|
|
grupo “alimentação” é o que mais puxou para baixo os preços ao consumidor, seguindo a tendência de queda no mercado mundial de commodities.
Se as ações de empresas em todo o mundo caíram vertiginosamente no dia 29 de setembro, após a rejeição do pacote de socorro de US$ 700 bilhões pela Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, com as commodities não foi diferente. Tanto petróleo quanto commodities metálicas e agrícolas sofreram perdas agudas na Bolsa de Chicago e no mundo inteiro. A baixa nos preços mundiais das commodities ainda deve continuar e é este movimento, afirma o professor Antônio Comune, que provocará, por cerca de quatro meses, a queda nos preços ao consumidor brasileiro. Esse efeito é um “lado bom” da crise, mas não vai durar por muito tempo, diz o professor.
“Após o final e começo de ano não veremos boas surpresas. Será o início das dificuldades internas, pois o dólar deverá estar em alta. A inflação chegará inicialmente ao Brasil via câmbio. Poderemos esperar uma taxa de câmbio acima dos R$ 2,00 e a contaminação dos preços virá por aí. Os primeiros efeitos serão nos bens de consumo; matérias-primas industriais sofrerão um aumento defasado”, diz o professor da FEA.
A relação desfavorável entre dólar e real prejudica as exportações. O Brasil venderá menos aos seus parceiros comerciais, pois o mundo estará em recessão, e receberá menos pelo que for vendido, já que o real estará baixo ante o dólar. Com esse desempenho, a balança de comércio poderá ficar negativa, impulsionando um movimento de tomada de crédito, segundo Comune. No Brasil, onde já existe um abalo no crédito, o dinheiro ficará mais caro e o pouco que houver disponível será direcionado para salvar o sistema financeiro dos Estados Unidos e Europa, explica o professor.
Crise de confiança – “Esta é realmente uma crise diferente. O Brasil é muito infeliz no sentido de que, quando o mundo estava em situação financeira boa, o país não tinha crédito, pois não era visto como um bom devedor. Agora que temos indicadores ajustados e bons fundamentos na economia, não existe oferta de crédito. O pouco dinheiro que houver será usado para resolver os problemas no centro do sistema capitalista”, diz Comune.
A recente falência de instituições financeiras sólidas como Lehman Brothers e Washington Mutuals, as dificuldades da conceituada seguradora AIG e a venda de bancos importantes como Merryl Lynch e Whacovia – comprados, respectivamente, por Bank of America e Citigroug – revelaram o enorme efeito dominó da crise financeira dos Estados Unidos.
A falta de crédito naquele país despontou em 2006. Os juros altos provocaram o aumento da inadimplência de clientes do segmento “subprime”, isto é, pessoas de baixa renda e com histórico de inadimplência. Com juros altos, houve uma fuga de compradores de imóveis. Iniciou-se uma espiral descendente nos preços e o mercado imobiliário entrou em pânico. Gigantes hipotecárias como American Home Mortgage (AHM) pediram concordata e a Countrywide Financial teve de ser comprada pelo Bank of America.
Com crédito baixo, as compras diminuem, as empresas lucram menos e o nível de emprego cai. Uma conjunção de fatores que leva ao desaquecimento da economia. Resta ao governo tapar o buraco através da injeção de dinheiro no sistema, o que deverá ser feito em breve, depois da aprovação, pelo Senado norte-americano, no dia 1o, da nova versão do plano de US$ 700 bilhões, para evitar o colapso do sistema financeiro (havia a previsão de o plano ser votado na Câmara dos Estados Unidos no dia 3, após o fechamento desta edição do Jornal da USP).
Recuo – A recessão, no entanto, não chegará ao Brasil, segundo analistas. Para Antônio Comune, haverá um recuo nos indicadores econômicos brasileiros. “Em vez de um crescimento do PIB em torno de 5% em 2009, o que eu já achava exagerado, acredito que a economia crescerá 3%, com viés de baixa. Provavelmente voltemos aos patamares do começo do Plano Cruzado, em meados da década de 1990. Em contrapartida, a economia dos Estados Unidos deve parar e isso trará grandes dificuldades para o candidato que vencer lá”, diz.
Segundo o professor de Economia Internacional da FEA Manuel Enriquez Garcia, não vai haver recessão no Brasil. “O que ocorrerá é um crescimento mais baixo do PIB, em torno de 3% ao ano. Numa situação muito adversa na economia mundial, as dificuldades internas poderão durar dois anos. O Brasil é um grande vendedor e agora vai vender menos. Em um ano a balança comercial poderá ficar negativa e as contas correntes, que já são negativas, poderão piorar. O dinheiro ficará mais caro e já existe uma falta de crédito. Mas alguém tem que pagar a conta e o Banco Central dispõe de reservas suficientes”, afirma.
O professor Dante Mendes Aldrighi, também da FEA, chama a atenção para a natureza dos problemas que abatem a economia mundial. “Devemos atentar que uma crise financeira não é boa para ninguém. Uma ou algumas indústrias em dificuldades fecham as portas e isso beneficia seus concorrentes. Já um banco em dificuldades prejudica outros bancos, pois provoca uma crise de confiança. A contaminação da credibilidade provoca um colapso das intermediações financeiras e isso influencia no crédito. Ninguém quer emprestar porque não há confiança. A estabilidade do sistema bancário é como um bem público. Sem isso, todos perdem”, explica.
Momento de ousar – Aldrighi e Comune não vêem semelhanças entre o que ocorre atualmente na economia mundial com outras crises, por exemplo, como a Grande Depressão da década de 1930, iniciada na Bolsa de Nova York em 1929. “Aquela foi uma crise conjuntural e esta é financeira. Também não há semelhanças com a crise asiática de 1999, pois não acontece na periferia e sim no centro do sistema capitalista”, compara Comune.
Para Aldrighi, a experiência marcante da década de 1930 tornou o Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos Estados Unidos) bastante avesso a crises sistêmicas. “Hoje os mercados são muito mais sofisticados, imbricados e interdependentes. Um desastre comprometeria o mundo todo e os agentes financeiros farão de tudo para evitar o aprofundamento dos problemas. O Fed aprendeu o seu papel e não cometerá os equívocos do passado. Percebeu que precisa intervir e que a política monetária apenas não é suficiente para trazer reação à economia.”
Os grandes investimentos em infra-estrutura e energia, previstos pelo governo brasileiro, como a construção de refinarias e a exploração do petróleo da camada pré-sal, poderão ficar paralisados por algum tempo, diz Comune. “Tudo o que depende de crédito externo ficará comprometido”, afirma.
Ao contrário, o professor Ricardo José de Almeida, também da FEA, acredita que o momento pode favorecer os investimentos externos. Mas o governo e os agentes financeiros precisarão de ousadia para enfrentar os problemas do século 21 de forma inovadora e não segundo a cartilha da década de 1990.
Segundo Almeida, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) já anunciou que terá dinheiro até meados de 2009 e deverá escolher os setores mais importantes para investir e manter a economia aquecida. As exportações deverão ser direcionadas para o mercado interno, a fim de manter o emprego e a renda, afirma. “É hora de o brasileiro confiar no Brasil e direcionar seus investimentos para empresas brasileiras”, afirma Almeida. “Existe uma grande possibilidade de o mundo ver o Brasil como um bom investimento. O país pode ser um carro-chefe de investimentos externos até que a tormenta passe. Mas é preciso enxergar que a política monetária que funcionou até agora não funciona mais no século 21. Os problemas são outros e precisamos de mentes que consigam equilibrar uma realidade em que existe recessão junto com inflação.” Na opinião dos entrevistados, a principal medida para o Brasil minimizar os impactos da crise deve ser a redução dos custos do próprio governo, a começar por gastos com pessoal.
|