Artigo | edição 4 | Janeiro-Abril de 2009
Identidade e publicidade: estímulos e representações do jovem
 
Carla Daniela Rabelo Rodrigues |
 
A publicidade é um campo simbólico de negociação entre o anunciante e seu público. Pretende-se como imagem da marca e imagem do consumidor oferecendo desejos obsoletos para pessoas em mutações constantes e transformando produtos em sentimentos. Tem que cumprir a função recebida por alguma marca e é regida pela vontade de agradar. Apresenta-se em todos os lugares e se renova nesse habitar urbano fazendo-nos consumir o produto e a ela mesma.

O espaço midiático é habitado, além de outros, por co-enunciadores dessa cultura (de mídia) onde a publicidade figura com a tarefa de trazer artifícios, apresentando quase sempre situações com perfeitos resultados e soluções para os problemas. Sua característica física atual resume-se em muitas imagens e pouco texto, evocando sensações de um mundo ideal imaginário e habilitando o telespectador a uma nova sintaxe visual provocadora de desejo e prazer.

Costuma despertar atenção devido a uma construção discursiva baseada em elementos atrativos e persuasivos adequados a um segmento ou público-alvo minuciosamente analisado por meio de pesquisas e estudos do comportamento. Para esta mediação existem vários formatos de anúncios como mídia exterior (cartaz, «banner», «outdoor», metrô, relógio, ônibus, táxis etc), impressa (jornal, revista, panfleto, folheto, cartão, encarte etc), audiovisual (comercial de intervalo, «tie-ins» - espécie de «merchandising» televisivo, «teaser» - chamada, informe publicitário, entre outros). Aqui é importante ressaltar o rápido avanço dos novos suportes de mídia como o celular, o computador, acessórios eletrônicos portáteis («gadgets») etc.

Nas peças publicitárias é comum o direcionamento ao entretenimento. Uma ação de «marketing» atrativa, que atinge o maior número de pessoas em um menor tempo, justifica o investimento massivo em publicidade televisiva e on-line, pois jovens e adultos utilizam esses meios para informação/diversão, um hábito receptivo aos produtos midiáticos elaborados a serviço do consumo.

Os jovens são um «target» (público-alvo) muito procurado pelo «marketing» com suas estratégias de alcance que vão além da publicidade comum. Eles se transformaram em uma unidade de decisão onde seu poder de interferência no consumo familiar ganha cada vez mais atenção por meio de recursos atrativos como grupos de referência objetivando uma identificação por estereótipos e comportamentos adotáveis. Há necessidade de compreender essa identificação gerada no fluxo da comunicação publicitária bem como visualizar o que esse discurso objetiva e quais os subterfúgios utilizados.

Contemplando o universo da psicanálise pelas teorias de Freud e explanações de Maria Rita Kehl, contextualizadas socialmente com as discussões de Stuart Hall e Tomás Tadeu da Silva, além de outros, este artigo pretende fazer uma breve explanação sobre a relação entre publicidade e identidade com o objetivo de compreender alguns dos elementos que constituem a estratégia publicitária direcionada aos jovens. Para isso será feita uma revisão da bibliografia relacionada, associando-a aos tópicos em discussão.


Ideais do eu

Vivemos em grupos sociais e é por meio de relações entre indivíduos que são construídas as referências de comportamento. Freud (1974) teoriza a construção do ideal egóico tomando como base os modelos variados advindos de numerosos grupos. Para ele, cada indivíduo é parte e está ligado a estes grupos por vários vínculos identitários com sentidos diversos. Nesta linha, apresentando o olhar dos outros como espelho de identificação, Maria Rita Kehl ressalta a tentativa de construção de um ‘eu ideal’, porém impossível, uma busca e experimentação diante das inúmeras representações fascinantes surgidas na vida de alguém. “O processo de constituição de um corpo próprio capaz de desenvolver habilidades e talentos prossegue então com as identificações com os corpos imperfeitos dos outros, os 'semelhantes na diferença', mediante as quais o sujeito se liberta do espelho e inaugura a série de empreendimentos pelos quais tentará corresponder aos 'ideais do eu'” (KEHL, 2003: 251).

É assim, uma fascinação constante pelo novo, principalmente quando uma criança chega à adolescência, em que os diversos grupos e instituições se tornam espelhos e também objetos dos quais se quer diferenciar ou aproximar. Mídia, família, escola, amigos, colegas de atividades (vizinhos, esportes, cursos etc) são alguns dos grupos nos quais o jovem se vê e se distingue dos demais. Esses grupos e discursos, por meio de estereótipos, se tornam modelos ideais para representações desse eu em formação ao qual será possível se dirigir.

Os rótulos que atribuímos às pessoas são feitos automaticamente como somatório de constantes modelações que sofremos, contemplando uma busca pelo reconhecimento ou distinção. O ambiente econômico e sua classificação populacional por renda traz novas formas de olhar os outros, reafirmando e implementando novos estereótipos.

    A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com 'outras pessoas' previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua “identidade social” – para usar um termo melhor do que “status social”, já que nele se incluem atributos como “honestidade”, da mesma forma que atributos estruturais, como “ocupação” (GOFFMAN, 1978: 12).

Stuart Hall (2003) reconhece a importância do caráter identitário na formação do sujeito dentro de um universo social e comunicativo. Ele utiliza o termo para significar o ponto de encontro, de sutura entre os discursos e as práticas que tentam nos interpelar, nos falar ou nos convocar para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares. Paralelamente são desenvolvidos processos que produzem subjetividades, nos construindo como sujeitos aos quais se pode falar. Nesse ponto de sutura está todo o percurso do indivíduo enquanto ser vivo, e as práticas midiáticas se estabelecem também como formadoras de identidades e identificações já que permeiam todo o processo social, cultural e discursivo produzindo sentido.

As identificações para Souter (apud HALL, 2003) são aquilo que é arregimentado, consolidado, reduzido, contestado e, ocasionalmente, obrigado a capitular. Elas não são nunca plenamente feitas ao contrário elas são incessantemente reconstituídas, renovadas, assim estão sujeitas à lógica volátil da iterabilidade. Para ele, as identificações “pertencem ao imaginário; elas são esforços fantasmáticos de alinhamento, de lealdade, de coabitações ambíguas e intercorporais. Elas desestabilizam o eu; elas são a sedimentação do 'nós' na constituição de qualquer eu; elas constituem a estruturação presente da alteridade, contida na formulação mesma do eu” (IBIDEM: 130).

O eu nunca é satisfeito, está em busca do possível igual. Ele é o mesmo interpelado pela publicidade com as diversas abordagens comunicativas para percepção mais aguçada e, principalmente, simbólica.


Estímulos simbólicos

Ora, a propaganda constrói um discurso simbólico que nos chama atenção pela reprodução de valores sociais e lúdicos, aproveita as características de seu público e o convoca como adepto, gerando efeitos de sentido(1). Uma marca ganha força quando é prestigiada por indivíduos que tem importante referência para determinados grupos sociais. Um grupo musical representativo, amigos, uma modelo, um ator, uma apresentadora, uma «socialite», um político, um cantor, ou mesmo um personagem ou mascote, conferem «status», endossam determinadas marcas e por isso podem fazê-las mais procuradas. É a tentativa imagética de ser igual aos outros. Assim, uma ação de «marketing», como a publicidade ou um evento, dá ao consumidor condições tanto de identificação quanto de distinção ou exclusão. Uma espécie de voz que diz ‘sim, eu faço parte disso’, ou ‘não, eu não faço parte desse grupo, não compartilho dessa fala’. Com isso, existirá sempre a retroalimentação onde a identificação tem que ser constantemente confirmada através do consumo imagético/hedônico e do produto anunciado.

O grau de atenção para os produtos da mídia de entretenimento é o que Freud (1974) apresenta como estado de fascinação, em que o indivíduo hipnotizado se encontra nas mãos do hipnotizador. Este, por sua vez, se lança de recursos visuais e sonoros para chamar atenção estimulando o imaginário, principalmente do jovem. Um bom exemplo são os inúmeros comerciais produzidos com animações ou em formato de videoclipe, com imagens rápidas e edição no padrão do que hoje se configurou como o padrão MTV – canal televisivo com programação dinâmica que varia entre videoclipes e programas protagonizados por jovens. Recursos visuais como este são resultado de pesquisas de mercado desenvolvidas por analistas do comportamento do consumidor que monitoram o público juvenil ao ponto de identificar alterações perceptivas acerca dos meios de comunicação e dos formatos figurativos essenciais para falar com esse público.

    Os altos níveis de sofisticação visual, adquiridos pelos jovens, permitem aos diretores de televisão e de cinema incorporar, em suas produções, imagens que exigem mais do público. Esse procedimento, que por sua vez ajuda a criar uma audiência, foi descrito pelo crítico Tony Rayns como ‘ritmo hipercinético’. Ele consiste em fazer cortes de uma cena para a outra com tanta rapidez que muitas imagens permanecem na visão por menos de dois segundos. Não se trata de imagem subliminar, mas de imagens que, embora mostradas brevemente, podem ser vistas de forma clara pelo público (LEWIS e BRIDGES, 2004: 139).

A propaganda de uma marca ou produto se favorece dos recursos atrativos, instigantes aos sentidos humanos como a excitação ou relaxamento através de cores, efeitos sonoros, elementos visuais diversos, movimento e o uso da repetição. Assim, um grupo é inclinado em seus extremos podendo ser excitado por estímulos diversos e excessivos. A publicidade sabe e faz isso muito bem, pois seu objetivo é alcançar atenção e até mesmo uma atitude positiva a respeito. Os efeitos decorrentes de todo o fluxo que se configura a comunicação publicitária, partindo de sua criação até sua pulverizada distribuição, são objetos de estudos de recepção em variadas instâncias. Desse modo, é possível falar e cativar a muitos indivíduos. Essa linguagem própria tem poder sobre a mente grupal, com diversos conjuntos de códigos intrínsecos como a palavra, imagem, som, cor, entre outros.

Freud (1974) nos faz lembrar a força e o poder da mídia quando diz que, segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo, a identificação esforça-se por moldar o próprio ego de uma pessoa. Desse modo, os discursos e estereótipos figuram aqui como formas de aceitação e pertencimento social. O poder de representação desses discursos e estereótipos define e determina a identidade e a diferença. A mídia como sistema de poder opera com diversas formas de representação, com isso a publicidade figura como forte impulsionadora de referências e moldes. Para isso lança mão dos recursos persuasivos. Um deles é a repetição. O incessante efeito de repetir enunciados performativos resulta na eficácia produtiva e evoca o aprendizado do telespectador para o universo do produto exposto, uma identificação constante que não pode ser esquecida, somente reformulada.

Pensando nessa constante identificação e reformulação, lembramos Stuart Hall que, ao proferir sua explicação sobre crise da identidade, nos ensina que ela é “vista como parte de um processo mais amplo de mudança que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2001: 7).

É possível dizer que a necessidade de reconhecimento é vital para qualquer ser humano ver-se nos diversos discursos, na publicidade encontrar informações ou sensações parte de seu mundo ‘particular’. E por meio desses estímulos se sentir pertencido, fazendo parte do seu grupo de identificação. Cada classe social, cada sexo, cada faixa etária, cada região tem hábitos de consumo diferentes uns dos outros. Assim, a publicidade desperta desde ideais de imagem até ideais de identificação.


O jovem em transformação

Atualmente vemos uma redução da infância para ampliação do período da adolescência. A criança, estimulada pelo meio em que vive, passa para a fase a adulta, muitas vezes sem viver suas etapas naturais. A mudança pela qual o jovem atravessa, e seu processo de crescimento, estão marcados por rituais estabelecidos socialmente o que demonstra a forma coletiva dessa passagem. Os papéis sociais emergem de modalidades subjetivas complexas e por não saber quem é, o jovem busca referenciais para o processo de construção de uma identidade e se utiliza de diversos modelos. Para contrabalancear as perdas em seu desenvolvimento natural a criança ou o jovem se supre de novas aquisições que podem ser de ordem real ou simbólica.

Além da cada vez mais rápida passagem pela etapa infantil, o jovem se vê diante de um imaginário adulto apregoado pelos meios de comunicação e, especificamente, pela publicidade. Apelos que vão do consumo para ser aceito socialmente até uma maturação sexual precoce, dentro de uma fase do desenvolvimento em que o processo de experimentação é a melhor maneira para encontrar a forma nova do ego. Por isso, alguns estereótipos são emergentes na mídia, como o afastamento de referenciais parentais, a fama de mal que nega tudo, o culto aos ídolos, beber, velocidade, ser radical etc. O jovem em transformação se vê na busca de um ideal que se confunde com o ideal perfeito, de um super-homem que pode fazer tudo. A velocidade apresentada em alguns comerciais de automóveis é sinônimo dessa fase ampliada da vida. E, como supracitado, toda a edição dos comerciais televisivos privilegia o corte rápido de uma imagem para outra de forma bem acelerada. O lado afetivo é trabalhado com imagens e músicas relativas ao convívio com amigos em momentos badalados e divertidos, quase sem problemáticas e longe da realidade cotidiana.

Há um apelo ao consumo jovem e os produtos anunciados precisam apregoar desejos como provar a nova bebida, ter celular do último modelo, tênis moderno, carro veloz, roupas descoladas, realizações libidinais diversas. É uma forma de deixar atônito, dar prazer, a diversão é a pretensão ideal e a principal abordagem publicitária é o entretenimento. Dessa forma vemos jovens em forma de cartaz ambulante ou «jovens cartazes ambulantes».

Além disso, os estudos em psicologia confirmam que jovens se sentem o centro das atenções em relação às pessoas que o cercam. Kail (2004: 460) afirma que “muitos adolescentes sentem que são, na verdade, atores cujo desempenho é observado constantemente pelos colegas, um fenômeno conhecido como «platéia imaginária»”. A par desse tipo de estudo, a publicidade faz referência a uma imagem ideal do jovem perante seu entorno. O jovem retratado pela publicidade é aquele em busca de uma auto-imagem diante da platéia de amigos.


Psicologia e mercado

Aliando as teorias aqui estudadas, percebe-se o uso dos preceitos psicológicos pela publicidade, já que evocam elementos simbólicos e produzem sentido nos indivíduos. Ao ver uma ação publicitária, um jovem se encontra, mas não por completo, pois como visto, isto será sempre realimentado. A busca incessante do eu nunca pára, afinal é impossível constituir-se em único elemento, já que somos o cruzamento de todos estes discursos e práticas. Adolescentes em situações de festa é mote ideal, aliás, está a todo instante nos intervalos da programação e no espaço público. As particularidades apresentadas em ações de «marketing» vêm de estudos desenvolvidos por pesquisadores gerenciais para levantamento de características para a compreensão da personalidade do grupo a ser atingido (mercado-alvo).

    O estudo da personalidade, o conceito do eu e as características psicográficas têm implicações óbvias para a estratégia promocional e do produto. (...) pode-se utilizar a compreensão da personalidade dominante, o conceito do eu e as características psicográficas do mercado-alvo para formular uma estratégia de promoção. Por exemplo, os temas e as mensagens de propaganda e relações públicas podem ser derivados dessa análise. Além disso, a identificação dos traços dominantes do mercado-alvo terá implicações no design do produto. Por exemplo, suponha que o mercado-alvo seja forte em consciência, fraco em necessidade de excitação, em necessidades materiais e fraco em abertura para experiências. Para um fabricante de automóvel, essa combinação de traços sugere desenvolver um veículo seguro, barato, confiável e visivelmente modesto, como o Toyota Camry (MOWEN e MINOR, 2003: 134).

Na perspectiva comportamental associada à personalidade, Mowen e Minor (2003) estruturaram nove dimensões conceituais sobre o eu:

1- Eu Real: a maneira como a pessoa vê a si própria.

2- Eu Ideal: a maneira como a pessoa gostaria de ver a si própria.

3- Eu Social: a maneira como a pessoa acha que os outros a vêem.

4- Eu Social Ideal: a maneira como a pessoa gostaria que os outros a vissem.

5- Eu Esperado: uma auto-imagem que se situa em algum ponto entre o eu real e o eu ideal.

6- Eu Situacional: o conceito do eu de uma pessoa em uma situação específica.

7- Eu Estendido: o conceito do eu da pessoa, incluindo a influência das posses pessoais na imagem de si mesma.

8- Eus Possíveis: aquilo que a pessoa gostaria de tornar-se, poderia vir a ser ou tem medo de vir a ser.

9- Eu Vinculado: à medida em que uma pessoa se define em termos de sua vinculação com outros grupos ou pessoas.

Como vimos anteriormente, a busca pelo eu ideal é diversa, por isso percebe-se que várias instâncias citadas acima se retroalimentam e podem ocorrer simultaneamente. Também é perceptível a sistematização que favorece as classificações desenvolvidas para a atuação mercadológica em segmentos, como neste caso, o jovem.

É sabido que os jovens têm poder aquisitivo, possuem renda para consumir, e o universo econômico se posiciona também para eles oferecendo serviços e produtos que comuniquem suas tendências e comportamentos. Várias marcas trabalham em uma extensa gama de eventos durante o ano para atingir o jovem, como «Motomix», «Claro que é Rock», «Skol Beats», «Planeta Terra», «Nokia Trends» e «Tim Festival». Essas marcas reverenciam o prazer do público jovem patrocinando baladas. A mais recente manifestação no Brasil é o «Circuito Halls» que conta com investimento de R$ 4 milhões disponibilizando degustação de produtos e muita música eletrônica, estilo musical mais consumido por este público. Já a também recente «Häagen-Dazs Mix Music» aproveita o clima de festa, com diferentes estilos musicais e contraste de ambientes, para lançar novos produtos oferecendo gratuitamente «drinks» com sorvete(2), demonstrando que bebida alcoólica é praticamente regra quando o contexto é festa. Neste sentido, “as identidades locais estão sendo remodeladas a partir de matrizes globais” (GARCÍA CANCLINI, 2005: 138), pois os modelos de festas são globais, com música globalmente produzida e consumida. Os jovens urbanos desenvolvem-se como vitrines «glocais» (global e local). Tudo pode ser encontrado em toda a parte.

A respeito da cultura juvenil trabalhada pela mídia e sua participação na cultura de massas, Edgar Morin discute seu caráter funcional, no qual “ela está economicamente integrada na indústria cultural, capitalista, que funciona segundo a lei do mercado. E é, pois, um ramo de um sistema de produção-distribuição-consumo que funciona para toda a sociedade, levando a juventude a consumir produtos materiais e produtos espirituais, incentivando os valores de modernidade, felicidade, lazer (...)” (MORIN, 1999: 139).

Desse modo, percebe-se como as marcas direcionam suas atividades para expressões midiáticas identitárias, sobretudo eventos onde o jovem poderá se encontrar e consumir. E ainda, com bastante antecedência, ele é cercado por anúncios ou videoclipes (principalmente na televisão e internet) lembrando de seu compromisso com todas as festas e eventos pensados exclusivamente para ele e seu grupo de referência.

A influência da publicidade nos jovens é fato comprovado em estudos, como citam Pinsky e Gomide (2004: 54) sobre um estudo elaborado por pesquisadores estadunidenses que “estimou que, entre 1988 e 1998, houve 7,9 milhões de novos experimentadores de tabaco nos Estados Unidos devido à propaganda e às promoções em geral”. As autoras comentam que o mesmo estudo aponta as doenças e mortes causadas pelo cigarro, inclusive associando essas mortes a marcas específicas de cigarro, uma clara explicitação dos efeitos da propaganda. Lembramos que a própria indústria tabagista, mesmo com proibição de publicidade explítica, age patrocinando produtos culturais diversos, como eventos musicais, entre outros.

A publicidade identifica o jovem e se apropria de suas representações sociais influenciando-os a consumir ou experimentar todo o tipo de produto. É o exemplo das festas e eventos que promovem produtos como: cervejas, refrigerantes, chocolates, balas, sorvetes, empresas de telefonia e celulares.


Discussão

Ressaltemos que a cultura jovem é tão bem trabalhada ao consumo (cultura musical, vestuário, «fast food», bebidas, hábitos etc) que se apresenta inclusive estendida ao adulto, demonstrando que além de acelerar o desenvolvimento infantil, faz atrasar a maturidade da idade adulta, fazendo-se presente por mais tempo. São as crianças-jovens e os jovens-adultos. E as marcas acompanham estes fenômenos disponibilizando estímulos em todo espaço urbano.

Mesmo dentro de uma linha criativa voltada às novidades mercadológicas, a publicidade de entretenimento retoma conceitos e disponibiliza modelos pasteurizados pelos produtos anunciados. «Hits» (músicas de grande sucesso) executados internacionalmente, a mesma música em toda parte, até com as mesmas danças, vestimentas, com idênticos rituais de diversão e consumo. Uma fascinação sem fronteiras, uma cultura globalizada para o jovem inconformado.

A transgressão não existe já que a crítica ao que é recebido na televisão ou internet é adiada pela rapidez dos acontecimentos, sejam os dois segundos de cada cena ou na rotina de ser jovem querendo fazer/consumir tudo. A diferença necessária aqui seria a diferença pela crítica, ou seja, jovens mais críticos ao sistema econômico que os cercam com ofertas hedônicas que parecem sempre irresistíveis. Silva (2000) contribui ressaltando o lugar central da representação na teorização contemporânea sobre identidade. Ora, é preciso uma convocação ao questionamento da identidade exposta nessa publicidade de entretenimento, bem como suas formas de representação, além de ser importante a exposição do seu caráter construído e artificial. Para Silva (ibidem) a educação é fomentadora de capacitações críticas e dá oportunidades para jovens e crianças discutirem as formas dominantes de representação.

Assim, percebemos na publicidade um saber imediato e prático sobre o comportamento humano. Ela sabe da busca incessante pelo eu ideal e alimenta essa busca com representações fascinantes, uma capitulação diante de vários estereótipos bem estudados com elementos persuasivos. E todo o escopo é trabalhado para que se assuma seu lugar social ao qual será possível falar e hipnotizar por meio de anúncios e entretenimento.

 
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ELIAS, Norbert. «A sociedade dos indivíduos». Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FREUD, Sigmund. «O mal estar na civilização». Em: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XXI, Rio de Janeiro: Imago, 1974(a).

________. «Psicologia de grupo e análise do ego». [Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos]. Em: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII, Rio de Janeiro: Imago, 1974(b).

GARCÍA-CANCLINI, Néstor. «Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização». Trad. Maurício Santana Dias. 5ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

GOFFMAN, Erving. «Estigma». 2ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.

GOMIDE, Paula Inez Cunha.e PINSKY, Ilana. «A influência da mídia e o uso das drogas na adolescência». In: Pinsky, Ilana; Bessa. Marcos Antonio, eds. Adolescência e drogas. Contexto; 2004, p. 54–67.

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KAIL, Robert V. «A criança». São Paulo: Prentice Hall, 2004.

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SILVA, Tomaz Tadeu da. «A produção social da identidade e da diferença». IN: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). «Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais». Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

 
(1) Milton José Pinto (2002:18) comenta o que os analistas chamam hoje de efeitos de sentido, “os chamados argumentos éticos e patéticos, que se destinam a capturar a aprovação do público pelo lado emocional, criando imagens simpáticas e empáticas do orador e de seu público, respectivamente, no interior dos textos”.

(2) Informações extraídas do «site» Meio e Mensagem, em 17 de julho de 2008.

 
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