Yanomami – um povo em luta pela sobrevivência

As imagens e reportagens dramáticas divulgadas nos últimos dias sobre a situação dos Yanomamis – desnutrição extrema, fome, contaminação, malária e morte de 570 crianças nos últimos 4 anos vítimas de desnutrição – correram o mundo, causando indignação e revolta, porém não surpresa. Há muito que entidades – nacionais e internacionais – ligadas ao meio ambiente, aos estudos dos povos da floresta, aos direitos humanos, e lideranças indígenas estão denunciando o genocídio Yanomami e cobrando atitudes das autoridades.

De acordo com o portal da F. de São Paulo, a situação dos Yanomamis vem se degradando desde a década de 1970, durante o período da ditadura militar, especialmente através do projeto Calha Norte, que incentivava a ocupação da Amazônia. Desde esse período, o agravamento da situação no território Yanomami vinha sendo apontado pela Survival International, uma ONG britânica sediada em Londres, que tentou convencer o governo brasileiro a reconhecer os direitos dos Yanomamis, denunciando a situação à OEA e à ONU. Em 1989 o então senador Severo Gomes (PMDB), com o apoio de Ulysses Guimarães, lançou um movimento pela preservação da Amazônia, pois nessa época a contaminação dos rios da região pelo mercúrio proveniente das ações do garimpo, já era considerado grave. Davi Kopenawa[1] teve um papel importante no processo de demarcação. A Survival International ofereceu a ele um prêmio, que possibilitou sua participação no Parlamento britânico, em 1989, para falar aos governos europeus, juntamente com a fotógrafa suíça Claudia Andujar, que viveu anos entre os Yanomami e realizou extensa documentação fotográfica desse povo. A demarcação do território Yanomami ocorreu em 25 de maio de 1992, em um momento de aumento de violência, quando a situação estava bastante complicada e era notícia no mundo todo, com “ explosão de pistas clandestinas, troca de tiros de policiais militares e federais”, ainda segundo o site da Folha.[2]

 

 

Contra os povos originários, a favor do garimpo e madeireiros ilegais

Enquanto presidente, Jair Bolsonaro recebeu as denúncias de violência, maus tratos, contaminação e subnutrição dos indígenas e as engavetou. De acordo com vários documentos que estão vindo a público, o ex presidente operava ações que podem ser lidas como de aniquilamento dos povos indígenas, a considerar, inclusive, imagens que têm sido veiculadas que deixam claro seu pouco ou nenhum apreço por eles. Para dar curso ao seu projeto de extermínio, incentivou a invasão do território Yanomami por madeireiros e garimpeiros ilegais. Jair cercou-se de pessoas, na forma de ministros – Damares, Moro, Salles, além de seu vice Mourão, que não apenas nada fizeram sobre o que seria seu dever de proteger os índios, como tentaram, e de certa forma conseguiram, inviabilizar qualquer tipo de ajuda. Segundo o site Brasil de Fato,[3] a ex ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (!), Damares Alves, em 6 de julho de 2020, “pediu a Jair Bolsonaro que não enviasse aos indígenas, que padeciam pela pandemia da covid-19, leitos de UTI, água potável, materiais de limpeza e higiene pessoal, ventiladores pulmonares e materiais informativos sobre a doença”, sob a alegação que “os povos indígenas não haviam sido consultados pelo Congresso Nacional”. Seu pedido foi atendido pelo capitão, porém o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso determinou, dois dias após (8 de julho) que o governo federal tomasse medidas para conter o avanço da doença no território indígena. Somente em agosto o veto do Bolsonaro foi derrubado pelo Congresso e “referendou a ordem da Corte”

Ministério dos Povos Indígenas

Uma das principais mudanças na mudança de governo foi a criação do Ministério dos Povos Indígenas, que agora vigora sob o comando da Ministra Sônia Guajajara. Os novos ares atingiram também a mudança nos quadros da Funai, cujos funcionários especialistas haviam sido substituídos por pessoas sem qualquer afinidade técnica sobre os assuntos indígenas, bem como sem nenhum conhecimento na área.

 Nações indígenas

Não seria exagero afirmar que a maioria absoluta da população brasileira ignora o número das etnias indígenas existentes no território brasileiro, tampouco as regiões onde vivem, a língua que falam, o número de pessoas de cada uma delas.[4] O Instituto Sócio ambiental mostra um quadro com 256 povos indígenas vivendo em diversas regiões do território brasileiro.[5] O Brasil nunca se preocupou em tornar visíveis essas pessoas, colocando sempre as nações indígenas em um amálgama – os índios. Nunca houve, no ensino brasileiro, para crianças e jovens, estudos e informações sobre essa população de forma real. Crescemos e estudamos na mais completa ignorância sobre sua existência, diversidade linguística, sobre sua cultura. Assim como o genocídio, a invisibilidade e ignorância sobre essa população sempre existiu, como um projeto que naturaliza sua (des)importância e desqualifica essa população enquanto seres humanos.

O país tem uma dívida histórica com as populações indígenas, dizimadas de forma lenta e gradual ao longo de mais de 500 anos, um genocídio que tem início com a chegada dos portugueses em seus territórios e continua em curso, tomando forma concreta e visível no governo Bolsonaro, que além de declaradamente, ao longo de sua vida parlamentar, demonstrar sua antipatia pelos povos indígenas, tudo fez, enquanto presidente, para que fossem substituídos pelas máquinas aniquiladoras da floresta. Infringiu notadamente alguns artigos da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2008, entre eles o Artigo 26:

“1. Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido. 2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido. 3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram;

O Artigo 29:

“1. Os povos indígenas têm direito à conservação e à proteção do meio ambiente e da capacidade produtiva de suas terras ou territórios e recursos. Os Estados deverão estabelecer e executar programas de assistência aos povos indígenas para assegurar essa conservação e proteção, sem qualquer discriminação. 2. Os Estados adotarão medidas eficazes para garantir que não se armazenem, nem se eliminem materiais perigosos nas terras ou territórios dos povos indígenas, sem seu consentimento livre, prévio e informado. 3. Os Estados também adotarão medidas eficazes para garantir, conforme seja necessário, que programas de vigilância, manutenção e restabelecimento da saúde dos povos indígenas afetados por esses materiais, elaborados e executados por esses povos, sejam devidamente aplicados”;

O Artigo 22:

Os Estados adotarão medidas, junto com os povos indígenas, para assegurar que as mulheres e as crianças indígenas desfrutem de proteção e de garantias plenas contra todas as formas de violência e de discriminação”. [6]

 Teremos que aguardar a decisão da Justiça sobre a responsabilização dessas pessoas no envolvimento do genocídio em curso, inclusive junto ao Tribunal Penal Internacional. Por ora, atitudes já foram tomadas para que o garimpo ilegal saia imediatamente das terras Yanomami. As ações atendem não apenas apelos de grande número de entidades, além dos próprios atingidos, como também de segmentos da população brasileira que não coadunam com essa barbárie. Além disso, a comunidade internacional está atenta sobre os desdobramentos das ações do atual governo que visam barrar a invasão do território Yanomami, e a ajuda internacional para auxiliar a proteção da Amazônia está vinculada à austeridade do governo em relação ao respeito às terras dos povos originários.

Referências

[1] Xamã e líder político Yanomami.

[2]www1.folha.com.br demarcação da terra indígena Yanomami teve expulsão de garimpeiros e mobilização internacional. Lucas Lacerda. 30/01/2023. Acesso em 31/01/2013.

 

[3] https://www.brasildefato.com.br/2023/01/23/damares-pediu-que-bolsonaro-vetasse-leitos-de-uti-e-agua-potavel-para-indigenas-na-pandemia. Damares pediu que Bolsonaro vetasse leitos de UTI e água potável para indígenas na pandemia. STF teve que intervir para que povos originários fossem auxiliados.

23 de janeiro de 2023. Acesso em 31/01/2023.

[4] Para conferir a diversidade da população das nações indígenas brasileiras, ver: https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos

[5] As famílias linguísticas Tupí Guaraní, Arikém, Awetí, Jurúna, Mawé, Mondé, Mundurukú, Puroborá, Ramaráma e Tuparí fazem parte do Tronco Tupí. As famílias linguísticas Jê, Maxakalí, Krenák, Yathê, Karajá, Ofayé, Guató, Rikbaktsá e Boróro fazem parte do Tronco Macro-Jê.

Os povos GuaraniKayapóNambikwaraTiriyóWaiwai e Yanomami foram contabilizados em “bloco”, apesar da diversidade interna de cada um. https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos. Acesso 31/01/2023.

[6]https://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Declaracao_das_Nacoes_Unidas_sobre_os_Direitos_dos_Povos_Indigenas.pdf

* Andreia Terzariol Couto é jornalista, professora, pesquisadora e  pós-doutoranda na ECA-USP