ISSN 2359-5191

03/07/2015 - Ano: 48 - Edição Nº: 63 - Arte e Cultura - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas
Obra teatral de Fernando Pessoa ultrapassa as convenções do gênero dramático
Pesquisa estudou conceito de drama cultivado pelo autor português na organização e na constituição de sua obra e chamou a atenção para algumas das dezenas de peças inéditas
Meme divulgado em redes sociais ironiza a criação de heterônimos de Fernando Pessoa, entendidos como personagens dramáticos dentro da poesia. Imagem: www.facebook.com/Literatortura

Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos são os três heterônimos mais famosos de Fernando Pessoa e constituem leituras obrigatórias no currículo do Ensino Médio brasileiro. Mas, apesar de já ser muito conhecida a habilidade pessoana de criar indivíduos autônomos, com biografia e atributos pessoais próprios, como se fossem personagens de uma peça teatral, poucos conhecem a produção dramática stricto sensu de Fernando Pessoa, a qual conta com dezenas de textos, ofuscados pela obra poética do autor. Esse é um dos apontamentos revelados em estudo apresentado como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Flávio Rodrigo Vieira Lopes Penteado Corrêa, autor do trabalho, explica que o conceito de drama aparece em mais de uma forma quando se trata da obra literária de Fernando Pessoa, já que o autor, além de se valer da dramaticidade ao criar personagens que são seus heterônimos poéticos, também escreveu peças teatrais, do gênero dramático. "Pessoa acreditava que 'a arte é essencialmente dramática', o que equivale a dizer que é possível conceber dramas em qualquer modalidade artística, não apenas naquelas que tomam a forma dramatúrgica. Deste modo, sua poesia, amplamente baseada no expediente da heteronímia, também pertenceria ao âmbito dramático", explica o pesquisador. "Pessoa certa vez escreveu o seguinte: 'Álvaro de Campos é o personagem de uma peça; o que falta é a peça'”, completa.

Mas as peças teatrais de autoria de Fernando Pessoa, apesar de pouco conhecidas, também fazem parte da fortuna literária do autor, de acordo com Flávio Rodrigo Penteado: "Pessoa concluiu apenas uma peça teatral, O marinheiro, veiculada no primeiro número da hoje famosa revista Orpheu. Foi este, aliás, o primeiro texto de criação que publicou sob seu próprio nome, ele que até então era conhecido apenas como crítico literário. O fato de haver feito sua ‘estreia’ como dramaturgo, e não como poeta, nos dá alguma medida da importância que conferiu à construção de uma extensa obra teatral, não obstante essa parcela de seus escritos tenha logrado menor grau de acabamento em comparação à poética".

Produção teatral ofuscada pela poética

Embora só tenha concluído a escrita de uma peça teatral, Fernando Pessoa se empenhou, durante toda a sua vida, na construção de dezenas de outros textos dramatúrgicos. Segundo Flávio Rodrigo Penteado, "o mais extenso é uma versão para o mito de Fausto, o qual já mereceu edições tanto em Portugal quanto no Brasil". E há outras peças: "Nos anos 1970, a pesquisadora portuguesa Teresa Rita Lopes reconstituiu quatro peças em estágio mais avançado de elaboração: A morte do príncipe, Diálogo no jardim do palácio, Salomé e Sakyamuni”, explica Flávio. Apenas em 2010 essas obras foram publicados no Brasil, na coletânea Teatro do êxtase, organizada por Caio Gagliardi (editora Hedra). Com a exceção dos textos dramatúrgicos divulgados pela pesquisadora Teresa Rita Lopes, as demais peças teatrais do célebre modernista permanecem inéditas, por diversos motivos, de acordo com Flávio, entre eles a dificuldade em decifrar os manuscritos, de difícil leitura, e o reduzido interesse que essa parte da obra pessoana tem despertado até o presente.

Esse desinteresse se dá, segundo o pesquisador, devido ao fato de que o grande alcance da poesia de Fernando Pessoa acabou ofuscando as demais áreas em que o poeta atuou. "Pessoa foi também um extraordinário prosador. Seus textos dramatúrgicos investigam formas alternativas de lidar com categorias fundamentais do teatro: a ação é de tal forma reduzida que mal se percebe sua presença; as personagens são delineadas com pouca nitidez, sem que haja grandes diferenças entre uma e outra, razão pela qual são indicadas, com frequência, apenas por letras ou numerais (A, B, X, Primeira, Segunda, e assim em diante)". Além dessas, outras características da obra teatral de Fernando Pessoa, segundo o autor da pesquisa, são a presença de diálogo esvaziado, com falas próximas do monólogo, e a ausência de enredo, intriga, fábula ou qualquer sucessão de eventos que articulem o núcleo narrativo do drama.

"Logo se vê que tais textos se afastam um bocado daquilo que tradicionalmente esperamos de uma peça de teatro, o que talvez explique o pouco interesse que tenham despertado até aqui. Digo 'talvez' porque Pessoa não está sozinho nessa empreitada: Strindberg, Ibsen, Tchékhov, Maeterlinck, O'Neill, Pirandello, Beckett, todos estes autores se propuseram a buscar, cada um à sua maneira, outras formas de conceber o texto teatral, tendo alcançado lugares de destaque na dramaturgia do Ocidente", indica Flávio Rodrigo Penteado. "É possível que o fato de ele ter se mantido longe dos palcos durante sua vida (ao contrário dos dramaturgos anteriormente citados) tenha contribuído para tal esquecimento, mas esse é apenas um palpite", conclui.

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