Imagine-se entrando em uma máquina do tempo e voltando para o ano de 1989.
É essa sensação que o espetáculo do Coletivo Cê quer provocar no público durante exatos 60 minutos, numa combinação de nostalgia e reflexão acerca dos acontecimentos que fizeram desse ano um ano histórico. O espetáculo, selecionado por edital, fica em cartaz aqui no TUSP entre 25 de agosto e 24 de setembro de 2023.
1989 acompanha o cotidiano de uma típica família interiorana naquele ano, em frente à televisão, durante a primeira eleição direta para presidente após a ditadura militar. Através da programação original da época, que conduz a trama, a peça propõe um mergulho lúdico no tempo para refletir sobre os dias atuais.
“Após uma pesquisa sobre os principais acontecimentos políticos da história do Brasil chegamos ao ano de 1989. Um ano difícil de passar despercebido por nossos olhos, em que víamos um Brasil e um mundo esperançosos por mudanças na década de 90 que viria. Foi o ano em que voltamos a ser um país ‘democrático’. Após 21 anos de ditadura e 8 anos de voto indireto o brasileiro escolheria o novo presidente da república. As consequências dessa escolha já sabemos qual foi”, relata o encenador do espetáculo Julio Cesar Mello.
A pesquisa para o trabalho teve início em outubro de 2016, tendo por ponto de partida mais uma vez o Bairro da Chave, em Votorantim/SP, lugar que já foi sede do grupo entre 2010 e 2015 e fonte de pesquisa para os espetáculos Desmedida (2013) e Cunhãntã (2014). “Queríamos entender desta vez como a arquitetura proposta pelas casas geminadas, da pequena vila operária, com as portas para a rua, refletiam nas subjetividades daqueles sujeitos. Percebemos durante a pesquisa, caminhando pelas ruas que a televisão era o único objeto presente em todas as casas, e o mais curioso, na maioria delas a mesma ficava de frente para a rua. Chegamos então ao enredo do espetáculo: uma televisão que conta os principais acontecimentos de 1989 a partir de recortes da sua própria programação”, comenta Mello.
A televisão é o personagem principal do espetáculo. Para o ator Hércules Soares, esta “era a principal fonte de informação da família brasileira nas décadas de 80 e 90, onde o zapear era um convite ao ‘mundo’ que a TV oferecia. Daí, muitas histórias e subjetividades que hoje fazem parte do nosso dia a dia foram inauguradas a partir da relação do indivíduo com o zapear. Atribuir a TV a narração deste trabalho é como olhar para o oco das experiências construídas nas últimas décadas.”
Um dos maiores desafios desse espetáculo, segundo a atriz Eliane Ribeiro, foi a construção física das personagens: “partimos do estudo sobre máscaras teatrais e manipulação de bonecos e queríamos que as figuras em cena parecessem grandes bonecos manipulados por fios invisíveis. Por muitos anos trabalhei com teatro de bonecos com Jaime Pinheiro, que assina a cenografia deste trabalho, e essa experiência pode nos auxiliar na construção físicas das personagens.”
Além deles, o trabalho contou com o olhar do bailarino e crítico de dança Thiago Alixandre, integrante do coletivo o12 que assinou a “gramática gestual” do espetáculo.
A proposta cenográfica do trabalho foi pensada para que o espectador se sentisse dentro de uma casa de família do bairro da Chave em 1989. Executada pelas mãos do premiado cenógrafo Jaime Pinheiro a cenografia da casa foi construída meses antes do espetáculo ficar pronto: “diferente dos outros espetáculos, neste precisávamos do cenário para podermos construir a dramaturgia da cena, que é toda focada no gesto das personagens e nas reações diante da TV”, explica Mello. Os figurinos ficaram por conta de Felipe Cruz, figurinista e carnavalesco sorocabano. A caracterização por meio de roupas originais e réplicas, somados aos penteados e acessórios, reforçam a atmosfera “oitentista” e permite ao público reconhecer facilmente os estereótipos e arquétipos abordados na obra.
O maquiador responsável pela concepção e execução, Samuel Alix, captura a essência das personagens e transmite a mensagem da peça com expressões exageradas e marcantes. A maquiagem é uma representação simbólica da família controlada pela televisão: “A máscara expressiva serve para refletirmos sobre a artificialidade da imagem e a maneira como nos conformamos aos padrões impostos pela mídia”, comenta.
A sonoplastia, que desempenha ainda o papel de dramaturgia sonora, é também assinada por Julio Cesar Mello, em uma fusão de sons e vozes que busca uma experiência sensorial imersiva. A compilação de áudios do ano de 1989 nos leva de volta àquele tempo específico: “O palco é dominado por uma presença onipotente: a tevê. Ela é a única que fala durante a peça inteira. Os áudios que saem dela criam uma atmosfera nostálgica e, ao mesmo tempo, nos confrontam com as questões universais que permeiam as relações humanas e a sociedade até os dias de hoje”.
DIREÇÃO E DRAMATURGIA: Julio Cesar Mello | ELENCO: Bruna Moscatelli, Eliane Ribeiro, Hércules Soares e Julio Cesar Mello | ATORES-CRIADORES: Giuliana Bona, Eliane Ribeiro, Hércules Soares e Julio Cesar Mello | CENOGRAFIA: Jaime Pinheiro | FIGURINO: Felipe Cruz | MAQUIAGEM: Samuel Alix | ILUMINAÇÃO: Maurício Matos Caetano | GRAMÁTICA GESTUAL: Thiago Alixandre | PRODUÇÃO: Bruna Moscatelli e Alber Sena | FOTOGRAFIA: Bruno Ducatti e João Maria Silva Júnior | FETESP, Conservatório de Tatuí CENOTÉCNICO: Alexandre Malhone | OPERADOR DE SOM E LUZ: Maurício Matos Caetano, Felipe Cruz | AGRADECIMENTOS: Andressa Moreira, Prefeitura Municipal de Votorantim, TATU Escola de Teatro, Conservatório de Tatuí, Alber Sena.
Sobre o Coletivo
O Coletivo Cê é um grupo de artistas profissionais que possui uma trajetória de quatorze anos. Ao longo desse período, o coletivo criou espetáculos e filmes autorais, que foram contemplados por editais públicos e premiados em festivais. Além disso, realizam também cursos de formação teatral, saraus, cineclubes e outras atividades em parcerias com entidades públicas e privadas.
O nome “Cê” reflete a transformação da língua portuguesa em sua utilização oral. A partir da expressão “vossa mercê” que evoluiu para “vosmecê” e posteriormente se tornou “você”, o termo simplificado “cê” surgiu. Essa palavra é amplamente utilizada, especialmente no interior de São Paulo, onde o coletivo fincou sua morada. Essa simples palavra carrega consigo a força de seu significado, relacionado à intimidade e verdade com o espaço e com o outro.
O Coletivo Cê busca confrontar suas próprias urgências e revelar as lacunas existentes em sua relação com a história pessoal e coletiva. É através desse confronto que seu trabalho ganha forma e se desenvolve, buscando uma nova temporalidade e descobrindo maneiras de ser e existir no mundo por meio da arte. Através dessa abordagem, o coletivo encontra um espaço para florescer, cultivando um diálogo íntimo e verdadeiro com o público e com sua própria identidade artística.
1989 | 25 de agosto a 24 de setembro de 2023 | sextas e sábados, 20h; domingos, 19h | 60 min | 14 anos
Ingressos a R$40/20, na bilheteria 1h antes de cada apresentação ou online via Sympla.
TUSP | R. Maria Antônia, 294 – V. Buarque, São Paulo, SP | Metrô Higienópolis-Mackenzie