“Remolinos” é um mergulho na identidade de cada migrante e no significado da migração

“É significativo observar que as vivências experimentadas por cada migrante apresentam muitas particularidades”. Foto: cortesia

Disponível gratuitamente em formato e-book na página do Celacc-USP e publicado pela editora Casa Flutuante em maio de 2024, o livro Remolinos: histórias de migrantes latino-americanos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá traz o perfil de nove migrantes que vivem em diferentes países do hemisfério norte e que carregam histórias de vida provenientes de contextos diversos. Os relatos foram coletados por oito jornalistas, também migrantes e nascidos na América Latina, sensibilizados pelo tema do deslocamento devido a suas próprias histórias.

Cerca de 43 milhões de latino-americanos moravam em áreas internacionais em 2020. A estimativa é de um relatório divulgado pela Organização Internacional para Migrações (OIM), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Este número representa cerca de 15% da população da América Latina e mostra a relevância desta obra ao apresentar e debater a temática através de um olhar jornalístico.

Priorizando o formato reportagem, o livro inclui descrições e relatos dos entrevistados, além de análises de aspectos centrais de cada texto, o que deixa a leitura fluida e leve. Os temas trazidos na obra, como segurança, preconceito, gentrificação, vida profissional e transfobia ganham, não obstante, uma perspectiva acadêmica expressiva que se mescla à estrutura das reportagens e, em alguns casos, a falas dos próprios autores, que relatam suas experiências em primeira pessoa. Como resultado, o leitor tem a chance de conhecer melhor a vida daquele personagem ao acessar suas certezas, dúvidas, conquistas e sentimentos, alicerçadas tanto em testemunhos como em aspectos da Filosofia, da Psicologia ou das Ciências Sociais.

É significativo observar que as vivências experimentadas por cada migrante apresentam muitas particularidades, mas se cruzam quando os entrevistados relatam os mesmos incômodos, os mesmos contentamentos e se fazem perguntas semelhantes. “O que eu estou fazendo aqui?”. Este foi um questionamento presente na maioria das reportagens e que encontra respostas com muitas variáveis.

Reinventar-se

“Este não é um livro apenas sobre a dualidade de gostar ou não do lugar para onde se foi, mas da criação de uma terceira vida, de uma terceira pessoa para viver naquele lugar”.

A frase é do jornalista Enio Moraes Júnior, organizador do projeto, referindo-se ao sujeito que, ao deixar sua origem, não será mais aquele que partiu, mas também não será igual aos que estão no lugar de chegada.

“Ele precisará ser outro, precisará reinventar-se”.

Completa Enio, que é brasileiro, mora na Alemanha e assina uma das reportagens, contando a história do músico chileno Jan Lucas Säuberlic.

Na obra, cada jornalista descreveu e contextualizou os relatos de seus entrevistados, permitindo que as histórias seguissem suas próprias direções. Por conta disso, os textos apresentam um viés temático abraçado na diversidade e uma unidade narrativa, mesmo tendo sido escrito por tantas mãos. Produto desse trabalho coletivo, Remolinos traz à superfície as experiências de pessoas que vivem em deslocamento, permitindo um melhor entendimento dos impactos sociais e culturais que essas mudanças de localidade, de cultura e identidade causam em quem vai e em quem fica.

Talvez seja exatamente por isso que os textos perpassam tantas situações. A reportagem escrita pela jornalista venezuelana Clavel Rangel Jiménez, por exemplo, traz a história da sua conterrânea Alejandra (nome fictício) que, junto com duas filhas e um neto, cruzou a fronteira do México com os Estados Unidos para fugir dos problemas políticos, econômicos e sociais do seu país de origem. Já em outra matéria, a jornalista brasileira Sandra Nodari narra o processo migratório de Daniela Araújo, paulistana que hoje vive no Canadá, que precisou sair do Brasil por conta das ameaças de morte que vinha recebendo apenas por ser uma mulher trans.

A palavra “remolinos”, em espanhol, refere-se a fenômenos da natureza conhecidos em português como redemoinhos. Assim como esses eventos, as histórias estão abertas a um mergulho profundo na identidade de cada migrante e no que pode significar a migração. E o que é a vida de quem migra senão esse “revolver-se em si mesmo”, igual ao movimento infinito de rotação concêntrica? É possível se emocionar com as experiências de cada um e entender melhor o porquê do título dado ao livro.

* Marina Mantovanini: jornalista brasileira de São Paulo, que vive em Berlim desde 2014. Depois de dez anos trabalhando em redações e projetos editoriais no Brasil, o novo lar precisou se reinventar. Formou-se em gastronomia, ramo em que trabalha atualmente, mas nunca perdeu seu vínculo com o jornalismo e a escrita.

Referência

MORAES JÚNIOR, Enio (Org). Remolinos: histórias de migrantes latino-americanos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá. Edição: Adriana Navarro Manfredini e Liliana Tinoco Bäckert. E-book. 1. ed. São Paulo: Editora Casa Flutuante, 2024.