Copaíba, pau-rosa, cipó d’alho, buriti, dendê, patuá, guaraná, açaí, cupuaçu, andiroba, babaçu, unha-de-gato. Algumas das mais conhecidas plantas da Amazônia usadas especialmente para fabricação de cosméticos e fitoterápicos impulsionam as novas tendências de desenvolvimento industrial na região. A chamada “bioindústria” – que inclui

também produtos de origem animal e microrganismos – vem impulsionando os diversos elos da cadeia produtiva de bioprodutos e expandindo as oportunidades de negócios de base sustentável. No novo cenário em construção na Amazônia brasileira, o ramo de pesquisa e desenvolvimento (P&D) representado por institutos, agências de pesquisa e universidades desempenha um papel central na própria expansão e consolidação desse potencial. Essas são algumas das conclusões da dissertação de mestrado “Uso sustentável da biodiversidade na Amazônia brasileira: experiências atuais e perspectivas da bioindústria de cosméticos e fitoterápicos”, de autoria de Laís Mourão Miguel, apresentada no final de 2007 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

“A atividade de P&D está presente em todas

as etapas da cadeia produtiva de bioprodutos da Amazônia, com especial destaque para as indústrias de cosméticos e fitoterápicos”, afirma Laís, apontando a principal conclusão de seu estudo, realizado sob orientação do professor Wanderley Messias da Costa, do Departamento de Geografia da FFLCH.

A pesquisa descreve o quadro atual desse segmento na região, analisa algumas experiências em curso e aponta caminhos para as indústrias do setor. A partir de um levantamento empírico, o estudo identifica Manaus e Belém como as duas principais capitais onde se concentra a maior parte da infra-estrutura relacionada aos novos sistemas produtivos baseados no desenvolvimento de inovação de bioprodutos. As duas capitais são hoje os principais pólos urbanos e industriais da região amazônica e também estabelecem sólidos vínculos com as atividades agrícolas de seu entorno.

Em Manaus, a autora da dissertação visitou as principais instituições de pesquisa, como o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Centro de Incubação e Desenvolvimento Empresarial (Cide), além de um grupo selecionado de bioindústrias que atua na região. O desenvolvimento “da cadeia produtiva dos cosméticos e fitoterápicos está vinculado às atividades realizadas pelos centros e instituições de pesquisa, que cumprem um importante papel em relação aos estudos sobre o inventário da biodiversidade regional, bem como sobre suas propriedades, composições físico-químicas, usos e aplicações”, traz o texto.

O estudo mostra que, em geral, são as pequenas comunidades organizadas que fornecem matérias-primas para as pequenas bioindústrias. Em alguns casos, estas adquirem de pequenos produtores e também de intermediários da cadeia.  “Essas pequenas bioindústrias não estabelecem contratos de exclusividade para o fornecimento de matérias-primas selecionadas. Contudo, firmam acordos e parcerias ‘informais’ com as comunidades e

famílias produtoras, a fim de assegurar a regularidade da produção, bem como a garantia de que os produtos irão atender aos padrões de qualidade, baseados em tecnologias adequadas de plantio, cultivo, coleta e secagem para cada tipo de espécie”, traz o texto.

A autora observou que os pequenos empreendimentos têm estimulado a integração da comunidade e a organização em cooperativas e associações. Porém, muitas das empresas de pequeno porte não conseguiram ainda introduzir procedimentos capazes de receber certificações como os “selos verdes”, que permitem, entre outros quesitos, atestar a origem das espécies, pondera o estudo.

Em Belém, foram visitadas instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Museu Paraense Emílio Goldi, a Incubadora de Empresas, laboratórios da Universidade Federal do Pará (UFPA) e institutos especializados vinculados à mesma universidade, além de um grupo de bioindústrias que desenvolvem insumos e produtos fitoterápicos e fitocosméticos, todas com fortes vínculos com as universidades e instituições de pesquisa locais, segundo o levantamento.

De acordo com Laís, “foi visitado um total de 12 unidades, entre indústrias e grupos de pesquisa, nas duas capitais. As visitas aconteceram entre 2005 e 2007, durante dez dias em cada capital. As indústrias possuem diferentes portes e características. Os institutos e agências de pesquisa também apresentam os mais variados perfis”, afirma. O universo pesquisado incluiu ainda pequenos empreendimentos emergentes apoiados por programas de incubação de empresas de base tecnológica em Belém e Manaus. De acordo com a autora, foram detectados uma interação profunda e um complexo sistema de parcerias entre os institutos de pesquisa e as empresas, “em todos os elos da cadeia produtiva”.

Escalas diferenciadas – A biodiversidade regional poderá dar impulso ao desenvolvimento de um extenso grupo de produtos, entre fitomedicamentos, perfumaria, cosméticos, insumos, extratos padronizados, nutracêuticos, alimentos, enzimas de interesse industrial, corantes, flavorizantes e conservantes derivados de plantas, animais e microrganismos.

Dentro dessa extensa rede que se expande atualmente no Distrito Industrial de Manaus e Belém, os diversos atores do segmento biotecnológico se articulam em atividades que vão desde a coleta envolvendo comunidades florestais até os segmentos econômicos urbanos, pequenas e médias indústrias de processamento de insumos e produtos acabados, instituições locais de pesquisa e de suporte tecnológico e demais setores abrangidos por essas atividades.

Embora em franca expansão, “os diversos elos dessa cadeia produtiva ainda se encontram em estágios incipientes, revelando deficiências de logística e distribuição, recursos humanos, oferta de insumos e investimentos mais significativos em pesquisa”, afirma a autora.

Assim, mesmo que P&D tenha carreado o desenvolvimento da cadeia estudada, ainda é deficiente o investimento em pesquisas no setor. De acordo com Laís, os gastos do governo federal com ciência e tecnologia (C&T) em toda a Amazônia, em 2007, ficaram entre 2% a 3% do total aplicado no país.

Para a autora, a normatização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é rigorosa e eficaz, mas em alguns casos funciona como um limitante às pequenas e microempresas. “Estas acabam tendo dificuldades de se inserir porque não conseguem se adequar a todas as exigências e cumpri-las”, afirma.

A fragilidade das micros e pequenas indústrias do segmento estudado demonstra a necessidade de “incentivos específicos para o fortalecimento de seus processos produtivos e de alianças diversas entre os atores da cadeia produtiva, que é extremamente complexa no mercado dos bioprodutos”, aponta o estudo.

As incubadoras de base tecnológica possuem um papel fundamental, pois “têm apoiado substancialmente os pequenos empreendimentos, envolvendo parcerias diversas entre instituições como Sebrae, Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente e universidades e centros de pesquisa da região”, traz o texto. 

O mercado internacional de produtos biotecnológicos deverá atingir até 2010 o montante de US$ 580 bilhões, o que representa o dobro do comercializado em 2000, sendo que Ásia e Europa serão responsáveis pelas maiores fatias nos próximos anos. No Brasil, considerando todas as categorias de produtos bioindustriais, esse mercado representa 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB), o que corresponde à participação de cerca de 120 empresas de base tecnológica, segundo o estudo. O imenso potencial para o aproveitamento da biodiversidade tem impulsionado, especialmente na Amazônia, não apenas a estruturação de cadeias produtivas, mas também a expansão de centros de pesquisa biotecnológica voltados à bioprospecção da região, ou seja, o levantamento e identificação do patrimônio genético para determinação de suas propriedades biofísico-químicas.

 
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