o máximo de cuidado, para não molhar. É complicado. O custo final do saco de 50 kg pode chegar a até R$ 50,00 (em São Paulo, custa menos de R$ 15,00)e ainda nos deixa com a impressão de que estamos inflando a obra na hora da prestação de contas.” Como dizia Euclides da Cunha, a Amazônia é uma guerra de mil anos.
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