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“Cadê meu BUSP?”: como o atraso do cartão e a falta do provisório afetou os estudantes da ECA

LOCAL

Diversos relatos sobre a ausência do recurso convergem nos tópicos de dificuldades em ocupar o campus e no cerceamento da permanência estudantil

Vozes correm pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) com discursos carregados de problemas e confusões na vida dos calouros: é normal para um estreante da vida universitária se sentir perdido na imensidão do campus, na pluralidade de oportunidades e na iniciação de um novo ciclo. Porém, sem o amparo correto, um aluno ingressante pode perder parte do seu sentimento de pertencimento e de conquista pela passagem. Situações como essa têm sido recorrentes.

A falta do Bilhete USP (BUSP) complica a vida do aluno de formas variadas, desde se limitar a certas ações até atenuar fortemente no orçamento. Não foi incomum, durante os primeiros 2 meses de aula, ouvir relatos de ingressantes que ainda não possuíam o cartão e não receberam prazos ou assistências consistentes pela administração da ECA. O limite de entrega frequentemente era impreciso, com amplitudes que atingiam dias ou semanas, com a possibilidade de se esticar por meses. Ao procurar respostas com os setores da faculdade, dificilmente as falas colaboravam com a situação.

Quando um calouro procurava informações com estudantes de longa data, frequentemente surgia em pauta o “BUSP provisório”, um recurso que anualmente é garantido para os ingressantes para aliviar as consequências de um possível atraso do bilhete oficial. Mas esse não foi o quadro das novas turmas de 2023: a Prefeitura da Universidade de São Paulo (PUSP) não disponibilizou amplamente essa medida, fato que provocou um ambiente instável, principalmente para os novos alunos de baixa renda.

Em uma nota oficial, a PUSP afirmou, no início de abril, que haviam identificado “dificuldades de fluxo na confecção dos cartões BUSP” e completam dizendo que estavam “empenhados” na melhora do serviço. Já no dia 18 de abril, em uma outra nota, a Prefeitura reafirma o problema enfrentado mesmo depois de mais de um mês de início do período letivo. 

Nessa nova declaração, foi dito que houve diversas reclamações ao redor do campus da capital sobre essa temática, mesmo que, segundo os dados fornecidos pela própria entidade, “82% dos cartões dos alunos já haviam sido entregues nas suas respectivas unidades”. Foi completado também que foi organizada uma nova força tarefa entre a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI), a PUSP-C e a SPTrans para “um projeto de automatização do sistema de confecção e entrega” que já estava sendo planejado, mas não efetivado. 

Na procura de falas oficiais, o repórter Marcelo Teixeira obteve respostas sobre o assunto de Fernando Manfré, participante do quadro técnico-administrativo da ECA. Ele afirma que não receberam o BUSP provisório da prefeitura e que não possuem conhecimento das razões disso. Além disso, Manfré ressalta que “não apareceu nenhuma irregularidade” e que não houve nenhuma questão “sistêmica”, mesmo com a grande quantidade de pedidos. 

Mesmo assim, a apuração do Jornaleca demonstra que há uma regularidade e uma incidência maior do que o ideal de situações complicadas pela falta da gratuidade no transporte interno. Coletamos algumas entrevistas que demonstram essas características.

“Tive que fazer ajustes”. Luiza Sanches, aluna da nova turma de jornalismo noturno, ressalta, em seu discurso, o impacto no orçamento planejado de uma nova moradora da capital paulista. Vinda de Brasília e atualmente localizada no Butantã, Luiza afirmou que fez concessões para equilibrar as contas. Segundo ela, o pedido para o cartão foi no início de fevereiro e somente conseguiu o seu cartão no dia 10 de abril, cerca de um mês após o início das aulas.

“Eu andei bastante para evitar pegar o ônibus mais de uma vez aqui no campus, além da ida e da volta.” Com quase 200 reais gastos, o seu limite mensal de 700 reais, além do aluguel, foi afetado, o que fez com que Luiza buscasse alternativas: “Fui atrás de atacado para comprar mais barato, para tentar gastar menos.”

Luiza também fala sobre relatos de conhecidos que destacam a profundidade do problema para os estudantes de baixa renda: “Tem gente falando que não conseguia inteirar com o bandejão (RU).” A conta elaborada é que, caso a pessoa tivesse 10 reais por dia para transporte e alimentação, sem a gratuidade ou o desconto estudantil, esse processo fica inviável: para pagar uma única refeição, uma pessoa não conseguiria “pegar um dos circulares mantendo o orçamento”. 

 “Não darem um provisório é o que acaba dificultando”. Calouro de Jornalismo, Samuel Cerri é um aluno de baixa renda que destaca como a falta do recurso provisório acentua as problemáticas orçamentárias: “mesmo sendo baixa renda, tive que passar por todo esse processo.” Ele afirma que ficou sabendo do BUSP provisório pelos alunos veteranos, mas que a falta dele influenciou gravemente no seu orçamento para transporte, que já é pesado. Um ônibus, um metrô e um circular, um trajeto que, integralmente, chega a 26 reais (ida e volta) seria gasto por Samuel por mais de um mês caso não tomasse atitudes.

Cerri disse que somente após o recebimento do BUSP que ele passou a usar o circular interno: “eu pagava cerca de 25 reais por dia por uma total falta de noção da USP; eles não estavam considerando pessoas que moram longe, que pegam muito transporte”. Por cerca de um mês, Samuel fazia todo o trajeto entre o Metrô Butantã até a ECA a pé, algo que dura aproximadamente 40 minutos, carregando mochila e material. O aproveitamento da frota de circulares impacta também numa maior confortabilidade e praticidade no caminho até a faculdade.

Outra situação exposta pelo entrevistado foi o impacto nas relações sociais e de ocupação do espaço do campus. “Na semana de recepção, o pessoal foi no (restaurante universitário da) prefeitura; eu não ia porque eu não tinha o BUSP, e iria ter que pagar 8,80 – 4,40 pra ir e 4,40 pra voltar – que é mais caro que o próprio almoço.” Samuel reforça essa comparação ao falar que esse valor “daria uma semana inteira de bandejão só nesse transporte.”

“Aguardando acerto: data de emissão não informada”. A aluna Luíse Homobono, vinda do Pará para estudar na USP, fala sobre como foi difícil proceder pelo leque de informações que possuía. “Teve gente que pediu bem depois de mim e até agora nada (do meu)”, afirmou no dia 24 de abril. A falta de confirmação causou grande apreensão em Luíse, que pega o circular por volta de 12 vezes por semana, e mantém um contato bem distante dos seus responsáveis financeiros. O custo estoura seus padrões econômicos: “Eu poderia estar usando (o dinheiro do circular) para pagar o aluguel, porque sou de fora. Fica meio complicado.”

A caloura de jornalismo demonstra a confusão causada pela falta de assistência: “Eles não falam nada, pergunto se vai pra algum lugar e ninguém sabe me informar o que tenho que fazer”. Luíse foi recomendada a recorrer a outros institutos e faculdades, mas ela preferiu esperar pela própria ECA: “Os professores me falam pra pedir em outras unidades, mas prefiro pegar pela ECA.” A conciliação entre o trajeto normal e os seus novos hobbies, como as aulas de remo pela atlética da ECA, torna-se muito complicada pela falta do Bilhete USP.

“Tive que pedir o provisório emprestado”. Esse depoimento trata sobre alguém que precisou recorrer a outros campi para possuir a gratuidade nos circulares. Isabelly de Paula, caloura de editoração, fala que conseguiu um BUSP provisório de um colega de medicina, no campus Pinheiros: “tive que usar o provisório emprestado porque não tinha condições de pagar quase 50 reais na semana”. Ela vem da Vila Indiana, e usa o circular como principal meio de transporte para a ECA. Ela foi atrás da administração da faculdade para procurar respostas, mas lhe foi dito que “não ia ter para os ingressantes porque os anteriores não foram devolvidos”.

Isabelly lembra também uma questão relevante: a falta de praticidade logística pessoal para andar com dinheiro em papel. Cada vez menos usual, raramente uma pessoa possui trocados para gastar com a passagem: “precisei pedir dinheiro para uma conhecida do meu amigo, se não ia perder o ônibus.” A aluna reforça que a necessidade de ficar sacando dinheiro constantemente ou pedindo trocados atrapalha muito no transporte, ainda mais para um ingressante que conhece poucas pessoas para fazer tal pedido. 

“Eles apenas não respondem”. A aluna Sophia Vieira, caloura representante do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC), afirmou que a administração da ECA não apresentou respostas consistentes, e delegou os problemas para a SPTrans. Vieira completa que, com o tempo, as respostas foram diminuindo sobre diversas pautas e, hoje em dia, eles já “nem respondem mais os e-mails.” Ela cita que isso dificulta a relação estudante-administração, e que diversos problemas poderiam ter sido evitados caso houvesse uma estrutura comunicativa eficiente. 

Sophia diz que há planejamentos para mobilizações, e a requisição dos BUSPs provisórios está em pauta; porém, ela complementa com um chamado para a organização estudantil: “não tem como acontecer uma mobilização só do CALC, precisa ter uma mobilização dos alunos também.”

João Chahad

Jônatas Fuentes

Marcelo Teixeira

Sarah Kelly

Revisão: João Chahad e Lara Soares

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Universidade de São Paulo - USP | Escola de Comunicações e Artes - ECA | Departamento de Jornalismo e Editoração - CJE | Disciplina: Conceitos e Gêneros do Jornalismo e suas Produções Textuais | Professor: Ricardo Alexino Ferreira| Secretária de Redação: Lara Soares | Editores: Nicolle Martins (Cidadania), Sofia Zizza (Ciências), Julia Alencar (Cultura), Gabriel Reis (Diversidades), Nícolas Dalmolim (Educação), Artur Abramo (Esportes) e João Chahad (Local).

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