Nota prévia ao Dossiê Universidade-Empresa
Adnei Melges de Andrade
Em um momento em que a economia brasileira dá sinais alentadores de revigoramento, depois de longo período recessivo em que ainda mais se acentuaram as diferenças entre os estratos da sociedade, cabe uma reflexão sobre a relação das universidades com o meio produtivo, entendido este meio produtivo como o sistema industrial-empresarial. A idéia de se produzir um dossiê com o tema "universidade-empresa" se cristalizou a partir da convicção de muitos de que amadurece na universidade o pensamento que esta não pode ficar à margem das grandes transformações que mudam o país. As grandes mudanças nos mapas políticos têm demonstrado que o desenvolvimento social não se consegue apenas a partir de conceituações políticas. Torna-se claro que, embora, isoladamente, o desenvolvimento industrial e econômico não seja suficiente, ele é necessário para que se possa conseguir o desenvolvimento social e o crescimento de uma nação em todas as suas dimensões. As universidades pluralistas têm em seu seio pessoas com pensamentos diversos sobre a questão enfocada. Há pensamentos de diversos matizes, tendo em seus extremos os que propugnam a universidade contemplativa, que não deve se conspurcar ao realizar pesquisas ou desenvolvimentos tecnológicos no interesse de grupos empresariais, e há, no outro extremo, pensamentos que propõem a instalação de embriões de empresas nos próprios campi ou ao lado deles, na forma de "incubadoras de empresa". As empresas, por outro lado, só em pequeno número conhecem as possibilidades que a interação forte com as universidades pode representar em termos de sua evolução, propiciando melhores condições de competir nos mercados doméstico e internacional. Há históricos de sucesso e também de desalento. Quando a relação universidade-empresa é foco das atenções de órgãos de fomento como a Finesp e Fapesp, só para citar dois exemplos, através de ações como a Finep-Tec e o Programa de Inovação Tecnológica da Fapesp, quando surgem periódicos dedicados exclusivamente às ações conjuntas da universidade e da empresa, é necessário que se reflita sobre a questão. Assim como seria, hoje, inconcebível que escolas de medicina não tivessem hospitais agregados, onde seus estudantes e profissionais pudessem se desenvolver, torna-se cada vez mais premente que estudantes e profissionais das ditas "escolas profissionalizantes" interajam fortemente com a empresa, não visando exclusivamente a produção, mas fazendo pesquisa inovadora, preparando-se para desafios que a própria empresa enfrenta nas economias competitivas em nível mundial. Tendo em vista as condições brasileiras, com população que, em número, deveria viabilizar uma enorme e complexa estrutura industrial que, no entanto, não consegue atingir em sua plenitude a economia de escala já que o mercado brasileiro é ainda um "enorme potencial", vale a pena citar o prof. Miguel Reale, em artigo recente (*), que propõe o "repensar do problema da educação e da cultura desde a escola fundamental até as universidades. [...] Nos países em desenvolvimento, onde a iniciativa empresarial é ainda deficiente no tocante ao progresso científico e tecnológico, cabe especialmente às universidades oficiais não apenas propiciar aos estudantes os conhecimentos reclamados pelas novas técnicas de trabalho, mas também atuar em sintonia com as atividades empresariais, com a criação de centros de pesquisa que nos habilitem a participar, sem defasagem intelectual e a devida experiência, de um sempre renovado sistema de produção e de serviços, sem ficar excluída a possibilidade de irmos compartilhando, de maneira contínua, do poder-dever de inventar e descobrir, sobretudo em função de nossas condições mesológicas". Neste dossiê, as contribuições de profissionais experimentados com a lida das questões ligadas ao trinômio universidade-tecnologia-empresa, ao lado de contribuições de autores ligados ao meio empresarial e ao meio acadêmico, permitirão aos leitores se situar na questão.
Adney Melges de Andrade é professor da Escola Politécnica da USP,diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, e coordenador do presente dossiê.
* Miguel Reale, "O Estado e o Desafio Tecnológico", in O Estado de S. Paulo, 11/2/95. | ||