Este texto constitui o segundo capítulo de um estudo sobre a trajetória de Riobaldo em sua oscilação entre o pacto fáustico e a tradição do chamado ?romance de formação e desenvolvimento? (Bildungs? und Entwicklungsroman). Partindo de um trecho do romance O homem sem qualidades em que Musil discute os obstáculos que se colocam à arte da narrativa no século XX (antecipando reflexões teóricas de Adorno, Auerbach, Rosenfeld etc.), o estudo enfoca, no primeiro capítulo, traços do Grande sertão que o vinculariam a um épico mais primitivo. Também se estabelecem aqui algumas relações com o Doutor Fausto de Thomas Mann, romance que tem igualmente no pacto demoníaco o seu motivo nuclear. Quanto ao presente texto, está voltado às formas e imagens que o relato de Riobaldo dispensa aos conceitos de ?mal? e de ?maligno? (assim como ao seu entrelaçamento). Em seguida, enfoca a personagem de Hermógenes, que encarna uma espécie de principium maleficum que dificilmente encontra paralelo na literatura ocidental. Para expor essa especificidade da personagem rosiana, o estudo procede por fim a uma comparação com a representação do Mal (e sua correspondente personagem) no romance barroco Simplicissimus, de Grimmelshausen.
A novela "Dãolalalão", do livro Noites do sertão de Guimarães Rosa, mostra a presença daquilo que Northrop Frye nomeou o "Grande código" da literatura ocidental, a Bíblia, transculturada no sertão brasileiro, e as contradições daí advindas. Aponta-se aí, em clave de "estranhamento", a relação de um ex-jagunço e de uma ex-"militriz", aferida ao amor arquetípico de Salomão e da Sulamita, o "Amado" e a "Amada" do "Cântico dos cânticos" bíblico, criptografado ao longo da novela. No entanto, observe-se que em "Dãolalalão" comparecem também paráfrases do "Apocalipse" e referências várias a Afrodite Pandêmia, deusa do Amor no panteão grego, bem como ecos velados da prostituição sagrada, abrindo a possibilidade para uma abordagem desse tópos caro à ficção roseana, que é o amor da prostituta. Temos, concentrados nesse vértice bíblico-grego (à raiz da cultura ocidental), os elementos de uma literatura "mimetizada" - ou, mais especificamente, marcada por aquilo que é a mola da organização da sociedade brasileira: uma formação social de extração escravista.