O MEIO AMBIENTE E AS FAKE NEWS

As últimas semanas foram marcadas pela discussão sobre o PL das fake news, a aprovação da MP sobre a Mata Atlântica na Câmara dos Deputados e as consequências do aquecimento global na alteração do regime das chuvas na França

A discussão sobre o PL das fake news inclui até editorial de jornalões falando em “liberdade de expressão, inegociável”. Em meio ao debate do projeto de Lei das Fake News (PL 2630/23), cuja votação no último dia 02/05 foi adiada, o meio ambiente também vem sendo afetado de alguma forma pelo disparo de notícias falsas. Além das mentiras sobre a apreensão da produção agrícola, embargo de empresas rurais, confisco de gado, que são espalhadas por grupos de extrema direita ligados aos setores conservadores do agronegócio, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra também tem sido, já há alguns meses, vítima da extrema direita, que tenta colar a pecha de terrorismo no movimento social. Não é a primeira vez que o MST é alvo desse tipo de violência, uma vez que, desde o seu surgimento não apenas os extremistas tentam desqualificá-lo como também a grande imprensa, e isso não é uma novidade. Na atualidade, o que vem com nova roupagem é que as redes sociais são utilizadas de forma mais intensa para reforçar uma ideia presente no imaginário de parte da população sobre um suposto radicalismo do movimento: comunista, invasor de terra, extremista, violento, fora da lei, e agora, terrorista, esse último tentando reverter uma ideia de terrorismo, uma vez que o termo voltou a circular desde os ataques – estes sim, terroristas – de 08 de janeiro, em Brasília. Para a parcela da população que teme que o país vai virar comunista no atual governo, mesmo não sabendo o que significa o termo, é a mesma que acredita em fake news dessa natureza e podemos inferir que também não sabem definir o que seja terrorismo ou atos terroristas.

O último episódio envolvendo ruralistas e seu discurso intolerante contra o MST ocorreu na abertura do evento Agrishow, em Ribeirão Preto, festa maior do agropop brasileiro. Para demarcar bem sua posição ideológica, os organizadores da festa convidaram Bolsonaro, que foi recebido com euforia pelos representantes do agronegócio, acompanhado de seu escudeiro, Tarcísio de Freitas, que também se deu ao direito de falar sobre (contra) o movimento. Para essa categoria, o MST é inimigo. Seus representantes afirmam que sentar-se à mesa com membros do MST para qualquer tipo de negociação é impensável. Isso dá mostras de quão fechado ao diálogo eles são e, ao mesmo tempo, se equivocam em relação a tudo o que se refere à reforma agrária e sua produção. Deveriam produzir cada um no seu quadrado, pois o que as terras cultivadas pelo MST produz é alimento, e na sua grande maioria, alimento orgânico. O agro não produz comida, e sim, commodiites para exportação. Ao contrário do que afirmam, o movimento dos sem terra não invade terras, ocupa áreas improdutivas; o agro, tão temeroso às “invasões” de terra, deveria rever seus conceitos sobre grilagem e desmatamento para pasto e plantio de soja. O agro acusa o governo de ser refém do MST, mas o Brasil é refém dos grande senhores de terra há mais de 500 anos. A lista comparativa é grande. No quesito proteção ambiental, colocadas as duas categorias, é bastante visível para que lado da balança tende a destruição do meio ambiente. No caminhar das investigações sobre os atos terroristas de janeiro, cada vez mais surgem pessoas ligadas ao agronegócio no financiamento, operacionalização e ataques contra a democracia. Ao tentar mostrar uma suposta fachada criminosa do MST, tentam manipular, com notícias falsas, a opinião do público, escondendo seus próprios atos e revertendo o discurso sobre “invasões” e criminalidade. Por exemplo, de acordo com o jornal Folha de S.P.[1], um esquema que fraudava madeira extraída ilegalmente na região amazônica sofreu multa de R$ 56,8 aplicada pelo Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais. O monitoramento e multas realizados pelo órgão, “paralisadas no governo anterior, estão causando reações dos ruralistas, que agiam à vontade durante o governo Bolsonaro e agora empregam inclusive notícias falsas para tentar desqualificar as ações do órgão de fiscalização ambiental. Entre as fake News disseminadas pelos ruralistas, estavam a paralização de 90% da produção, além da suspensão de empresas e apreensão de gado no Acre”. A quem interessa as fake News?

Na rastro da destruição, a aprovação da medida provisória 1.150/2022 pela câmara

O governo bolsonaro se foi, mais seu legado de destruição ambiental continua. Contra todo o bom senso, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1.150/2022. A MP segue agora para o Senado.

O que está em jogo é a proteção da Mata Atlântica e a lei que a protege, pois uma vez aprovada a MP, a Lei de proteção praticamente cai por terra. Em termos práticos, possibilita que empreendimentos possam ser executados sem o devido estudo de impactos ambientais e mesmo de compensação ambiental, além de permitir a remoção da vegetação secundária. A Mata Atlântica – ou o pouco que resta dela – vem sofrendo danos frequentes, especialmente do setor imobiliário, estendendo os condomínios construídos no meio da mata nativa, além de empreendimentos agropastoris de maior envergadura. Se a MP for aprovada no Senado, os projetos passam a ser avaliados por governos municipais, o que torna sua aprovação mais certa.

É inconcebível que uma área nativa dessa importância esteja sendo esquartejada por interesses que passam ao largo da proteção da Mata Atlântica. Depois de sofrermos por mais de quatro anos com os ataques aos nossos principais biomas, a aprovação da MP é um verdadeiro crime ambiental.

E como falamos sobre os grandes produtores rurais, a MP os auxilia, prorrogando o prazo para se adequarem às medidas ambientais indispensáveis que regem a manutenção da Mata, especialmente no replantio de vegetação nativa que foi desmatada.

Em um momento em que os discussões para a volta dos programas internacionais de proteção ao Meio Ambiente, a aprovação da MP fragiliza os acordos e coloca novamente em xeque os compromissos firmados pelo Brasil de proteger seus biomas, como o Fundo Amazônico, os pactos assumidos em Davos sobre o desmatamento zero e o ajuste do país para diminuir as emissões de carbono. O imediatismo e a ganância de alguns setores novamente estão se sobrepondo aos interesses do país.[2]

Enquanto alguns setores forçam o retrocesso em várias esferas, as mudanças climáticas batem às portas de nações ao redor do mundo, traduzidas nas mais diversas formas: inundações, vendavais, degelo, seca, incêndios. Enquanto destruimos o que resta do nosso patrimônio natural – lembrando que a Mata Atlântica abriga inúmeras nascentes de água potável  –  países como o França sofrem com uma seca histórica, a ponto de uma cidade na região dos Pinineus (Corbère-les-Cabanes) distribuir água mineral engarrafada aos moradores.[3] Por aqui, a seca em certas regiões há décadas castiga moradores e pequenos agricultores que, sem a prerrogativa de receberem água mineral engarrafada, contentam-se em contemplar tristemente a terra rachada e seus poços secos. Restam-lhes rezar e mostrar seu olhar para o Salvador.

Referências


[1] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/05/ibama-multa-em-r-57-milhoes-esquema-que-fraudava-origem-de-madeira-ilegal.shtml

[2] https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/05/de-novo-o-retrocesso-ambiental.shtml

[3] https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2023/05/seca-faz-franca-adotar-medidas-de-crise-e-cidade-distribui-agua-mineral-a-moradores.shtml?

 

* Andreia Terzariol Couto é jornalista e pós-doutora pela ECA-USP.