Está em curso, no Brasil, mais um genocídio indígena, que, diferentemente dos anteriores e sucessivos genocídios dos povos originários perpetrados nas terras das Américas desde a chegada do europeu, feitos em momentos históricos em que pouco ou nada contava a opinião dos outros e, menos ainda, contavam as vidas indígenas, esse, o atual, está acontecendo sob os nossos olhos, ao nosso lado, sob a assistência do mundo, noticiado pela imprensa nacional e estrangeira e com o beneplácito do atual governo – a alcunha de genocida pode ser estendida também pelo descaso em relação ao extermínio dos povos originários. E enquanto ainda nos indignamos com a atuação criminosa do garimpo ilegal nas terras Yanomami, vem a divulgação, pela grande mídia, sobre a invasão dos garimpeiros no rio Madeira. Uma revelação tardia, pois 300 balsas nao aparecem do dia para a noite, e a apenas alguns minutos de voo de Manaus. Há uma dificuldade enorme de se falar sobre certas questões nesse país.
A floresta Amazônica está a ponto de encontrar o seu ponto sem volta, aquele ponto de inflexão em que o desmatamento já atingiu seu ápice e a floresta não terá mais a capacidade de se recuperar. A “savanização” está em curso. A difícil escolha entre ouro e árvore já encontrou a resposta.
Para o homem branco, o “homem das coisas”, como diz Davi Kopenawa Yanomami, a floresta é só mais um espaço a ser ocupado, de preferência pelo gado e pela soja, essa vastidão de terra de ninguém, que precisa ser tomada por algum negócio, para que se transforme em lucro. Nem que para isso tenha que desaparecer a urihi, a terra-floresta, que acolhe sob seus galhos os povos originários que vivem naquele espaço há milênios em permanente harmonia com uma biodiversidade que o homem das coisas jamais conhecerá em sua totalidade, pois vai transformar a uhiri em coisa antes disso.
A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão, e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripê, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão (Davi Kopenawa Yanomami). (https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Yanomami).
A cada dia, os jornais noticiam: “a Amazônia perdeu nesse mês ‘X’ campos de futebol?, para no mês seguinte repetir a informação e assim sucessivamente, até que a populaçã perca a referência de quantos campos de futebol já foram destruídos em extensão na Amazônia nos últimos anos.
A mídia, ao publicar as notícias sobre a devastação da floresta em conta-gotas, faz com que o público perca a dimensão da profundidade do estrago, além de criar em seu imaginário a irreversibilidade do acontecimento, ou de que não há nada a fazer, o fato está dado, criando assim, a normalização do acontecimento. Ao não contextualizar, para o público, o que vem ocorrendo, as correlações entre as forças econômicas e os interesses políticos, a grande mídia transforma a tragédia em personagens sem rostos. Dá invisibilidade aos responsáveis. A decorrência da devastação – aquecimento global, com a substituição da floresta por pastagens de gado, o efeito estufa, tudo parece distante, descontextualizado da realidade pelo senso comum.
Qual o papel do Jornalismo Ambiental nesse contexto?
Uma das editorias que mais se destaca na atualidade é o Jornalismo Ambiental. Falar sobre o meio ambiente na mídia significa, mais do que reportar as constantes agressões ao meio ambiente, também alertar para os desastres iminentes, as decisões políticas diretamente ligadas a eles, além de amparar a formação da opinião pública sobre como a Natureza está intimamente ligada ao nosso bem-estar, assim como à sobrevivência do Planeta. O Jornalismo Ambiental também pode contribuir para mostrar soluções sustentáveis além do nível global e nacional, focando ações regionais e locais, e como aparentes pequenas atos individuais podem gerar impactos positivos em comunidades. E entre essas soluções está o nosso comportamento eco amigável, bem como o de grupos de pessoas, pequenas empresas, agricultores familiares que, através de suas atuações, têm refletido, ecoado, vibrado positivamente o seu entorno. Nesse sentido, a repercussão de seus projetos, invenções, soluções podem ter não só bom acolhimento como causar impacto positivo onde agem, de forma a replicar suas performances e ampliar a conscientização para uma vida mais sustentável, simples, próxima à natureza e por isso mesmo, respeitosa a ela. Nesse contexto, a mídia alternativa, o jornalismo popular e comunitário, ou seja, os veículos que se contrapõem à mídia hegemônica, têm uma função fundamental.
Uma pesquisa sobre projetos sustentáveis ao redor do mundo mostra uma grande atividade nesse sentido. São ideias que se voltam para a humanização das grandes cidades, buscando soluções menos poluidoras, como transportes alternativos, transportes públicos de qualidade, soluções combinadas entre transporte privado e público; pesquisas sobre filtros que controlam melhor a poluição do ar; arborização de ruas, construção de praças e adoção de áreas verdes por comunidades; preservação de reservas naturais; o crescimento dos agricultores voltados à produção orgânica e agroecológica, contra o surto de venenos na alimentação; a arquitetura direcionada para o reaproveitamento de materiais, otimização de espaços e melhor captação da luz natural; o espalhamento dos simpatizantes ao uso da energia renovável, solar e eólica.
Vivemos um momento em que nunca se falou tanto em meio ambiente, justamente porque ele está chegando ao seu limite máximo de exploração, e se a população mundial, de uma maneira ampla, não tomar consciência rapidamente sobre essa questão, estaremos beirando o caos dentro de pouco tempo. O recente encontro da COP 26, mais uma vez, patinou em suas intenções de dar uma chacoalhada no público em geral e de os grandes líderes mundiais tomarem decisões fundamentais.
Sabe-se que por trás de toda essa pressão sobre o meio ambiente está o modelo de vida ocidental, que desde a Revolução Industrial vem criando maneiras cada vez mais agressivas de fazer com que as pessoas consumam além da sua necessidade e até mesmo desejo. O resultado disso é um mundo em que se extrai cada vez mais recursos naturais do planeta sem que nada – ou quase nada – seja reposto, mesmo porque uma quantidade considerável desses recursos é finita e não renovável.
As ações positivas em relação ao meio ambiente, soluções que, além de estarem mais próximas do que se imagina, são possíveis de serem realizadas, são acessíveis e podem ser replicadas sem grandes custos. No entanto, acabam não tendo visibilidade na grande mídia, as ideias não são disseminadas, não ecoam na sociedade com a importância e velocidade que merecem. Temos que mudar o foco. Entender que a natureza somos nós, não uma parte separada dela.
Voltando ao início, à terra-floresta, podemos pensar em alguns fatos, como a relevância de se aprender com os povos originais e com a própria natureza sobre o convívio respeitoso com o nosso entorno, com as pessoas, abraçando a ideia de co-habitar, de co-interagir, de entrelaçar, como as raízes das árvores na floresta, que mais do que a busca por espaço e competição, buscam cooperação no espaço invisível do subsolo. Podemos aprender de que maneira povos que há tempos imemoriais conviveram de forma harmoniosa e respeitosa com o meio que habitam, conseguiram manter intacto o seu meio até a chegada do “homem das coisas”.
A propósito, quantos, no Brasil sabem a quantidade de nações indígenas que há no país hoje? Quantas línguas são faladas no território nacional? Quão diverso é o sistema cultural dessas inúmeras nações? Qual a população dos povos originários na atualidade? Quantos já desapareceram? Você já ouviu o som de uma língua de alguma nação indígena que habita o Brasil?