Gloria Maria, o jornalismo desencarnado da realidade
Dennis de Oliveira
A jornalista Gloria Maria, da Rede Globo, faleceu em 2 de fevereiro (dia de Iemanjá)
deste ano aos 73 anos. Ela era filha de um alfaiate, estudou em escolas públicas,
dominava vários idiomas como inglês, francês e o latim, formou-se em jornalismo pela
PUC-RJ momento em que conciliava os estudos com o trabalho como telefonista em
empresa de telecomunicações. Entrou na Globo em 1970 como “rádio escuta”, tipo de
trabalho comum na época para quem pretendia ingressar na carreira de jornalismo em
que a pessoa fica monitorando informações do rádio para subsidiar a elaboração de
pautas. No ano seguinte, Glória Maria estreava como repórter cobrindo a tragédia da
queda do Elevado Paulo Frontin, na cidade do Rio de Janeiro.
Gloria Maria foi a personificação clássica da reportagem jornalística, aquela feita no
calor dos acontecimentos, da presença do jornalista na rua conversando com as
pessoas. Transitou entre coberturas locais do jornalismo regional da Globo para
matérias internacionais, como a posse de Jimmy Carter como presidente dos Estados
Unidos em 1977, entrevistas com personalidades como Michael Jackson, Madonna,
Leonardo Di Caprio, Freddie Mercury entre outros. Ainda fez a cobertura da Guerra
das Malvinas em 1982 e participou de coberturas esportivas, como Copas do Mundo e
Jogos Olímpicos.
Destaque-se para a sua presença em reportagens a lugares exóticos, exibidas no
programa Fantástico (onde chegou a ser apresentadora) e Globo Repórter, saindo
totalmente do modelo do jornalista burocrata de gabinete cuja interpretação da
realidade se resume apenas pela curadoria de redes sociais. É a realização do que o
escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez defendia de jornalismo: uma relação
desencarnada com a realidade.
Esta presença marcante de Gloria Maria no tecer histórias deixava a marca de uma
mulher negra que se afirmava fortemente. Dizia ela que sua aparência era
determinada pela sua vontade (por isto, na trajetória de Gloria Maria, vê-se ela usando
vários tipos de cabelos, inclusive o blackpower) o que na época em que estava no auge
da sua carreira era uma afirmação política da identidade de mulher negra.
Alguns cobram de Gloria Maria um posicionamento explícito de compromisso de
combate ao racismo. Mas, assim como Pelé, que também infelizmente nos deixou com
a marca de atleta do século e o maior jogador da história do futebol, a presença de
Gloria Maria no jornalismo brasileiro por si só já é uma afirmação de compromisso. Da
mesma forma que Pelé imprimiu a marca negra no futebol brasileiro, Gloria Maria
marcou a presença da mulher negra no jornalismo brasileiro ainda hegemonizado por
homens brancos – mas que, querendo ou não, tem que reverenciar esta grande
jornalista.
Valeu, Gloria!