O presente artigo se a propõe analisar o conto “A terceira margem do rio” de João Guimarães Rosa, tendo em vista a poesis do devaneio desenvolvido por Gaston Bachelard. No conto, a imagem do rio, representada em suas três margens através das águas que se projetam, aparece como o grande símbolo da universalidade. Trata-se da epifania de um mistério que revelando estados de uma alma em devaneio, tece arte e vida numa conjunção de integralidade, força e beleza.
O trabalho analisa o vínculo entre a melancolia e o devaneio na criação e manutenção do discurso poético em “Buriti”, de Guimarães Rosa, parte da obra Corpo de baile. Através de três personagens centrais – Miguel, Maria Behu e Chefe Zequiel – imprime-se a tonalidade melancólica, que propicia o devaneio e o lamento, associados ao modo de ser introspectivo e sensível. Além do exame das personagens selecionadas, são analisados elementos do espaço e do tempo que, dada a atmosfera noturna do texto, contribuem na disseminação da poeticidade discursiva, alicerçada, portanto, no tripé personagens, espaço e tempo. Para o estudo da narrativa como um todo, conta-se com a obra de Wendel Santos sobre “Buriti”, A construção do romance em Guimarães Rosa, seguida da leitura das cartas trocadas entre o escritor e seu tradutor em Correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri. Para fundamentar a análise dos recursos poéticos, valese de O ser e o tempo da poesia, de Alfredo Bosi e “Em torno da poesia” de Tzvetan Todorov. Para o exame do tempo e do espaço, associados ao devaneio e à melancolia, a contribuição teórica centra-se nas obras A poética do espaço e A poética do devaneio de Gaston Bachelard e As estruturas antropológicas do imaginário de Gilbert Durand. Os resultados da análise confirmam que a poeticidade do discurso da narrativa tem estreita conexão com o modo de ser melancólico, o que o devaneio alimenta e propaga, ad infinitum.