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Por quanto tempo se pode contemplar outra pessoa?


A pergunta contida no nome do espetáculo pode nos oferecer uma leitura diferenciada daquilo que os dois atores nos apresentam em seu trajeto cênico. Durante uma hora, nos deparamos com vários exercícios teatrais que se constituem num campo que está para além da interpretação; o espaço cênico proposto é espaço de diálogo de pensamentos, isto ocorre a partir da urdidura de idéias e elementos memoriais compartilhados com o público. Dois atores não são apenas dois atores, são também – como esquecer? – duas pessoas com histórias pessoais que transbordam sua vivência para a cena, concretizando através de imagens poéticas o intercruzamento de textos pessoais e de obras de autores como Carlos Drummond de Andrade, Susan Sontag e Miranda July.

Por quanto tempo se pode contemplar uma pessoa? Estamos falando de tempo objetivo, como os 60 minutos nos quais a peça se realiza, ou do tempo dilatado vivido por cada um dos atores? O espetáculo aponta uma possibilidade cênica de prática do trabalho do ator em seu universo de construção e ficcionalização de referências pessoais através da ação teatral e suas poéticas de compartilhamento. Estas referências assumem nuances de irradiação plural, ou seja, atingem um patamar de linguagem comunicável, de modo que a matéria trazida do universo particular de cada um dos participantes do espetáculo, transfere-se do plano da apreensão subjetiva para o plano da apreensão ficcionalizada, passível de leitura e ressignificação pública.

O que chama bastante atenção no espetáculo é este mapeamento da construção do ator e as questões que dele se evolam: de onde parte o princípio? Qual a fronteira entre ator, persona e personagem? Em quais instâncias é permitido deixar a própria história ocupar, em sua forma bruta e original, a cena? Em que medida ela não exige, para ser revelada, uma configuração metafórica? As questões são intuitivamente desenhadas sem perspectiva de resposta, o grande desafio do espetáculo é o despertar da busca e não de sua compreensão.

No jogo-cena, por exemplo, no qual fotos antigas dos atores e imagens aleatórias ficam dispostos em cena emoldurados por porta-retratos, a composição narrativa e a relação entre depoimento real construção criativa são um dos pilares da ação e apresentam ao público uma perspectiva da cena tornando-se intrínseca ao processo de desenvolvimento das personas em cena. Um dos atores faz uma análise narrativa sobre a foto e em seguida, em uma nova rodada do jogo, o outro ator realiza uma segunda análise narrativa – muitas vezes fantástica ou fabular – sobre a mesma fotografia, de modo a colocar frente a frente o real e o imaginário sob a perspectiva dos dois propositores, num tom de improviso recém-ensaiado. Este momento do espetáculo torna-se relevante na medida em que desvela por completo procedimentos e escolhas realizados durante a elaboração do espetáculo, é possível deslocar o espetáculo em tom de objeto concluído para um ensaio aberto, no qual ainda existe a primeira aposta cênica e o artesanato das escolhas que surgem palpavelmente em cena, ou apenas permeiam o espetáculo como inspiração ou mote inicial de criação.

Paloma Franca

para ver o teaser do espetáculo, clique aqui!

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