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TEATRO PÓS-TRAUMA

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    O Brasil parece emergir do inferno institucional que atravessou nos últimos anos. Ferido de guerra em suas bases cívicas – a educação, a saúde, a ciência e a cultura –, retoma o prumo e avança na reconstituição dos tecidos rotos, no resgate das esperanças e no planejamento de um novo ciclo, quiçá mais virtuoso e construtivo. No caso do teatro, um dos mais atingidos pela fúria da extrema direita (como acontecido na ditadura militar), cabe mobilizar esforços no enfrentamento dos desafios que se colocam historicamente. Há que prospectar o desmonte de um projeto vitorioso nas duas últimas décadas, que gerou uma bonança criativa expressa na produção de várias dezenas de grupos e processos no país inteiro, fruto de uma geração balizada pela Constituição de 1988 e comprometida com a democracia.

    De fato, nas três últimas décadas, o teatro brasileiro dialogou com a teatralidade contemporânea em nível planetário, e aproximou-se das urgências sociais e políticas de um país ainda muito desigual e injusto. Mas se esta pujança reverberou na proliferação de programas de pós-graduação e graduação em artes cênicas nas universidades públicas e em escolas particulares, não conseguiu ampliar o público espectador de teatro no país, cada vez menor e menos acostumado à fruição teatral, como também não constituiu uma política cultural propriamente dita, que equacionasse financiamento, produção e distribuição. Nesse marco zero é fundamental que, ao lado do luto pelo que se perdeu no caminho nesse desvio trágico, haja uma análise objetiva e profunda das políticas e práticas das últimas décadas, tomadas em todas as suas contradições e fragilidades, a fim de criar as bases para um novo ciclo de criação e fortalecimento.

      O TUSP – Teatro da Universidade de São Paulo quer colaborar nesse esforço. O primeiro desses projetos é o Teatro Pós-Trauma, que faz uma amostragem de espetáculos recentes que, em comum, se originaram dentro da Universidade de São Paulo e que tratam verticalmente dos traumas recente do país.

Entre março e junho de 2023 a mostra Teatro Pós-Trauma, que traz à sede do TUSP na capital 3 espetáculos gerados em diferentes âmbitos dentro da USP, que, por distintas miradas, encaram de frente a crise da democracia no Brasil e o horror dos últimos anos. Oresteia.br é um espetáculo da Prezada Companhia de Teatro, formada por alunos da Escola de Arte Dramática, curso técnico que formou várias gerações de atores excepcionais dentro da USP.

Com direção de José Fernando Azevedo, a proposta aqui é uma leitura radical da trilogia de Ésquilo, incorporando também a tragédia de Eurípides Ifigênia em Áulis. O Brasil e as tensões estruturais de um país racista e violento surgem em cena e são crítica e poeticamente dissecados. Assim como a obra de Ésquilo marcou o encontro da Grécia do século V a.C. com a democracia, a montagem escrutina os caminhos e as dificuldades para um país fraturado purgar seus demônios e curar-se da praga autoritária.

Um Memorial para Antígona é o terceiro trabalho do comitê escondido e dá prosseguimento na pesquisa do grupo na lida com documentos em cena. Com direção de Vicente Antunes Ramos, o espetáculo foi gestado na graduação do Departamento de Artes Cênicas da ECA. A peça  parte da tragédia de Sófocles para examinar em detalhes as atas do Congresso brasileiro relativas à lei de anistia que, promulgada em 1979, conciliou o retorno dos exilados com o perdão aos torturadores. Os discursos dos deputados e senadores dos dois partidos operantes à época, ARENA e MDB, são pontuados pelas falas das duas filhas de Édipo, Antígona e Ismene, divididas entre submeter-se ou não ao tio e tirano de Tebas, Creonte, que decidiu impedir o sepultamento do sobrinho Polinices. O debate de Antígona com a irmã imanta as contradições e consequências funestas do apagamento dos crimes da Ditadura.

Verdade é uma peça escrita e encenada por Alexandre Dal Farra a partir de seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da USP. Na tese, Dal Farra revê o ciclo de prosperidade do teatro brasileiro na década de 2010 e apresenta uma primeira versão de Verdade, figuração imaginária dos pensamentos e ações dos generais do Estado Maior Brasileiro. Particularmente projeta a psique do general Heleno, tanto como comandante da missão de paz da ONU no Haiti como enquanto peça influente no atual governo. Com o grupo Tablado de Arruar, Dal Farra perscruta na encenação, com desassombro, os detritos e destroços do lixo autoritário brasileiro. A ascendência dos militares sobre a vida brasileira é, afinal, evocada e exorcizada com humor e sagacidade.

16/3 a 09/4 | oresteia.br | Prezada Companhia de Teatro | dir. José Fernando Azevedo

20/4 a 14/5 | Um Memorial para Antígona | comitê escondido | dir. Vicente Antunes Ramos

25/5 a 18/6 | Verdade | Tablado de Arruar | dir. Alexandre dal Farra

 

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