A relação entre o gênero feminino e a violência é, predominantemente, voltada a duas formas de representação da mulher na área da literatura: a) vítima do ato violento; e b) agente do ato violento por vingança. Observamos, nestas duas dimensões representacionais, oposição que dialoga com certo imaginário tradicionalmente maniqueísta, que divide o gênero feminino em “mulheres da casa” e “mulheres da rua”. Neste trabalho, procurando outra perspectiva de abordagem, investigamos, comparativamente, representações da personagem feminina agente de atos violentos em três dimensões que, gradativamente, intensificam a violência realizada: a) a violência em legítima defesa; b) a violência excessiva na vingança; e c) a banalização da violência. Neste percurso, consideramos ser possível analisar certo direito à violência do gênero feminino, isto é, observar como a constituição de certas personagens literárias fogem dos estereótipos e representam a relação entre a violência e o gênero feminino de uma forma mais profunda. Para tal fim, o presente trabalho propõe a análise comparativa de seis contos, agrupados em três capítulos. Para compor o primeiro capítulo, foram escolhidos os contos “Morre, desgraçado” de Dalton Trevisan (1988) e “Ana L. – sadomasoquista”, de Marisa Grinstein (2006), contos no qual o ato violento decorre de situações em defesa da prole, isto é, as personagens dos contos são mulheres que matam os cônjuges em defesa da integridade física dos filhos. O segundo capítulo focaliza o ato violento premeditado e a vingança excessiva; nele, são analisados os contos “Esses Lopes” (1967) de Guimarães Rosa e “Emma Zunz” (1949), de Jorge Luis Borges, no qual as protagonistas são mulheres capazes de tramar e articular planos de vingança que ultrapassam qualquer “justo-limite”. O terceiro capítulo analisa o conto “La prueba” (1992), de César Aira e o causo de Maria Mutema, extraído do romance Grande Sertão: Veredas (1956), de Guimarães Rosa; nesse capítulo, analisamos as configurações das personagens femininas que rompem com os estereótipos inicialmente apresentados e são capazes de cometer atos violentos apenas “por querer”, apresentando, assim, a mulher como agente de uma “violência banalizada”. Os aportes teóricos que orientam a pesquisa podem ser agrupados em quatro dimensões temáticas: a) violência, com os trabalhos de Arendt (1970), Maffesoli (1987), Žižek (2014); b) relação entre violência e literatura, com os trabalhos de Ginzburg (2013) e Fortes (2016); c) condição feminina na sociedade, com os trabalhos de Bourdieu (2018), Badinter (1985), Ludmer (2017); e d) estudos sobre a constituição do imaginário, com os trabalhos de Durand (2002).