Artigo | edição 4 | Janeiro-Abril de 2009 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Publicidade e representações sociais no contexto da midiatização |
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A proposta deste trabalho é discutir a publicidade como um campo de identificações no contexto da midiatização. Acreditamos que é através das representações sociais presentes nas campanhas que a publicidade pode organizar sentidos que vão orientar estas identificações. Dessa forma, buscamos mostrar como a publicidade se relaciona com a criação dessa nova ambiência social que é a sociedade midiatizada. Com o objetivo de refletir sobre o tema, o texto foi estruturado em três partes. Na primeira, conceituamos midiatização e a relacionamos à publicidade. Na segunda parte, buscamos o conceito de representações sociais e tentamos desvelar algumas de suas imbricações coma a comunicação. Enfim, na terceira, analisamos a publicidade como um sistema simbólico que veicula representações e assim, produz identificações no contexto da midiatização.
Midiatização
A sociedade contemporânea encontra-se regida por uma certa virtualização das relações humanas. Isto está presente na articulação das tecnologias da comunicação com o funcionamento das instituições e da vida individual. Para Muniz Sodré, a midiatização
A midiatização pode ser tomada como um dispositivo cultural que emerge em um contexto no qual o processo de comunicação é técnica e mercadologicamente redefinido pela informação, ou seja, por um produto que está a serviço do capital. Sodré coloca que o conceito de midiatização não engloba o campo social em sua totalidade, e sim, “o da articulação hibridizante das múltiplas «instituições» (formas relativamente estáveis de relações sociais comprometidas com finalidades humanas globais), com as várias organizações de «mídia»” (SODRÉ, 2002: 24). Para ele, a midiatização é caracterizada por uma tendência a telerrealização ou virtualização das relações humanas que se encontra presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação. O autor faz ainda uma interessante colocação quando fala da existência de um quarto «bios», o «bios» midiático, a partir da classificação feita por Aristóteles em «Ética a Nicômaco» que distingue três gêneros de existência (bios) na Polis: o «bios theoretikos» (vida contemplativa), o «bios politikos» (vida política) e o «bios apolaustikos» (vida prazerosa, vida do corpo). Sendo assim, a midiatização é “um quarto âmbito existencial, onde predomina (muito pouco aristotelicamente) a esfera dos negócios, com uma qualificação cultural própria (a “tecnocultura”)” (SODRÉ, 2002: 25). Este novo bios implica em uma nova qualificação da vida que, para Sodré (2002), é capaz de criar uma eticidade estetizante e vicária onde através das tecnologias de comunicação a mídia se manifesta como poder simultâneo, instantâneo e global. A tecnocultura, que é constituída por mercado e meios de comunicação (o quarto bios) nos coloca frente a
Antônio Fausto Neto (2005) propõe que a nova vida tecno social gerada pela midiatização institui um novo tipo de real que está associado diretamente a novos mecanismos de produção de sentido. “Estes mecanismos produzem e fazem funcionar uma nova forma de sociedade, cujas finalidades são producionais, porém diretamente vinculadas às lógicas dos fluxos e das operações” (FAUSTO NETO, 2005: 03). O pensamento de Jesús Martín-Barbero vai na mesma direção quando afirma que o que a revolução tecnológica introduz em nossas sociedades é um novo modo de relação entre os processos simbólicos e “as formas de produção e distribuição dos bens e serviços: um novo modo de produzir, confusamente associado a um novo modo de comunicar, transforma o conhecimento numa força produtiva direta” (BARBERO, 2006: 54). É importante, neste contexto da midiatização, falarmos sobre a cultura da mídia. Para tanto, trazemos o pensamento de um estudioso no assunto, o autor Douglas Kellner (2006) para quem a cultura da mídia não aborda apenas grandes momentos da experiência contemporânea, mas também oferece material para fantasia e sonho (podemos incluir aqui a publicidade). Segundo o autor,
Diante desse contexto, buscamos analisar como se dão as representações sociais na publicidade neste cenário da midiatização. Nos dizeres de Sodré, “tudo tende a confluir para a imagem publicitária como valor coletivo, o que pode tornar a interpretação cênica da realidade mais importante do que qualquer modo tradicional de representação” (2002: 35). O pensamento de Eneus Trindade e Valdemar Siqueira Filho se liga ao de Muniz Sodré quando os autores colocam que
Assim, entendemos que o papel midiatizador dos meios de comunicação, com suas linguagens como a publicidade, são constitutivos das conjunturas socioculturais contemporâneas.
Representações Sociais
A Teoria das representações sociais, tal como foi desenvolvida por Serge Moscovici, está ligada à Psicologia Social. Segundo Morigi (2004), Moscovici atualizou o conceito sobre as representações coletivas elaborado em 1898 por Émile Durkheim. Dessa forma, o conceito tem origem nas Ciências Sociais, particularmente na Sociologia. Na Psicologia Social, o conceito de representações sociais adquiriu uma importância muito grande. Este conceito alude às formas de familiarização com setores do mundo estranhos a nós, constituíndo-se de “uma série de proposições que possibilita que coisas ou pessoas sejam classificadas, que seus caracteres sejam descritos, seus sentimentos e ações sejam explicados e assim por diante” (MOSCOVICI, 2003: 209). Para Denise Jodelet, Moscovici renovou a análise, insistindo sobre a especificidade dos fenômenos representativos contemporâneos. Com isso, foi possível uma primeira caracterização da representação social. A autora define a representação como “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001: 22). Ainda de acordo com Jodelet, as representações sociais estão sempre em ação na vida social, orientando e organizando as condutas e as comunicações sociais. Assim, elas devem ser estudadas “integrando a consideração das relações sociais que afetam as representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas têm de intervir” (JODELET, 2001: 26). Para Moscovici (2001), o indivíduo sofre pressão das representações dominantes na sociedade e é nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos. Essas representações diferem de acordo com a sociedade em que nascem e são moldados. Em «The Work of Representation» (1997), Stuart Hall explica que existem três abordagens que determinam como funcionam as representações sociais. Para a primeira, a abordagem reflexiva, o significado está no objeto, pessoa, idéia ou evento do mundo real e a linguagem funciona como um espelho que reflete o verdadeiro significado, sendo que este já existe no mundo. Já a segunda, a abordagem intencional, diz que é o autor (a) que impõe ao mundo, através da linguagem seu significado único. Para Hall a abordagem intencional é problemática, já que “não podemos ser exclusivamente a única fonte de significados de uma linguagem, uma vez que isto significaria que poderíamos nos expressar em linguagens inteiramente particulares” (HALL, 1997: 25). A terceira abordagem é a construcionista ou construtivista, para a qual não devemos confundir o mundo material, onde as coisas e as pessoas existem; e, o mundo dos símbolos, através dos quais funcionam a representação, o significado e a língua. E é a terceira abordagem que interessa ao nosso trabalho, pois para ela
Sendo assim, os atores sociais vão utilizar um sistema cultural e lingüístico para construir os significados. A representação é então uma prática “que usa objetos e efeitos materiais, mas o significado depende não da qualidade material do signo, mas de sua função simbólica” (HALL, 1997: 25-26). Jodelet afirma que “as representações sociais circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas” (JODELET 2001, p. 17). Essa informação é complementada por Semin (2001), quando descreve que elas são entidades quase tangíveis, pois circundam, entrecruzam e cristalizam-se sem cessar por meio de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. Segundo Semin (2001), a maioria das relações sociais estabelecidas, dos objetos produzidos ou consumidos e das comunicações trocadas está impregnada de representações. Para Sandra Jovchelovitch e Pedrinho Guareschi (1995) a construção da significação simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo. Tanto a cognição como os afetos que estão presentes nas representações sociais encontram sua base na realidade social. As representações permitem a existência de símbolos, pedaços da realidade social mobilizados pela atividade criadora de sujeitos sociais para dar sentido e forma as circunstâncias em que eles se encontram. De acordo com Jovchelovitch (1995), enquanto fenômeno psicossocial, as representações sociais estão necessariamente radicadas no espaço público e nos processos através dos quais o ser humano desenvolve uma identidade, cria símbolos e se abre para a diversidade de um mundo de Outros. Em um interessante trabalho, o pesquisador Murilo Cesar Soares (2007) revisa o conceito de representações e o coloca como uma referência primordial nos trabalhos analíticos sobre a cultura midiática. Para o autor, aparentemente, nas análises da comunicação midiática, “o objeto mais freqüente são as representações que aparecem sob a forma de encenação sobre pessoas, processos, estados, o que destaca a importância das formas analógicas, narrativas ou descritivas para a representação” (SOARES, 2007: 02). Mas, mais importante ainda é o debate que o autor suscita ao contrastar representação e comunicação enquanto processos.
De acordo com esta proposição está o dizer de Valdir Morigi para quem ao relacionarmos as representações sociais com a comunicação temos um instrumento cultural que “age nas mediações do processo das identidades culturais, da sociabilidade, da memória social e das práticas políticas, sociais e culturais” (2004: 13). Ainda conforme o autor, as representações sociais disseminadas pelos meios de comunicação, passam a se constituírem realidades, as quais vêm a integrar o perfil da opinião pública em forma de discurso da atualidade, tornando-se parte do senso-comum. Kathryn Woodward (2000) afirma que a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos.
Publicidade e representações sociais no contexto da midiatização
A publicidade pode ser vista como uma forma simbólica, transmitida culturalmente pelos meios de comunicação. Ao analisá-la como sistema simbólico utilizamos o enunciado por Elisa Piedras, para quem “ela se dedica a divulgar e promover a venda de outros sistemas e, através de suas campanhas e dos produtos que anuncia, opera a construção social das identidades, a partir das representações veiculadas” (PIEDRAS, 2004: 03). Em outro ensaio, a autora também aborda a publicidade e seu imbricamento com a cultura.
Assim, é importante que a publicidade não seja vista somente do ponto de vista mercadológico. Sua importância social, cultural e simbólica também deve ser considerada. Para Édison Gastaldo, além de ter sua finalidade comercial explícita, a publicidade vende ideologia, estereótipos e preconceitos e, ainda “forja-se um discurso que colabora na construção de uma versão hegemônica da realidade, legitimando uma dada configuração de forças no interior da sociedade” (GASTALDO, 2001: 07-08). Segundo o autor, a publicidade dispõe de um certo espaço/tempo para otimizar os seus efeitos, assim “freqüentemente recorre à utilização de uma representação articulada com outras representações já existentes e culturalmente reconhecidas, otimizando a relação custo interpretativo/benefício cognitivo” (GASTALDO, 2002: 74). Neste sentido, a publicidade pode ser vista como um lugar onde o sistema se reifica. Nilda Jacks confirma essa idéia quando diz que é vital para a publicidade “trabalhar com os valores e elementos constitutivos do sistema, sem os quais ela não realiza sua interação social” (JACKS, 2003: 124). É por isso que ela representa a sociedade em que está inserida, através de suas representações simbólicas. Para o autor Douglas Kellner a propaganda vende estilos de vida e identidades socialmente desejáveis e “os publicitários utilizam construtos simbólicos, com os quais o consumidor é convidado a identificar-se para tentar induzi-lo a usar o produto anunciado” (KELLNER, 2001: 324). Ainda de acordo com Kellner
A publicidade ajuda a construir um complexo conjunto de representações que expressa identidades, diferenças, subjetividades, projetos, relações, comportamento, além de definir capitais sociais. É neste contexto que os indivíduos vão encontrar os meios para a satisfação de seus desejos e necessidades, já que as mensagens publicitárias veiculam representações dos imaginários e memórias coletivas. Conforme Everardo Rocha, “a mensagem tem que falar a nossa língua, seus habitantes, no mais das vezes, se parecem fisicamente conosco ou pelo menos com alguns de nós” (ROCHA, 1995: 194). Além disso, deve possuir o nosso padrão de comportamento, estilo de vestuário, habitação, arte, tecnologia, lazer, usar os mesmos objetos, definir as mesmas práticas do sexo, da culinária, do mobiliário, da espacialização e da organização das cidades. Ainda sobre as mensagens, Jacks comenta que é imprescindível que elas tenham como suporte “elementos lingüísticos e culturais que pertençam a um código comum à grande parte da população ou do segmento-alvo” (JACKS, 2003: 93). Desse modo, a publicidade produz um mundo idealizado, com base nas relações concretas de vida dos atores sociais, e atende as necessidades do público-alvo. Segundo Rocha,
Os anúncios humanizam e individualizam cada produto, tornando-o um objeto que convive e intervém no universo humano. Eles projetam uma maneira de ser, uma realidade, uma representação das necessidades humanas que inserem o produto na vida cotidiana. Dessa forma, a veiculação de representações sociais nos anúncios pode contribuir para produção/reprodução de identidades mediadas, neste caso, por padrões de consumo. Ao analisarmos como a publicidade produz identificações no espaço midiatizado não podemos deixar de falar dos publicitários. Estes se apropriam de elementos culturais, codificando-os, atribuindo-lhes novos significados e relacionando-os àquilo que está sendo anunciado. E o público, no momento da recepção, reconstrói esses significados através de interpretações cultural e historicamente identificadas. Os publicitários são representantes do cenário da midiatização, tanto em termos econômicos quanto ideológicos, já que além de vender produtos e serviços vendem também conceitos, valores e estilos de vida. Segundo Piedras,
Neste contexto, podemos inserir o pensamento de Everardo Rocha (1995), para quem a publicidade é uma espécie de “cola” do sistema e tudo que está na mídia é entretecido pelos anúncios. Ao falar de publicidade o autor diz que é através dela que tudo vem a se ligar com tudo e, “é ela que irrompe nas páginas dos jornais e revistas, nas vozes do rádio ou nas imagens das televisões de maneira inapelável, como que enfatizando o lugar de fato e de direito que dispõe por costurar todo o sistema” (ROCHA, 1995: 42). No entanto, é importante não vermos a publicidade somente do seu ponto de vista mercadológico (como já foi dito). De acordo com esta proposição, estão os dizeres de Piedras.
Dessa forma, vemos que a publicidade pode ser constituída por formas sociais já institucionalizadas e, ao mesmo tempo, constituir novos valores e ações sociais. Assim, ela é muito mais que um processo comunicacional condicionado por uma estrutura social e histórica (no caso deste ensaio o contexto da midiatização). A publicidade é, na verdade, um sistema que articula sua produção com as práticas cotidianas do sujeito e, com essa estrutura mais ampla.
Considerações finais
No contexto da midiatização temos a mídia como uma das principais responsáveis pelos processos de interação social e também de construção de subjetividades. Este poder da mídia é exercido simbolicamente através de seus meios e mensagens, entre os quais destacamos a publicidade. Acreditamos que é através das representações que a publicidade exerce o poder de sistema simbólico, isto é, produz um campo de identificações. As representações fazem parte de um ambiente social e cultural onde se dão pensamentos e ações dos seres humanos. Dessa forma, podemos ver a publicidade agindo como um campo de identificações no espaço midiatizado, já que ela põe em relação identidades, grupos e representações coletivas. Assim, não podemos analisá-la somente no seu contexto mercadológico, mas também pelos valores e sentidos que transmite e organiza nesta nova ambiência social que é a midiatização.
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