ALEGORIA_

Por Wilton Garcia.
wiltongarcia.com.br.

 

O início de mais um ano que se brota solicita reflexão para futuras ações no avanço da sociedade atual. Vale pensar acerca de adversidades, enfrentamentos e conflitos ambientados por soluções como resposta ao sistema hegemônico. Na ordem dos enunciados, amparam-se existência, realidade e verdade.

Portanto, torna-se imprescindível obter orientação sobre as diversas camadas de discursos, por vezes, tendenciosos que trazem enorme carga de estratégias discursivas. Ou seja, o teor de um discurso articula a expressão da linguagem. Essa última compreende coordenadas recursivas entre representação (objeto) e cultura (contexto). Por onde escorrem os valores humanos hoje?

Diante do desafio de se adaptar a partir das manifestações discursivas, observa-se a alegoria como interessante elemento circunstancial para se prever a produção de subjetividade, sobretudo quando se trata de ancorar as redes sociais, com algoritmos, big data e robôs. Isto é, a cultura digital convoca um outro/novo modo de ver/ler sobre as coisas no mundo, tendo em vista a dinâmica flexível que imediatamente desloca qualquer possibilidade.

A produção de informação, nesse fluxo, opera fatores impactantes para que se possa gerar valor, de acordo com o interesse capital. Afinal, o capitalismo contemporâneo enfoca a economia como ponto específico do consumo no mercado-mídia. Aqui a novidade torna-se o imperativo para as compras e os lucros acontecerem.

E se as redes sociais trabalham relacionamento como ocorre a reciprocidade. O toma lá dá cá é mais que tráfego de favores e privilégio. O que se trata como relação – profissional, pessoal, social – promove a quantidade de clickscomo aspecto determinante que influencia instâncias duvidosas como relevância, notoriedade, autoridade, em especial na produção de conteúdo.

Tal produção está pontualmente agendada com a produção de efeito, o qual desestabiliza a informação porque se localiza na superfície. Sem profundidade, perpassa o lado raso cujo efeito como ornamentação do discurso (verbal, visual, sonoro, performativo) não é para incomodar, apenas gerar clicks e mais clicks. A ideia é distanciar-se da produção de sentido, pois não há necessidade de entendimento, somente a fragilidade de algo que se dissipa como fumaça, em fim de festa.

Como uso retórico eloquente, a alegoria não permite adentrar ao necessário mergulho crítico a respeito das coisas do mundo, de fato. A distorção alegórica prejudica o reconhecimento ideal das condições mínimas de uma explicativa. Assim, seria impossível explanar acerca das coisas do mundo para além de um ato interpretativo.

Dos povos antigos aos dias de hoje, a artimanha da alegoria reduz a expressão do objeto/contexto como variantes enunciativa de alternativas, ao desorientar sua própria leitura. Por certo, alegoria revela-se como extravagância causadora de perplexidade, em seu estranhamento. Isso tira o eixo do prumo e, por conseguinte, provoca desajustes, nem sempre agradáveis. A alegoria, com seu excesso, destoa do vazio vulnerável possibilitando outras tantas interpretações, às vezes inconvenientes.

Wilton Garcia é artista visual, Doutor em Comunicação pela USP, Pós-Doutor em Multimeios pela Unicamp e é Professor da Fatec Itaquaquecetuba/SP