“ E daí?! (…)”
Pela primeira vez,
Me encontro em pandemia.
Pela primeira vez,
Estou orgulhoso
Por estar doente.
Preocupado,
Mas orgulhoso.
Meu corpo emocional
Treme por inteiro,
Meio à febre e a cólicas.
Mal consigo sair da cama.
Tenho ânsias frequentes,
Minha cabeça lateja
E eu choro.
Choro de lástima.
Estou doente
Porque não me infectei.
Hoje é dia 28 de abril.
E daí ?
Já são mais de 5 mil mortos no Brasil.
E eu não me infectei
Com toda essa desumanidade
Que já matou muito mais gente,
E continua matando
Por dentro,
E lá fora.
Eu não preciso ver resultado
Do exame de ninguém.
Eu não preciso de testes.
O sintoma da arrogância
E da ignorância são explícitos,
E suficientes para diagnóstico.
Me diz, presidente.
Me diz, pessoa que nos representa.
Já são 5 mil mortos!
⁃ “ E DAÍ ?! (…)”
Diagnóstico encerrado.
E daí se são 5 mil mortos?
E daí se são 5 mil covas?
E daí se são 5 mil famílias de luto?
E daí se são 5 mil famílias sem poder
Sequer se despedir apropriadamente
De quem tanto amam?
E daí ?!
Está claro.
Infectado pelo antigo vírus
Da desumanidade.
Aquele “E daí “ me atingiu
Do outro lado da Tv
E me doeu tanto.
Eu, que já estava doente,
Adoeci mais.
Não consigo imaginar o impacto
Causado desse “ E daí “
Nessas 5 mil famílias.
Se pudesse, abraçaria todas.
Tão poucas palavras
Me feriram tanto
E feriram tantos.
A desumanidade é um vírus cruel.
Me sinto mais doente do que nunca.
Mas orgulhoso.
Orgulhoso de estar doente;
De tristeza.
Orgulhoso por não me deixar infectar
Por esse vírus antigo.
Orgulhoso, porque a minha doença
Significa a saúde do meu espírito;
A saúde da minha empatia;
A saúde da minha humanidade.
—
Yuri Brandão de Oliveira é aluno do sétimo semestre de medicina da Universidade de Taubaté (UNITAU),