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A prainha é nossa? A formação do ser ecano

CIDADANIA

O espaço de vivência da ECA, símbolo de resistência, ainda não gera forte conexão com os recém-chegados.

Entre grades e ao lado da reitoria, o espaço de vivência estudantil da Escola de Comunicações e Artes da USP é marcado por confrontos diretos e indiretos entre a comunidade estudantil e a administração da universidade. De um lado, o ritmo burocrático da organização universitária; do outro, o símbolo da resistência pela liberdade de expressão cultural e política. O auge dos atritos ocorre quando essas duas posições se deparam com festas no local, marcadas por músicas altas, bebidas… mas também por momentos de integração e expressão das juventudes.

Fachada do antigo CANiL, demolido em 2012 (Reprodução: Paulo Fávero/Jornal do Campus)

Conhecido como prainha, o espaço de vivência da ECA protagoniza ondas de atitudes unilaterais por parte da administração do campus há bastante tempo. Dentre os momentos mais emblemáticos dos atritos entre a reitoria e os estudantes, está a derrubada do CANiL. Em meados de 2002, nasce a ideia de se montar um canil para os cachorros que ficavam na USP, projeto que dura cerca de dois anos, já que o mal cheiro e outros problemas passaram a ser demais. No dia 4 de maio de 2006, marco que completou 17 anos na semana passada, os estudantes se uniram para a retomada do espaço e construção do que se tornou lar de apresentações musicais, saraus ou simplesmente um lugar para conectar-se com a comunidade. Em 22 de dezembro de 2012, durante as férias e sem aviso prévio, a reitoria demoliu o canil.

Restos do que era o CANiL [Reprodução: Documentário CANiL_ (2014)]

Como resposta, os estudantes fizeram protestos e até mesmo se reuniram para uma pequena ceia de Natal, no dia 25 do mesmo ano. Com o tempo, surge a ideia de se construir uma geodésia no local onde antes o Canil ficava, projeto que não foi bem aceito pela universidade, apesar de a construção permanecer no local desde então. Hoje, o CANiL_Espaço Fluxus de Cultura não é mais um espaço físico, mas um movimento que confronta decisões consideradas arbitrárias por parte da reitoria e organiza movimentos e festas estudantis de ocupação da prainha.

Protesto em frente à reitoria [Reprodução: Documentário CANiL_ (2014)]

Thiago Prado e Helen Mendes, estudantes de Educomunicação na ECA e membros do CANiL_, contam como a entidade opera nos dias de hoje: “Para começar falando do Canil, preciso falar que ele é um coletivo horizontal, ou seja, a gente não tem cargos hierárquicos. As pessoas vêem, sentem como podem somar, vão se colocando e as coisas vão fluindo”.

No entanto, a resistência não foi suficiente para interromper a instalação de grades ao redor do espaço. Em dezembro de 2016, a passagem e o fluxo de pessoas foi cercado, obrigando os estudantes e funcionários a dar uma volta para entrar pelo prédio central da escola. Um local que, até então, era símbolo de ocupação estudantil e de presença massiva em festas, passou a ter sua convivência prejudicada pela dificuldade de acesso. Em meio a embates entre a administração da ECA e estudantes acerca de barulho excessivo, comércio irregular e questões de segurança, os anos seguintes à imposição das grades seguiram com as tradicionais Qibs, com público e espaço cada vez mais restritos.

Prainha através das grades (Reprodução: Lucas Lignon/Jornaleca)

Um fator agravante do cenário de perda do convívio na prainha foi a pandemia de Covid-19, que, além de afastar alunos e funcionários do espaço, desmobilizou o movimento de ocupação do local. A retomada das atividades presenciais na USP evidenciou uma prainha marcada pela ausência de movimentação, notável apenas nos horários de pico e em torno da Dona Leoa, cantina da ECA.

Para Thiago Prado, a QiB – Quinta i Breja, festa que ocorre a cada quinze dias na prainha, organizada pelo CANiL_ – age como uma âncora que conecta a prainha aos estudantes, uma vez que a distância entre o espaço e os alunos é cada vez mais perceptível. “Isso é fruto de anos e anos de empenho da Universidade em coibir festas dentro dos institutos, e a ECA é muito potente nesse sentido [das festas]. Existiu a necessidade da QiB ser um ‘quebra-gelo’ da situação toda, para a gente poder ter espaço para pensar em outras intervenções”.

João Vitor Chahad, calouro ecano, compartilha da opinião de Thiago, apesar de não ter vivido os “anos de ouro” da prainha.  “Eu participei de duas QiBs e do churrasco que aconteceu lá, além de frequentar a prainha nos momentos entre as aulas. É um espaço de convivência, mas a gente fica muito mais próximo pelas festas. Não vejo muito as pessoas indo lá randomicamente, já que a preferência geral acaba sendo por outros espaços dentro de cada departamento”.

O famoso espaço de vivência estudantil ecano, realmente, carece de uma reconexão com os alunos da instituição, bem como com seus professores e funcionários. Embora a prainha se proponha a ser um meio central de contato entre os discentes de comunicações e artes, as grades que a cercam representam verdadeiras barreiras para a convivência.

Enquanto a ECA recebe mais calouros, os vínculos dos recém-chegados entre si – e também com o espaço – ficam mais frágeis, o que torna a atual situação da prainha cada vez mais distante dos relatos de antigos ecanos. João confirma que “a ideia de unidade trazida pela prainha, por mais que estabelecida, está sendo menos cultuada hoje em dia. A gente acaba vendo menos pessoas de outros departamentos, que seria o ideal para esse espaço de convivência”.

Lucas Lignon

Mirela Costa

Nicolle Martins

Revisão: Nicolle Martins e Lara Soares

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