A polifonia como o procedimento literário que, por meio de efeitos mundiais, dá voz às múltiplas vozes do sistema-mundial. Mas do outro lado, uma ideologia autoritária e monológica, amenizada por aspirações utópicas, ditando ou orquestrando essa polifonia: Riobaldo. Patriarca sagaz e carismático, mostraremos como esse narrador dúbio e digressivo conta a história do avanço da civilização sobre o sertão, enfatizando poeticamente o que há de épico e ocultando retoricamente o que há de prosaico nesse feito que, enfim, é tão comum ao mundo moderno: a assimilação de uma zona periférica e em conflito (leia-se, improdutiva) ao sistema-mundial.
Este ensaio possui como objetivo realizar uma análise de ordem comparatista, entre os contos A menina de lá e As margens da alegria, ambos de Guimarães Rosa, e Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll. Por meio da observação acerca de como se dá a crítica social reflexiva entre narrativas compostas em diferentes contextos culturais, procura-se estabelecer, nesse processo, um possível diálogo entre as diferentes expressões literárias. Para tanto, parte-se, primeiramente, das semelhanças entre os enredos, tais como o gênero; assim como a constituição da consciência dos personagens, inseridos em âmbitos sociais de cunho utópico/distópico. Pontua-se também as peculiaridades de ambas, como o enredo e a linguagem utilizada, que ressaltam as particularidades de cada obra literária, marcando o contexto sócio-histórico; permitindo uma melhor compreensão do texto literário e uma ponderação acerca da construção do efeito de sentido do mesmo, enquanto gerador de questões críticas e reflexivas.
O texto procura construir uma análise detalhada do amor em Grande sertão: veredas. Mais especificamente, foca-se na relação entre Riobaldo e Diadorim para argumentar que o amor entre os companheiros jagunços não compartilha da mesma natureza que os outros amores na obra. O amor compõe-se de modo a sustentar os movimentos erráticos do narrador, sendo, portanto, a principal força de atração da trama, ao mesmo tempo em que condiciona a visão sobre a violência no texto. O entendimento do amor na obra reteria, portanto, a chave para sua decifração formal ao mesmo tempo em que costuraria a imagem de uma utopia política a partir dos questionamentos que lança sobre o entrelaçamento entre desejo, moralidade e violência. Por fim, lança-se a tese de que o amor entre Riobaldo e Diadorim é o elemento que, comportando um regime da diferença bastante peculiar, colocaria a obra na contramão, bem como na vanguarda, do romance moderno.
O artigo apresenta um estudo comparativo entre o episódio da guerra deflagrada pelo personagem Zé Bebelo, em Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, e os atentados cometidos pelo narrador-protagonista do conto “O cobrador”, de Rubem Fonseca. Com relação ao primeiro, pretende-se demonstrar sua compreensão idealizada da modernidade, segundo a qual a redenção da condição miserável dos sertanejos só seria possível através de uma revolução que impusesse a ordem republicana no sertão. Já com a análise de “O cobrador”, tencionamos explicitar a dissimulação com a qual o narrador se descreve como quem luta por uma sociedade mais igualitária; objetivo que, à semelhança do ocorrido com Zé Bebelo, também não é alcançado. A frustração dos ideais de ambos os personagens articula-se, por sua vez, a uma imagem de desigualdade social, que aproxima os textos de ambos os autores, justificando a abordagem comparativa.
Análise da narrativa ficcional “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa, presente em Primeiras estórias (1962), como figuração ficcional do materialismo histórico, categoria desenvolvida por Karl Marx e Friedrich Engels, exposta e desenvolvida em quase toda a obra teóricas de tais pensadores, sobretudo em A sagrada família (1844), e Ideologia alemã (1846), e a ideia de utopia, considerando, principalmente, a obra Utopia (2016), de Thomas Morus. Usa-se, também, os conceitos de regimes da arte, de Jacques Rancière, em A partilha do sensível (2009), para tecer a relação entre a obra literária analisada, os usos do signo utopia, e como estes podem ser interpretadas, dentro e fora da literatura, tendo em vista o materialismo marxista como método de análise de todas as correlações presentes neste trabalho.