Para os mais jovens, a frase acima provavelmente não os fará rememorar nada.
Porém, faz parte da música de abertura de um dos mais longevos programas televisivos do Brasil, a revista semanal eletrônica Fantástico, que a partir de 1973, passou a frequentar os lares brasileiros nas noites de domingo. A vinheta que abria o programa mostrava cenas em um ambiente circense, carnavalesco e onírico, levando a imaginar um futuro otimista amparado na tecnologia, em um balé embalado pela música:
Olhe bem, preste atenção: nada na mão nesta também.
Nós temos mágicas para fazer, assim é a vida, olhe para ver.
Milhares de sonhos
São para sonhar, miragens que não se podem contar.
Numa fração de um segundo, qualquer emoção agita o mundo.
Riso! Criado por quem é mestre.
Sexo! Sem ele o mundo não cresce.
Guerra! Para matar e morrer.
Amor! Que ensina a viver.
Um foguete no espaço, num mundo infinito, provando que tudo não passa de um mito.
É Fantástico!
Da idade da pedra ao homem de plástico, o show da vida!
É Fantástico!* (Criado em 1973, teve direção de abertura de Augusto Cesar Vannucci, figurinos de Carlos Sörensen, direção musical de Guto Graça Mello, produção musical de Aloysio de Oliveira e gravado pela orquestra e coral da Globo. A letra do tema do Fantástico foi escrita pelo próprio Boni (https://memoriaglobo.globo.
com/jornalismo/jornalismo-e- telejornais/fantastico/ noticia/aberturas.ghtml).
Naquela época, a tecnologia, impulsionada especialmente na década anterior, proporcionou “milagres”, como as viagens espaciais, o ser humano pisando na Lua, o nascer do mundo cibernético. Todas as novidades do mundo tecnológico tinham, em alguma medida, algum produto de plástico no seu background, pois esse material, barato, acessível, resistente, “fantástico”, servia na medida para todas as façanhas do mundo moderno, industrial, desde os utensílios domésticos até a preparação de produtos que serviriam de apoio para grandes invenções. Apesar da década de 1960 ter testemunhado transformações em diversas áreas, como cultura, política, sociologia, economia, tecnologia, que foram aplaudidas por muitos, alguns perceberam que a cobrança pela corrida desenfreada do ser moderno (o homo plasticus?) em direção ao futuro não tardaria a vir. Uma das pioneiras a denunciar os malefícios para a saúde causados por um produto aclamado pela Revolução Verde – o agrotóxico, ainda hoje chamado de defensivo agrícola no meio agropop, foi a bióloga Rachel Carlson. Seu livro clássico, A primavera silenciosa, apontava, com todos os dados que pôde coletar, como os agrotóxicos estavam envenenando a população através dos alimentos (e hoje, pelo menos no Brasil, a situação é muito pior!). E mais, seus resquícios podiam ser observados inclusive no leite materno.
O paralelo que podemos fazer hoje não é assim tão absurdo, em relação ao plástico. (“O plástico vem das resinas derivadas do petróleo e pertence ao grupo dos polímeros (moléculas muito grandes, com características especiais e variadas). Os plásticos são polímeros produzidos a partir de processos petroquímicos. O PET é um deles, e por ser um material inerte, leve, resistente e transparente, passou a ser utilizado na fabricação de embalagens de bebidas e alimentos no início da década de 1980. Cinco anos depois, cerca de 500 mil toneladas de vasilhames já haviam sido produzidas, somente nos Estados Unidos”. https://www.recicloteca.org.
Cinquenta anos depois, o “homem de plástico” do Fantástico, uma alegoria da modernidade, ressurge na beira do cataclismo ambiental, agora de uma forma nada interessante. No Antropoceno, as atividades humanas interferiram e interferem tanto no ciclo natural do planeta, que os efeitos observados são os piores possíveis. Se as gigantescas ilhas de plástico encontradas no Oceano Pacífico já configuraram um cenário de horror, além da documentação que mostra o estômago de animais marinhos – peixes, tartarugas, aves – repletos de micro plásticos, agora chegou a nossa vez. Pesquisas recentes, uma de 2020, notaram a presença de partículas de plástico em pulmões humanos, e outra, de 2022, encontraram as micropartículas de plástico no sangue humano. (https://noticias.
O uso do plástico no cotidiano está relacionado, através da publicidade, a uma vida livre do trabalho doméstico, em que tudo pode ser descartado, ao invés de lavado e reutilizado, uma ideia que esteve muito em voga no período pós Segunda Guerra, em que as mulheres foram liberadas para o trabalho fora de casa e não tinham mais tempo para os afazeres domésticos. E hoje, a profusão de materiais plásticos na nossa vida é imensa e pior, a grande maioria de produtos desse material que consumimos é de um único uso, como, por exemplo, as garrafinhas ou copos de água que compramos na rua e jogamos fora imediatamente após o consumo. Nas palavras de Marques, “a Idade do Plástico revelou-se ser, na realidade, a Idade do Lixo”. Luiz Marques. Capitalismo e colapso ambiental. Campinas: Unicamp, 2020, p. 206.
E não há nada de fantástico nisso.