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Em sua 23a edição, o Programa TUSP de Leituras Públicas propõe, a cada ciclo, a leitura de peças teatrais pelos participantes, a partir de recortes temáticos e autores selecionados. Trata-se de uma experiência participativa de plateia que vai além do espectador pontual, buscando um público intergeracional que acompanha continuamente os ciclos. Desde seu início em 2009, o programa teve desdobramentos e parcerias diversas, nacionais e internacionais.

Na retomada presencial das Leituras, uma vez mais em parceria com o Centro Maria Antonia, propomos em 2022 um ciclo de nove dos textos encenados pelo TENSP, o Teatro Experimental do Negro de São Paulo, no período entre 1945 e 1963. Vem ler com a gente!

APRESENTAÇÃO DO CICLO, por William S. Santos Grada Kilomba, no prefácio ao livro Pele Negra, Máscaras Brancas, de Frantz Fanon, escreve sobre o que ela chama de “princípio da ausência”, no qual algo que existe é tornado ausente, e aponta esse processo como uma das bases do racismo. Os grupos de teatro(s) negro(s) existem e existiram no Brasil, mas são ausentes, e por isso deixam de ter existência real. Este XXIII Ciclo do Programa TUSP de Leituras Públicas, dedicadas às obras do Teatro Experimental do Negro de São Paulo se reconhece como ato público que, ao desobedecer a esse “princípio da ausência”, contribui para o TENSP viver na (re)existência.

O Teatro Experimental do Negro de São Paulo (TENSP) foi um grupo teatral amador que atuou na capital entre 1945 e 1963. Em uma das experiências mais longevas de teatro amador e de teatro negro paulista, apresentou cerca de vinte peças, diversos recitais de poesias e animou numerosas atividades políticas – sendo fundador da importante Associação Cultural do Negro (ACN). Apesar dessa ampla e diversa atividade cultural e política, a trajetória do TENSP é praticamente desconhecida  e ainda não foi objeto de pesquisa acadêmica.

O TENSP nasceu como uma seção do Teatro Experimental do Negro do Rio de Janeiro liderado por Abdias Nascimento, no entanto logo seguiu caminho próprio. Criado pelo professor e jornalista Geraldo Campos de Oliveira, amigo de infância de Abdias, tinha entre seus objetivos iniciais: 1) elevar o padrão de cultura do afro-brasileiro; 2) ser uma escola de formação de artistas da cena negros; 3) Combater a prática habitual de personagens negras interpretadas por atores brancos com rosto coberto de tinta preta; 4) Criar peças em que a vida do negro, seus dramas e suas tragédias fossem ponto central para uma nova dramaturgia.

Mais de cinquenta pessoas passaram pelo TENSP, formando toda uma geração de artistas negros, que seguiram trajetória em diversas outras companhias e em carreiras no cinema e televisão. Cabe destaque aos diretores Geraldo Campos de Oliveira (também tradutor), Dalmo Ferreira e Raul Martins (os dois últimos também atores); às atrizes e atores Jacira Sampaio, Áurea Campos, Cynthia Bastos, Nair Araújo, Samuel dos Santos, Gentil de Oliveira, José Francisco e Ednardo Pinheiro (também poeta); e ao dramaturgo Milton Gonçalves (mais conhecido por seu trabalho como ator).

A quase totalidade das peças apresentadas pelo TENSP não estão reunidas em livro. Ironicamente, este Ciclo só foi possível devido à censura prévia feita pela Divisão de Diversão Públicas da Secretaria de Segurança Pública do Estado. Nos anos 1980, o artista e pesquisador Miroel Silveira coletou nesse órgão cerca de seis mil peças para sua pesquisa de doutorado, peças e processos que hoje constituem o Arquivo Miroel Silveira, presente no Acervo Público do Estado de São Paulo. Das dezesseis peças nesse Arquivo, coletadas como parte da pesquisa de doutorado em andamento de William Santana Santos, pesquisador-colaborador do atual ciclo, na qual aborda a trajetória do TENSP, nove foram selecionadas para fazer parte da programação do Ciclo, sendo seis delas inéditas do público.

PROGRAMA TUSP DE LEITURAS PÚBLICAS CICLO XXIII: TENSP – O Teatro Experimental do Negro em São Paulo (1945-1963)

04.04 Vigília de Pae João, de Lino Guedes (1945)

11.04 Todos os Filhos de Deus têm Asas, de Eugene O’Neill (1951, trad Ricardo W. de Aguiar)

18.04 O Filho Pródigo, de Lúcio Cardoso (1952)

25.04 Filha Moça, de Augusto Boal (1956) e Onde Está Marcada a Cruz, de Eugene O’Neill (1956, trad. de Abdias do Nascimento)

02.05 João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho (1955)

09.05 O Mulato, de Langston Hughes (1956, trad. Geraldo Campos de Oliveira)

16.05 Sucata, de Milton Gonçalves (1961)

23.05 O Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen (1963,  trad. Jim Colby)

Encontros gratuitos entre 04 de abril a 23 de maio, às segundas-feiras, às 19h30.

(Imagens: “Senzala: Revista Mensal para o Negro” 1-2, SP, 1946.)

 

PROGRAMA

Abertura e 1ª leitura pública (04 de abril) | Vigília de Pae João, de Lino Guedes (1945)

Poema Dramático escrito por Lino Guedes em 1938, escolhido para a estreia do TENSP nos palcos em 1945, a peça chegou a ser ensaiada, mas não foi encenada. Vigília de Pae João é a história de um plano de fuga arquitetado por escravizados numa fazenda em São Paulo. Pai João, por ser o mais velho e mais experiente (foi um fugitivo na juventude), ensina seus pares de senzala como planejar a escapada, misturando artifícios místicos com um roteiro de memória rumo à liberdade.

Com Mário Medeiros, William Santana Santos e Dilson Rufino

Mário Medeiros nasceu em São Paulo (SP). É doutor em sociologia pela Unicamp e docente na instituição. Pela Ed. Malê, publicou o livro de contos Gosto de Amora, finalista do Jabuti em 2020. Em 2017 foi também finalista do Prêmio Sesc de Literatura. Recebeu em 2013 o Prêmio para Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa, do Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra.

William Santana Santos nasceu em Fátima (BA). Tem bacharelado em ciências sociais (2016), mestrado em sociologia (2020) e é atual doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela USP. É membro do Núcleo de Sociologia da Cultura da USP.

Dilson Rufino é orientador de arte dramática do TUSP no campus de Ribeirão Preto, formado em Artes Cênicas pela USJT, doutorando pela USP e Especialista em Pedagogia do Teatro e da Dança pela USC. Como pesquisador tem por foco as interfaces entre teatro e educação, história do teatro e dramaturgia.

 2ª leitura pública (11 de abril) | Todos os filhos de Deus têm asas, de Eugene O’Neill / trad. Ricardo W. de Aguiar (1951)

Escrita em 1924 e traduzida por Ricardo Werneck de Aguiar, a peça de estreia do TENSP nos palcos paulistanos, seis anos após sua fundação, se passa em um bairro negro de NY e trata do drama de Jim Harris em ser admitido no exame para se tornar um advogado em meio a um relacionamento conturbado com uma mulher branca.

Com Sidnei Barreto Nogueira, pensador preto decolonial, é babalorixá da CCRIAS; mestre e doutor em semiótica e linguística geral pela USP, com estágio doutoral na CNRS- LLACAN. FR. Diretor e professor do Instituto Livre de Estudos Avançados em Religiões Afro-brasileiras; Escritor de “Coisas do Povo do Santo” (SRS – editora, 2011) e “Intolerância Religiosa” (Coleção Feminismos Plurais, 2020).

3ª leitura pública (18 de abril) | O filho pródigo, de Lúcio Cardoso (1952)

Sinopse: Peça escrita em 1947 por Lúcio Cardoso especialmente para o Teatro Experimental do Negro do Rio de Janeiro, cinco anos depois estreou nos palcos paulistanos com o TENSP. A peça é uma adaptação da parábola bíblica e se passa entre uma família de negros camponeses que jamais vira pessoas de outra cor até que Assur – o filho pródigo – encantado por uma peregrina, abandona sua casa para conhecer o mundo.

Com Janette Santiago e Xyko Peres 

Janette Santiago é atriz, artista da dança, educadora, orientadora corporal e tem extensa experiência em teatro infantil como manipuladora de bonecos. Foi professora no programa de formação em dança na Escola de Dança de São Paulo e no projeto Fábricas de Cultura.Desde 2020 faz parte do corpo docente da Escola Livre de Teatro de Santo André.Como orientadora corporal trabalhou com a Cia. Os Crespos, a Velha Companhia, Cia.Persi, entre outras. Atualmente é professora da Escola Livre de Dança de Santo André.

Xyko Peres é orientador de arte dramática do TUSP no campus de Bauru, bacharel e mestre em Práticas Teatrais pela USP. Atua na área de Artes, com ênfase em trabalhos corporais e tecnológicos, desenvolvendo pesquisas no campo corporal, metalinguagem, intersecções literárias, processos colaborativos e multimídia.

 4ª  leitura pública (25 de abril) | Filha Moça, de Augusto Boal (1956), e Onde Está Marcada a Cruz, de Eugene O’Neill / Tradução de Abdias do Nascimento (1956)

Augusto Boal foi o dramaturgo que mais colaborou com o TENSP, escrevendo três peças para o grupo. Filha moça sofreu problemas com a censura e chegou a ser impugnada. Peça de um ato, trata de maneira cômica os conflitos familiares – como  choque de gerações, adultério e violência doméstica – em uma casa de subúrbio carioca. “Onde está Marcada a Cruz”, de Eugene O’Neill / trad. Abdias do Nascimento, segunda peça de O’Neill encenada pelo TENSP, escrita em 1918 e traduzida por Abdias, a peça de um ato foi encenada no mesmo programa teatral que Filha Moça. Tem no centro do drama um velho capitão do mar obcecado por um tesouro perdido e que tem de lidar com a descrença e dúvida de seus filhos.

Com Deise de Brito @deise_de_brito, artista da Dança e do Teatro. Namoradeira de quadril. Doutora em Artes ( UNESP). Desenvolve amores- pesquisas referentes a artistas negres a partir de diálogos entre corpo, ancestralidade, memória e arquivo, sendo idealizadora e coordenadora do site “Arquivos de Okan”. Integrante-fundadora do Núcleo Vênus Negra e da Ouvindo Passos Cia de Dança. Professoreia na Escola Municipal de Iniciação Artística de São Paulo.

5ª leitura pública (2 de maio) | João sem terra, de Hermilo Borba Filho (1956)
Peça do TENSP que mais tempo ficou em cartaz, escrita por Hermilo Borba Filho em 1947. De viés expressionista, a peça é ambientada em uma propriedade rural da Zona da Mata de Pernambuco, um engenho de cana de açúcar decadente em função da ascensão das usinas de açúcar, mas sobretudo em detrimento da irracionalidade de seu protagonista, João, que se recusa a cultivar a terra. Sua obsessão é manter a terra virgem, livre da intervenção do homem, no entanto, sua mulher e seu filho não concordam com esse desejo, sendo isso um motim para diversos conflitos.

Com Aline Motta. Nascida em Niterói (RJ), vive e trabalha em São Paulo. Bacharel em comunicação social pela UFRJ e pós-graduada em cinema pela The New School University (NY), combina diferentes técnicas e práticas artísticas, mesclando fotografia, vídeo, instalação, performance, arte sonora, colagem, impressos e materiais têxteis. Sua investigação busca revelar outras corporalidades, criar sentido, ressignificar memórias e elaborar outras formas de existência.

6ª leitura pública (9 de maio) | O mulato, de Langston Hughes / trad. Geraldo Campos de Oliveira (1956)

A peça de Langston Hughes, poeta da Renascença do Harlem, produzida com sucesso na Broadway em 1935, foi traduzida por Geraldo Campos de Oliveira e encenada em São Paulo pelo TENSP no III Festival Paulista de Teatro Amador em 1956, quando ganhou os prêmios de melhor atriz e direção.  O Mulato trata da vida no sul dos Estados Unidos dos anos 1930 em uma fazenda da Geórgia, e centra-se na relação pai-filho entre o coronel Thomas Norwood e seu filho mulato Robert Lewis, relação caracterizada pelo ódio e rejeição um do outro

Com Allan da Rosa, escritor e angoleiro. Integra desde o princípio o movimento de Literatura Periférica de SP e foi editor do selo “Edições Toró”. Historiador, mestre e doutor pela Faculdade de Educação da USP. Na ocupação do Núcleo de Consciência Negra, fez cursinho, foi professor e alfabetizador. Pesquisa e atua em ancestralidade, imaginário e cotidiano negro. Organiza cursos autônomos de estética e política afrobrasileira, já palestrou, recitou, oficinou e debateu em rodas, feiras, universidades, bibliotecas e centros comunitários no Brasil e em Cuba, Moçambique, EUA, Colômbia, Bolívia e Argentina. É autor de “Da Cabula” (Prêmio Nacional de Dramaturgia Negra, 2014), do juvenil “Zagaia”, dos livros-CD “A Calimba e a Flauta” (poesia erótica, com Priscila Preta) e “Mukondo Lírico” (Prêmio Funarte de Arte Negra, 2014), do ensaio “Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem” e outras obras.

 7ª leitura pública (16 de maio) | Sucata, de Milton Gonçalves (1961)

Escrita especialmente para o TENSP e única peça feita por um dramaturgo negro brasileiro para o grupo, Sucata mostra outra faceta de Milton Gonçalves, mais reconhecido por seu trabalho de ator. Retrata a trajetória e o cotidiano de uma família negra na São Paulo do meio do séc. XX – um pai, que serviu na “revolução constitucionalista”, e o conflito entre dois filhos, um envolvido no tráfico de drogas, o outro em busca de ascensão social pelos estudos.

Com Sergio Vaz, poeta, escritor, agitador cultural, idealizador da Semana de Arte Moderna da Periferia, fundador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) e de outros projetos ligados à Cooperativa como, por exemplo, o Sarau da Cooperifa, a Antologia Poética do Sarau da Cooperifa, o CD de poesia da Cooperifa, o Sarau rap, o Cinema na Laje, Café Literário em Taboão da Serra, Poesia no ar, sendo estes alguns dos que ele participa como idealizador, organizador e produtor, além de diversos projetos nos quais ele atua como convidado.

8ª leitura pública (23 de maio) | O Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen / trad.Jim Colby (1963)

Última peça levada aos palcos pelo TENSP e primeira vez em que o clássico de Ibsen, escrito em 1882, foi encenado na cidade de São Paulo – a tradução, adaptação e direção da obra ficou a cargo de James Colby. A adaptação do texto desloca a ação para uma estação de águas do interior do Brasil e mostra a forma como a população da cidade transforma o médico local de um cidadão honrado em um inimigo do povo.

Com José Fernando Peixoto de Azevedo e Raphael Escobar

José Fernando Peixoto de Azevedo é dramaturgo, encenador, diretor de  teatro e cinema, pesquisador, curador, professor na Escola de Arte Dramática (EAD-USP) e atual vice-diretor do TUSP. Seu mais novo trabalho é a elogiada montagem de O Inimigo do Povo, que estreou neste início de 2022.

Raphael Escobar, artista visual e educador de rua, vem por muito tempo lidando com o abismo entre as duas extremidades do sistema.  Indicado ao Prêmio PIPA 2020, desde 2009 atua com educação não formal em contextos de vulnerabilidade social ou disputas políticas, na Fundação CASA, Cracolândia e albergues. Sua pesquisa é pautada pelas relações de classe, e a atuação nesses contextos serve como pesquisa e ativação dos trabalhos que desenvolve.